Esses personagens não me pertencem. Aceito críticas. Boa leitura.
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Tinha acabado de chegar e estava exausta. Tinha voltado àquela maldita casa, para aqueles malditos moradores e para aquela péssima decoração fúnebre. Acreditava piamente que se tratava de uma piada de mau gosto do seu tutor em relação à alma deles.
Mal passara pelo hall percebeu que aquele fedido estava tocando o piano.
_"Ótimo, estava precisando mesmo de um motivo para ferra-lo", Pensou maldosamente.
As notas eram conhecidas, MPB talvez e das boas, mas nada justificaria usar o instrumento que o tutor havia proibido permanentemente. Ele era egoísta, e estava os preparando para o mundo que é igual a ele.
_" Não fala nada,
Deixa tudo assim por mim,
Eu não me importo,
Se nós não somos bem assim..."
_"Como assim ele esta cantando?", pensou horrorizada. Aquela maldita voz irritante, irritantemente, estava afinada.
A moça chegou mais perto se esgueirando pela fresta da porta.
_" É tudo real
Nas minhas mentiras,
E assim não faz mal,
E assim não me faz mal não..."
O absurdo agora já não era mais o fato d'ele estar cantando, agora era o modo como ele cantava.
Talvez o fato da casa estar vazia e a sensação de liberdade proporcionada por isso o tivesse libertado por alguns instantes da mascara que cobria o rosto de todos os moradores daquela casa.
_"Noite e dias se completam
No nosso amor e ódio eterno
Eu te imagino, eu te conserto
Eu faço a cena que eu quiser..."
A emoção contida na forma de cantar aquelas palavras e nas expressões do rosto era torturante para a garota.
_"Ele não pode ter sentimentos, não ele. Por favor! "- seria doloroso demais para ela enxerga-lo como um alguém, e pior ainda era a interpretação que sua mente invasiva e tola criava em torno do que ele dizia.
_"Eu tiro a roupa pra você,
Minha maior ficção de amor,
Eu te recriei
Só pro meu prazer, só pro meu prazer..."
A porta rangeu.
Agora ela sabia que além de deboche e sarcasmo ,com essa música ele poderia expressar algum tipo de amor, ou qualquer que valha. Com o ranger da porta e a parada repentina no piano, ela descobriu que ele era capaz de passar pelo susto, angustia, desespero, raiva, e por fim o velho deboche.
_"Hey, mal amada, o que você pensa que tá fazendo?"
"_Eu que pergunto, seu idiota! Você sabe perfeitamente que não pode ficar usando o piano favorito do Professor em permissão!"- Disse com sua rotineira e esganiçada voz de repudio a tudo que Suigetsu fazia. E com um dedo reprovador apontado na direção do rapaz- "E por que diabos você estava cantando essa música estúpida?"- Completou em um tom injuriado com suas mãos nos quadris de forma autoritária.
_"NÃO É DA SUA CONTA!"- Não havia deboche, não havia na resposta nem ao menos o tom respondão costumeiro usado pra provocar.
Ele fechou com violência o instrumento, e saiu enfurecido do local, mas ainda assim tomando cuidado para passar o mais longe o possível da ruiva, não sem antes olhar de forma indescritível para ela.
O cuidado de fazer algo sem que os outros vissem, o piano, a música, o tom, a expressão. As expressões, o tom, a resposta, o piano, o cuidado ao passar de sempre, mas completado com um "fazer questão que ela visse o que havia em seus olhos".
Por alguns minutos ela não entendeu o que havia nos olhos dele. Ou não quis. Ou preferiu não querer. Ou fingiu que não entendeu. Mas aquela droga de música era para ela, querendo ou não. O fato de saber disso não mudava em nada o fato para ela de que ele não passava de um verme nojento e fedido. O que doía era que ela sempre soube que ele era um verme nojento e fedido e com sentimentos.
Essa droga de situação a deixava confusa demais para resolver a maldita atividade de genética que foi passada naquele dia para ser entregue no outro.
Na verdade foi tão confuso o que aconteceu ali que por quase 30 minutos ela ficou encostada na parede junto à porta somando 2+2 e encontrando 5, embora ela soubesse no fundo que era claramente 4.
Voltou para o quarto, tomou um banho, pôs a roupa e iniciou suas atividades escolares normalmente.
Para ela, mexer em algo que não deve ser mexido seria uma perda de tempo. Embora fosse muito estranho ter a certeza de que ele retirava suas roupas em pensamento...
Tratá-lo-ia como sempre ao amanhecer. Mas não iria para a sala de jantar essa noite.
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_"Maldita, maldita!" , repetia infindavelmente ao esmurrar o pobre e inocente saco de areia.
Ao cansar deitou-se na cama desajeitadamente e tentou fingir para o espelho da estante ao lado que estava com sono. A piada era ele sabia que a pior mentira era a contada para si.
Abriu e fechou os olhos algumas vezes tentando esvaziar a mente. Era impossível.
_"Ela é inteligente demais. Ela é lógica demais."- Conformou-se.
Agora ela sabia que ele tocava o piano escondido. Sabia que ele cantava. Sabia que ele tocava piano, cantava e ainda por cima apaixonadamente. E por ela.
_"Maldita!"
Chorou a noite inteira em silencio por ter revelado humilhantemente a pessoa que mais odiava que a amava.
