RASCUNHO
Por Lika Junge
Desde que nascera fora feito de traços fracos, mas definidos. Era uma folha em branco que, pouco a pouco, a cada risco, tomava a forma de desejos.
Desejos que nunca foram seus.
Ootori Kyoya não passava do terceiro filho de uma família poderosa no Japão. Poderia não parecer pouco, mas para ele era. Porque quando se é o terceiro filho de uma família poderosa, não há espaço para idéias promissoras e revoluções. Somente para as vontades de um patriarca que já havia obtido tudo o que queria dos dois primeiros filhos.
E assim, Kyoya começava a tomar a forma de um rascunho.
Um rascunho dos desejos de seu pai.
Nunca lhe perguntaram se era isso o que queria. Nem ele mesmo se fez alguma vez essa pergunta. O que importava era que ele era o que esperavam que fosse. Meros traços maquinais que serviriam de suporte para os que estavam acima dele.
E por trás dessa submissão inquestionável, se escondia um potencial assustador, que deveria ficar justamente assim: escondido. Em um sorriso falso e automático, em um par de olhos frios e calculistas.
Então, dia após dia, Kyoya não parava. Continuava e rabiscar com precisão, conforme lhe era mandado. Para manter a sua família num pedestal. Enquanto ele continuava nas sombras que criava dentro de si.
Apenas um rascunho.
E rascunhos não tinham desejos, não tinham vontade, nem ao menos vida própria. Assim era ele. E se existia algo por detrás disso ninguém saberia. Porque ninguém era capaz de ver, enquanto ele via até demais.
Mas verdadeiras obras de arte precisam de um começo, de um rascunho. Nunca ficou preciso o exato momento em que riscos deixavam de ser riscos e viravam algo vivo. O que se sabe é que traços maquinais precisam de um artista que dê cor, movimento e vida à eles. Foi então que Suou Tamaki fez uma aparição triunfante e talvez exageradamente escandalosa na vida do terceiro filho Ootori – aquele que não tinha vontades, nem desejos.
O loiro era somente o filho bastardo de mais uma família poderosa. E o que acrescenta graça à sentença é que a família Suou era rival da Ootori. Então, como um bom filho, Kyoya foi criar laços – sem cor e sem vida – com Tamaki.
Por mais um desejo de seu pai.
Foi assim, num piscar de olhos, que já tinha um "melhor amigo". Mas já tivera amigos antes, e para Kyoya amigos não passavam de mais uma relação financeira que ajudaria seu pai e seus irmãos nos negócios.
Só que então os primeiros riscos tortos apareceram, e Kyoya esqueceu a rigidez e a definição com a qual deveria traçar sua relação com Tamaki. Esqueceu que eles eram ambos filhos de famílias poderosas – e rivais. E quando não era mais necessário agradá-lo ou ser cordial, sentiu algo que chamavam de saudades.
Então o rascunhou ficou confuso.
E Kyoya não entendeu como o som do piano se representou tão bem no papel, nem como o choque da realidade que Tamaki esfregara-lhe na cara explodiu nas mais variadas – e vivas – cores.
Mas, de repente, não tinha mais vontade de se manter nas sombras nem de fazer riscos retos e milimetrados. Nem de tratar as pessoas com meros laços financeiros. Nem – principalmente – de servir de suporte para os seus irmãos enquanto tinha uma mente pulsante que gritava por liberdade, por poder mostrar ao mundo do que era capaz.
Então, sutilmente, o rascunho mudou. Drasticamente.
E como não se sabe em que momento nasce uma obra de arte, o rascunho continuava sendo apenas um rascunho. Mas agora não era maquinal nem confuso. Não representava os desejos de um patriarca nem respondia aos limites impostos pelas aparências naquele mundo de gigantes.
Era o rascunho de seus próprios desejos.
E ele tinha vida, apesar de continuar sendo um rascunho. Mas afinal de contas, tudo não começa com um mero rascunho?
Resposta ao Desafio dos 140 temas do Fórum Mundo dos Fics o/
Kyoya ¬
Até que não odiei tanto esse fic XD
