Ainda tento puxar, no íntimo de minhas memórias, como foi a chegada na Cidade dos Lírios.

Tanto me incomodavam os raios de Sol que me acordaram, estava deitada no banco de trás do carro de meus pais. Eles mantinham um pensamento em comum.

"Uma bela manhã, uma nova chance para recomeçar".

Estávamos finalmente na Ciadade dos Lírios, uma pequena cidade a Oeste do país, totalmente diferente da paisagem cinza da qual eu fazia parte.

O primeiro dia de mudança foi árduo, mas pra ser sincera, não participei dos rituais. Poupei minha energia e caminhei pela vizinhança. A paisagem era composta por casas simples, aos arredores, tudo muito verde, muitas flores. Principalmente Lírios. Ficava me perguntando sobre quando seria o dia em que tudo não passaria de um completo tédio.

Onde estavam as pessoas de terno e gravata, passando apressadamente pela rua, com seus celulares e problemas dos dias normais?

Era só o vento calmo, as pessoas sorridentes. Um lugar onde todos se cumprimentavam, como se todos já se conhecessem há anos. Embora bonito, era o sinal de que aquele lugar não passava de um fim de mundo qualquer.

Mas era tempo de recomeço, não é?

Tudo bem, acho que me acostumaria com uma vida dessas, só não saberia, mais tarde, que odiaria tanto ver pessoas de terno e gravata andando apressadas.

Pois seria o mesmo que um presságio de morte.

Capítulo 1- Idiota

Já havia tomado café da manhã, em meio a caixas. Achar talheres foi uma missão bem mais complicada do que costumava ser no apartamento em Lumiere. Sentia falta da vida prática. Mamãe insistia em dizer que com calma tudo se ajeitaria, ela parecia bem feliz com a distância.

O uniforme do Colégio Laurent Lírio era um tanto moderno se comparado a arquiterura da construção, camisa branca com uma saia em bordô, saia esta que deixava minhas pernas um pouco à mostra. Mas tudo bem, não sou do tipo que se importa com essas futilidades.

Recebi olhares de muitos meninos, caramba, será que nunca viram uma garota nova por aqui, ou pelo menos pernas? Tanto faz, fui até a sala da diretoria para me informar, estava devidamente matriculada e deveria me apresentar na sala 3002.

Então tive de esperar do lado de fora da sala, enquanto todos já estavam posicionados em seus lugares. Da janela mesmo notei que havia um garoto um pouco isolado do resto da turma.

Tudo bem, colégios não foram feitos para que todos sejam pessoas felizes, um monte de gente é excluído mesmo, muitos até se matam após matarem uns cinco ou seis colegas de classe. Só que parecia estranho, ele não aparentava ser má pessoa, e não era nem um pouco feio. Aliás, parecia um tanto charmoso o modo como ele parecia escrever algo no final do caderno.

-Por favor, minha querida, entre e apresente-se. - Surpreendeu-me o professor, enquanto eu olhava para o tal aluno pela janela.

Esse tal garoto estava crucificado. Não é só uma expressão, mas ele sentava-se no meio da classe, e ainda assim, as primeiras cadeiras em suas laterais, frente e costas estavam vazias. Perguntei a mim mesmo se deveria me sentar por lá.

Talvez os alunos que ali se sentavam tivessem mesmo faltado.

-Vamos, senhorita, apresente-se para a turma. - O professor me trazia de volta a realidade.

-Ah... Claro, me desculpe professor. - Devo ter parecido tímida para a turma.

Sabe, eu gostaria de matar a pessoa que inventou esse ritual ridículo onde o aluno novo deve se apresentar a turma dessa forma, só a espera do lado de fora da classe já fora gritante, mas estar no meio de um bando de desconhecidos, e ainda por cima ter que falar de si mesma... Caramba, isso é dose.

-Olá, me chamo Mary Pinheiro, mudei-ma para cá há pouco, tenho 17 anos.

Achei que seria o suficiente, calei-me e fui recebendo as boas vindas de todos.

-Heiro, não vai dar as boas vindas a sua nova colega de classe?!

O professor parecia furioso, e nem havia tanto alarde pra isso. Como é que, no meio de tanta gente, ele conseguira notar que apenas ele não havia me dado as boas vindas? Aliás, também achava estranho o fato de eu também notar que ele não havia dito nada, foi quase como se eu me importasse.

O rapaz levantou a cabeça devagar, olhou bem para o professor, suspirou e virou-se para mim.

-Bem-vinda, moça. - E então voltou seu olhar novamente para a janela a sua esquerda.

Achei melhor não responder nada, e aquela altura, não sentia-me muito bem em preencher um dos lugares perto dele, fiquei mesmo na primeira carteira da primeira fila, atrás de mim, sentava-se uma garota chamada Lira.

Lira interessou-se por minha vida, perguntou bastante sobre como era Lumiere. Ao mesmo tempo, dizia como era a vida na Cidade dos Lírios. Vazia durante o dia, mas intensa sobre os olhares da Lua.

Ela devia ser a menina mais bela de todo o colégio, com aqueles belíssimos olhos verdes, a pele branca, o sorriso simpático e os cabelos negros e lisos, que sequer eram oleosos! Ah, ela era simplesmente a "Miss Perfeição", o que com certeza incentivava os meninos a ficarem olhando pra ela durante toda a aula.

Aula essa que passou rápido.

Lira me fez uma observação antes que eu pensasse em sair.

-Que achou do Heiro? - Ela foi bem direta.

-Ele me parece ser um tanto estranho... - Fiquei com a imagem do rapaz de cabelos negros na mente - Não lembro de ter visto ele conversando com ninguém.

-Bem... - Ela olhava para onde ele se sentara - Você precisa manter uma certa distância dele.

-Ele é algum tipo de criminoso? - Disse, em tom de zombaria.

-É que as pessoas da cidade não gostam dele, ser amigo dele ou qualquer coisa do tipo fará o ódio da cidade cair sobre você também, entende?

-Não entendo, será que não dá pra definir isso melhor?

-Deixemos isso pra outro dia, estou um pouco atrasada. Mas, por favor, tente não se aproximar dele, pelo seu próprio bem. - Ela parecia um tanto preocupada.

Então Lira me deixou lá, um tanto confusa, sequer me perguntou se eu a acompanharia até a saída. Fui caminhando pelos corredores, pensando em toda a aula de Geografia. Caramba, um dia inteiro de Geografia, e nosso País nem é tão grande assim.

Branco, alto, usando uniforme com manga comprida mesmo no calor, cabelos negros e curtos, parecia ter um bom porte físico também, embora magro... Esse era o tal Heiro.

Só ali percebi que os meninos usavam um uiforme diferente, camisa social branca com uma calça preta. Cadê a igualdade de direitos? Usamos bordô e podem usar o preto básico?!

Mas não me importo com isso, gosto de meninos com um ar formal. Estava pensando em tantas coisas que acabei me perdendo para encontrar a saída, se eu tivesse feito um caminho direto do portão de entrada até a sala, não teria acontecido isso, mas como eu havia partido para a diretoria, depois para a sala...

-Ei, Heiro, ninguém gosta de você aqui.

Um menino estava o ameaçando, era mais baixo, branquelo e com sardas.

-Espero que tenha entendido o recado! - Continuava o menino.

Ele o deixou depois de empurrá-lo contra alguns armários.

Naquele momento agi instintivamente, eu podia simplesmente ter ignorado o que havia acontecido e ter encontrado a saída com minhas próprias pernas, mas não sei exatamente o que houve, talvez tenha sido aquele olhar frio, o fato é que me aproximei com a melhor das intenções possíveis: A de ser simpática.

-Você está bem? - Acho que pareci espantada.

-Pareço machucado? - Ele nem sequer olhava na minha direção.

-É que ele te empurrou contra o armário, pareceu ter doído. - Ele finalmente voltara a face para mim.

-Então você se preocupa? - Agora era ele quem parecia espantado.

-Claro! - Respondi imediatamente.

-Engraçado, achei que fosse igual a todos os outros.

Ele sorriu, senti vontade de dizer que ele tinha um sorriso muito bonito, mas não queria parecer atirada, então voltei ao foco da conversa, e pra voltar ao foco da conversa, acabei tendo que balançar a cabeça. Algo como: "Mary, volte a realidade, menina!"

-Como assim?

-É que no início você me pareceu ser uma idiota qualquer.

Acho que não tive muito tempo pra entender o que ele disse, a imagem daquele mínimo sorriso ainda não me saia da mente, e quando dei por mim ele estava de costas, afastando-se, os raios de luz o acertavam em faixas como resultado das pilastras em tiras, ali perto havia uma fonte com um cupido, a água saía por sua boca, o cupido apontava sua flecha para mim. Lá ia Heiro, com as mãos nos bolsos.

-Preciso de ajuda pra achar a saída!

Ele virou-se, sem sorriso algum, retirou uma de suas mãos do bolso e enconstou no cupido, trazendo a face de volta por detrás da estátua, disse:

-Siga-me.

Já na cama nova, rodeada de caixas, parei pra pensar no dia. Tudo o que vinha a mente era a imagem daquele garoto de cabelos negros e alto. Então parei pra prestar atençã em cada detalhe do que ele dissera. Pois para ele, eu, no início... Pareci ser uma idiota qualquer.

Espera aí...?

-O IDIOTA É ELE! - Gritei enquanto batia naquela maldita cama desconforável, acordando metade da vizinhança.