-- LINA INVERSE E A PEDRA DO FEITICEIRO --

Prólogo – O Menino (?) Que Sobreviveu

O Nº4 da Rua dos Alfeneteiros era o lar de Martina e Zangulus. Coloca-se dessa maneira porque dizer Sr. e Sra. (inserte aqui o sobrenome) era muito complicado já que ambos tinham o ultimo nome extremamente comprido e complexo, por cortesia de Martina. Eles se orgulhavam em dizer que eram pessoas totalmente normais, embora quem os conhecia dizia exatamente o contrario...

Zangulus era o homem da casa, alto com os cabelos longos e negros presos em um rabo-de-cavalo, usando seu inseparavel chapeu marrom, e sempre ignorando os frequentes comentarios (principalmente de sua mulher) de que seu chapeu é uma tentativa bem sucedida de assassinato à moda. Apesar da pose superior e da atitude confiante, Zanggy era facilmente controlado por Martina, se submetendo as seus caprichos com o minimo de reclamação possivel. Que é o que faria

qualquer homem são, diante da perspectiva de enfrentar uma Martina descontente, de acordo com o próprio Zangulus (O horror! O horror!).

Era Martina quem tomava as decisões na casa. E ela decidira que queria ter uma filha. E assim foi feito. Mas como tudo na vida de Martina Zoana Mel Navratilova (sim, esse é o sobrenome dela, que fez questão de forçar o marido a adotar), a ideia da filha tambem não deu certo. Tiveram então, um filho. Claro que não seria a mesma coisa que criar a garotinha para ser tão bela e decidida quanto a

mãe, e ensina-la a se dedicar ao grande Zoamelgustar e suceder a mãe em seu posto de sumo-sacerdotisa de sua Ordem, mas... tudo bem. Ambos amavam seu lindo filinho, Margulus. O pai se orgulhava por ter um filho que era sua cara e a mãe... ora, sempre se podia contar com um sumo-sacerdote, afinal.

Era uma típica manhã de teça-feira quando Zangulus notou coisas estranhas acontecendo. Depois de se arrumar para o trabalho, dar papinha para Marggy, dar banho em Marggy depois que Martina começou a gritar sobre a sujeira, limpar o chão quando Martina gritou um pouco mais sobre a sujeira, tirar sua espada de estimação do alcançe do bebê pela terçeira vez na semana, beijar sua mulher em despedida, colocar seu chapéu na cabeça, receber mais gritos de Martina e beija-la novamente, correr para fora antes que sua mulher conseguisse gritar com ele de novo, ele viu uma coisa um tanto incomum.

Um lagarto com asas. Ora essa.

Sentando-se no banco do carro, Zangulus afivelou o cinto, colocou a chave, pensou o que o lagarto alado estaria fazendo em seu quintal,ligou a ingnição, começou a dar a ré, manobrou para sair da--

Espera um pouco! Zangulus olhou de novo para o quintal e viu um lagarto amarelo, dessa vez sem asas. Ele ficou parado encarando o réptil e coçou a cabeça. Lagartos não tem asas, mas ele pode jurar que tinha visto um par de asas de morcego naquele bicho. Esquisito. Talvez a pancada que Martina dera em sua cabeça noite passada com a frigideira tivesse começado a afeta-lo.

A manhã fora completamente normal para Zangulus, tirando um grande passaro que parecera vir de lugar nenhum que roubou seu chapéu. Depois de perseguir o bicho a pé durante uns bons trinta minutos e lutar bravamente por sua peça do vestuario favorita ele reparou num grupo de pessoas esquisitas paradas proximas a ele. Se vestiam com roupas semelhantes aquelas que ele encontrara no baú de coisas velhas de Martina: capas longas, robes, casacos escuros, figurinos estilo "bikini" exóticos e etc. Passando perto deles ele ouviu cochicharem.

- Voce soube? Tudo destruido...

- Os Inverse, pelo que ouvi...

Zangulus parou e pensou. Onde já ouvira esse nome? Inverse, Inverse... Não era muito comum, não é? Ele continuou seu caminho de volta ao trabalho ainda pensando, mas logo o assunto foi varrido de sua cabeça belos berros de seu chefe.

O restante de seu dia de trabalho foi igual a sempre. A luz caiu lá pelo meio da tarde, recebeu broncas e gritos de seu chefe, trabalhou a luz de velas porque manteve a janela fechada para evitar outro pássaro doido de roubar deu chapeu, se esforçou o dobro para compensar as inumeras pessoas que faltaram ao trabalho naquela tarde, comprou pãezinhos na padaria da frente (e um yogute light para Martina, ela estava de dieta), ignorou as crianças que corriam carregando tochas faiscantes e teve que fazer um desvio por causa da gigantesca estatua que fora colocado no meio da avenida principal. Nada de errado que ele pudesse perceber, claro.

Com exeção do bendito lagarto amarelo. Dessa vez o bicho estava encima do muro da casa. Parando o carro com cuidado para não subir na calçada dessa vez, Zalgulus foi examinar o lagarto mas esse saltou para longe quando o homem puxou sua cauda, com a intenção de ver melhor o que tinha na ponta. Alguma coisa cor-de-rosa. Coçando a cabeça, Zangulus deu de ombros e entrou.

Encontrou a cena perfeitamente normal de sua esposa correndo de um lado para o outro tentando evitar que o saudavel garoto de um ano que acabara de aprender a andar Margulus cortasse suas cortinas novas com a faca de churrasco.

Tirando a faca das mãos do anormalmente rápido menino no primeiro grito que recebera de Martina, ele disse boa noite e beijou sua mulher. Tentou beijar Marggy tambem, mas este já tinha corrido para o quarto para procurar a espada de estimação de seu pai. 'Garoto esperto', pensou Zangulus, 'não importa aonde se esconde, o menino sempre encontra de novo. É inteligente feito o pai!'

- Mas que coisa! - exclamou Martina, carregando o filho esperneando para for a do quarto - Ele adora aquela coisa! Zan-zan, voce tem que se livrar daquela espada antes que Marggyzinho consiga carrega-la! Sabe Zoamelgustar o quê ele faria com aquilo.

- Mas, Martina querida, é tradição de familia que os homens de cada geração aprendam a arte do combate de espadas - respondeu Zangulus em tom desapontado - Vejá só! Ele meu meu sangue nas veias! Gostou da espada. Vai se tornar um espadachim habilidoso quando crescer.

- Ninguem usa mais essas coisas hoje em dia - Martina reclamou, forçando o filho para dentro do cercadinho - E ele vai crescer para espalhar as palavras de Zoamelgustar, ja te disse! O futuro do garoto está garantido, não venha querer inventar moda.

- Mas...

- SEM MAS! - tanto Zangulus quanto Margulus amudeceram diante do berro da mulher. Satisfeita com a reação obtida, ela continuou, sorrindo meigamente – Ora amor, alguem tem que continuar o culto quando eu não estiver mais aqui. Com certeza, satisfazer e honrar o nome temido da poderosa entidade que protege nossas vidas e amaldiçoa nossos inimigos é mais importante que brandir um

pedaço de metal, não acha?

- Na verdade-

- NÃO ACHA?

- H-Hai! - Zangulus acenou com a cabeça repetidas vezes, sorrindo – Absoluta certeza, benzinho. E viva Zoamelgustar!

- Viva Zoamelgustar! - Martina bradou com alegria, seguindo para a cozinha pensando em servir para seu marido o jantar, mas parou em meio do caminho para sonhar acordada com o futuro glorioso de seu filho e de sua seita.

Zalgulus suspirou aliviado. Ele nunca entendeu bem esse negocio de Zoamelgustar e de grande entidade poderosa e vingativa, mas falar bem dele servia para deixar sua mulher mais calma. Atualmente, a Ordem de Culto ao Monstuoso Zoamelgustar, fora sua sumo-sacerdotisa e fundadora Martina, tinha apenas outros cinco membros: O pai de Martina, Zangulus, Marggy (sendo esse o membro mais novo) e um sujeito revoltado que morava com a mãe a duas quadras dalí.

Margulus ficou de pé com facilidade e segurou na beirada do cercadinho, parecendo nada feliz por estar lá dentro. Ele esticou um braço na direção do pai e balbuciou algo que se parecia com "da da de". Zangulus olhou para o filho, sorriu e se dirigiu a ele falando naquela maneira idiota que as pessoas geralmente reservam para falar com bebes ou bichinhos de estimação.

- Quem é o galotão do papai? Quem é? É voxe xim! É xim! Né? Fala "papai" fala!

Marggy apenas olhou para o sorriso bobo do pai por alguns instantes, depois voltou a resmungar, tantando achar um jeito de sair do cercadinho. Nesse momento Martina voltou da cozinha, com uma expressão sonhadora, trazendo uma bandeija. Vendo a mãe, Margulus começou a esticar os braços na direção dela e balbuciar coisas sem sentido.

- Vamos! "Papai", fala! É facil! - Zangulus insistiu, e depois de perceber que estava sendo ignorado pelo filho, se virou para sua mulher - Marty querida, voce não acha que Margulus já devia ter aprendido a falar? Quer dizer, ele já tem um ano!

Martina encarou seu marido como se ele de repente tivesse feito crescer uma cabeça a mais.

- Mas ele fala! - Martina disse, confusa.

- Papa! - a vozinha de Margulus se fez ouvir.

Zangulus encarou o filho e sorriu de orelha a orelha.

- Querida, voce ouviu? Ele disse papai! Ele me reconheceu!

Nesse momento o bebe se virou para Zangulus e disse:

- Mama!

- Quê? Não, eu sou papai. Fala de novo, "papai"!

- Mama! Mama!

- Papai! Papai!

- Benzinho, para de exigir demais da criança - Martina foi para o lado do cercadinho. Margulus virou para ela e segurou nas poucas vestes da mãe.

- Papa!

- ... - foi a resposta de Martina. Zangulus falou cautelosamente, com medo de ofender, ou pior, irritar sua mulher.

- Querida, acho que voce se enganou... ele não tá falando tão bem assim...

- Mas é claro que está! - Martina arrebitou o nariz, orgulhosa - Ele só está falando invertido, isso passa com o tempo.

- Invertido... - Zangulus coçou os fios negros emaranhados debaixo de seu chapéu e se lembrou de uma coisa - Marty, meu bem, voce conheçe alguem chamado Inverse?

Martina congelou na ação de apanhar novamente a bandeja (antes ocupada com um bolo de frutas que fora impiedosamente devorado pela mulher) e fechou as mãos em punhos. Ela trincou os dentes e seu rosto se contorceu de maneira desagradavel. Zangulus, não reparando na reação da mulher, continuou falando.

- Não é por nada não, mas tenho a impressão que eu já ouvi esse nome em algum lugar. Ele me lembra alguem... mas não sei quem. Estranho né? E hoje eu ouvi falarem Inverse na rua e pensei "Puxa, eu conheço algum Inverse" e decidi perguntar pra voce se tem alguem que a gente conheçe chamado Inverse, porque Inverse não é um nome muito comum e...

Margulus arregalou os olhos e se encolheu dentro do cercadinho, enquanto seu desatento pai continuava falando, sem reparar que o rosto de Martina se contorcia de maneira pior a cada vez que ele falava o nome Inverse. Na altura do campeonato a cara da mulher estava escarlate e ela tremia dos pés a cabeça, mordendo o lábio tão forte que era surpreendente que ainda não começara a sangrar.

- ... foi quando eu lembrei que Inverse é...

- MALDITA SEJA! - Zangulus quase caiu para trás da poltrona quando sua mulher berrou as duas palavras que não tinham o minimo sentido naquele contexto. Ela avançou para o marido, lívida em furia, apontando dramaticamente para ele - Como voce me faz isso? Depois de um dia feliz onde eu me senti feliz cuidando feliz do meu filho, aprimorando feliz o meu culto secreto, ouvindo feliz a fofoca dos vizinhos, esperando feliz meu marido feliz voltar do trabalho feliz... E VOCE VEM COM ESSE MALDITO NOME!
- M-M-Mas Martina, benzinho, querida, amor-
- Não me venha com "benzinho"! E eu aqui toda contente de pensar que jamais ouviria esse nome em toda a minha vida!
- ...Mas porque, qual é o problema com o nome Inver-
- NÃO REPITA! - Zangulus se encolheu de novo. Martina levou as mãos a cabeça, despenteando os cachos verde-azulados – Esse nome significa problemas! Significa apenas más lembranças para mim! Significa desgraça e graças a Zoamelgustar eu nunca mais vou ter que ouvi-lo em toda a minha vida! E seu eu ouvir voce repetindo essa maldita palavra na minha presença de novo eu juro que vai se arrepender do dia em que se casou comigo, ENTENDEU?

- H-Hai! - Zangulus engoliu em seco e se enterrou no seu chapéu. Martina ficou parada no mesmo lugar, os punhos cerrados, respirando pesadamente derante varios minutos.
Algum tempo depois, ela se endireitou.

- Eu vou pegar mais bolo, que alguma coisa querido? - ela falou normalmente, como se nada tivesse acontecido.
- N-Não, obrigado... - Zangulus resolveu fingir que sua mulher não quase o matou com um ataque de furia repentino e se levantou da poltrona, os joelhos tremendo um pouco – Acho... acho que vou me... deitar...
- Tá bem, pode colocar Marggyzinho na cama pra mim, moreco? - Martina disse meigamente enquanto se dirigia a cozinha.
- Claro...
Enquanto Martina acabava com o bolo de frutas (e com sua dieta), Zangulus a obedeceu e foi colocar Margulus para dormir, uma tarefa árdua e perigosa, recomendada apenas para aqueles que tem maior sede por adrenalina e emoções fortes. Depois de muito esforço, pontapés, berros e canções de ninar, Marggy cansou de puxar o longo cabelo de seu pai e resolveu dormir de uma vez por todas. Zangulus deixou seu filho no berço e foi para seu quarto.

Martina já estava dormindo quando Zangulus entrou na suite master (e unica suite) da casa. Ele tomou um banho e foi deitar para dormir, uma das raras situações em que não usava seu chapéu (afinal, ele poderia amassar). Antes de entrar embaixo das cobertas, porem, ele lançou um olhar rapido pela janela e viu. O lagarto ainda estava lá.
Zangulus franziu a testa. Não sabia porque mas tinha encanado com aquele lagarto. Fez uma nota mental para lembrar de perguntar a Martina no dia seguinte se amarelo é uma cor natural dos lagartos, mas logo esqueceu de tudo assim que enconstou a cabeça no travesseiro, dormindo pesadamente quase na mesma hora, de cansaço. E não se lembraria de perguntar amanhã.

Enquanto Martina sonhava com suas quatro coisas mais preciosas (seu filho, sua seita, seu dinheiro e seu marido, em ordem de prioridade) e Zangulus roncava alto ao seu lado, do lado de fora da casa a Rua dos Alfeneteiros tambem parecia dormir. Estava completamente deserta. Nem uma viva alma vagava pelas calçadas naquela hora. Uma brisa soprou preguisosa, farfalhando as folhas das arvores. A luz monótona dos postes pouco servia para clarear o caminho dos pouco provaveis pedestres. Aos poucos, a luz das casas iam apagando uma por uma. Toda a rua parecia dormir. Com exeção...
O "lagarto" moveu sua cauda ligeiramente quando avistou um homem descendo a rua. Era um homem bem grande e corpulento, o rosto decorado com barba e bigode escuros, vestindo vestes longas e brancas que nada combinavam com o clima do lugar. Ele avistou a criatura amarela em cima do muro da casa nº4 e sorriu. O bicho olhou de volta, como se esperasse que o homem viesse em sua direção, e foi o que o homem fez.
Depois passou reto.
Uma gota desceu comicamente pelas costas da cabeça do réptil enquanto o homem seguia descendo a rua, passando batido pelo nº4, assobiando uma alegre melodia. Quando estava quase no final da rua ele coçou a cabeça e olhou ao redor.
- Podia jurar que era por aqui... - ele murmurou para si mesmo, confuso. Depois olhou de volta rua acima e viu novamente o lagarto amarelo. Estranho, aquele bicho parecia familiar...
A ficha caiu. Voltando apressado o homem olhou para a casa, verificando o pequeno quatro de cobre pregado na parede branca, e sorriu mais uma vez, contente consigo mesmo. Ele se sentou no muro baixo ao lado do lagarto, que estava com uma expressão indiscritivel já que repteis não tem exatamente expressões, mas talvez fosse a de um grande constrangimento.
- Imagine encontrar a senhora aqui, Profa. Filia Ul Copt. - ele disse, se dirigindo ao pequeno animal a sua esquerda.
Ele se virou para olhar, mas o lagarto havia desaparecido. Na verdade, aquilo não era um lagarto, mas mencionar isso é desnecessario aqui. Sentada no lugar onde o réptil estivera havia uma bela mulher loira, tambem trajada em vestes rosa e brancas. Ela tinha exatamente a expressão de constrangimento julgada para o "lagarto", misturada com um pouco de ligeira irritação.
- Porque fala como se fosse conhecidencia? Voce me pediu para vir aqui, Phil – ela falou lentamente, assistindo uma gota de suor descer pela cabeça do homem.
- Humm... pedi? Juro que não me lembro... - o homem coçou a parte de trás da cabeça, em constrangimento, depois acrescentou alegremente - Em todo caso, que bom que está aqui, Filia!
- Ás ordens! Porem, queria saber porque eu vim aqui – A mulher chamada Filia tirou uma chicara e um bule de chá de algum lugar de suas vestes e começou a preparar sua bebida. - Detesto ter que assumir meu tamanho poket para situações como essa. É tão... indigno.
- Acho que os trouxas ficariam um tanto.. hum, alarmados, se vissem voce na forma original, Filia-san... - Phil comentou o mais educadamente que pode.
- Soube de cada boato sensacionalista que deixaria qualquer revista de fofoca no chinelo. E tudo está uma zona! Corujas voando em plena luz do dia, pessoas soltando fogos e rojões, milhares faltando ao trabalho para comemorar... e eu juro que quero saber quem e como enfiaram uma estatua de pedra de tres toneladas no meio da rua!
- Pois é, as pessoas estão começando a ficar irresponsaveis. Mas ainda assim elas merecem comemorar! Afinal, hoje é um dia de vitória para a Justiça e todos aqueles de coração puro que se aliaram ao lado do bem!
- Sim sim, é claro – Filia falou apressadamente, tentando não fazer o enorme homem se exaltar. Só com aquela bravata já deviam ter acordado metade da rua. - Mas as coisas que eu ouvi.. Voce sabe o que realmente aconteceu? Sabe realmente porque todos estão comemorando?

- Mas é claro! - ele sorriu de orelha a orelha – Porque a Justiça se sobrepõe novamente sobre as forças do mal!

- ...
- ...
- ...
- ...Não, não sei.
Filia suspirou. Tomando um gole de seu chá (que Phil recusou quando esta ofereceu) ela começou a falar sobre os boatos que escutara durante toda tarde.
- O que eu ouvi – ela falou, em um tom de voz baixo e sério para enfatizar bem suas palavras – é que o Lorde da Escuridão foi finalmente derrotado. Que ele simplismente... desapareceu! Sem deixar vestigios. E o mais incrivel: Foi destruido por uma criança! Nem uma criança, um simples bebê. Foi o suficiente para colocar abaixo a criatura mais poderosa que toda a comunidade magica já enfrentou num piscar de olhos.
- Ah! - Phil exclamou de repente, cortando o clima da historia – Isso eu tambem ouvi. Historia louca, não é?
- Ah, com certeza. De onde esse povo tira tudo isso, não é mesmo, Phi-

- Nem parece que é tudo verdade! - Phil sorriu alegremente enquanto Filia se engasgou no meio da fala.
- C-Como? É tudo VERDADE? - ela exclamou, arregalando os olhos azuis para o homem ao seu lado.

- Mas é claro, Filia-san – ele assumiu uma postura mais séria – Por mais inimaginável que seja, eu acabei de confirmar essa historia. De fato, Shabranigdo...
Filia se encolheu involuntariamente ao ouvir o nome do Lorde das Trevas e tentou o maximo para recuperar a compostura. Phil pareceu não notar e continuou.
- ...foi destruido pelo filho dos Inverse, recebendo de volta o que merecia enquanto tentava matar a pobre criança. É claro que uma coisa dessas iria acontecer! Onde já se viu matar uma criança inocente? É a PUNIÇÃO da Justiça sobre aqueles que DESAFIAM as forças do BEM! - Phil se levantou e bradou. A resposta imediata de Filia foi um sonoro "Shhhh!".
Enquanto o gradalhão se sentava de novo, Filia pensava melhor no que acabara de ouvir.

- Mas... Phil, se isso é verdade, então... os rumores sobre os Inverse estarem... - a voz dela morreu quando viu a expressão no rosto de Phil.
- Temo que sim – ele confirmou numa voz estranhamente baixa para seu comportamento entusiástico e ruidoso habitual – Os Inverse foram destruidos, assim como a casa onde moravam e todo o quarteirão, sem contar metade do edificio do outro lado da rua. Tudo virou cinzas.
- Não pode ser... e-ela não poderia... não deste jeito covarde e cruel... P-Poque? Ah, Phil... - a voz de Filia tremia, os olhos azuis marejados com lágrimas. Ela abaixou a cabeça.
- Os objetivos do Senhor das Trevas são desconhecidos. – Phil colocou uma mão no ombro da mulher enquanto ela enchugava as lagrimas com a barra das vestes de uma maneira meio infantil – Essa é só mais uma das atroçidades que ele cometeu em nome de seus propósitos profanos. Mas agora não devemos mais nos preocupar! - Phil sorriu, novamente animado – Apesar da morte do nossos valorosos amigos esse foi um sacrificio digno e que nos garantirá a paz dos próximos anos, afinal, graças à criança Inverse, Shabranigdo se foi para SEMPRE!
Filia se encolheu, em parte por ouvir aquele nome tão odiado, em parte pelo grito empolgado de Phil. Ela tomou mais um gole de chá com as mãos tremulas.
- Acho que está certo... O mundo com certeza está melhor sem ele. Temos muito o que agradeçer aos Inverse. Mas talvez seja tolo afirmar que... ele se foi para sempre.
- Ah, bobagem, minha cara professora! Deixe de ser tão pessimista! - Phil sorriu alegremente, tirando alguma coisa de um compartimento em suas vestes – Quer um sorvete?
- O quê?
- Um sorvete! Os melhores de Saillune! Lá nós temos os sabores mais gostosos do país!
- Hum, não, obrigada – Filia falou, meio curiosa para saber onde extamente o grandalhão guardava aquilo. Ela ainda tinha na mente a questão da partida do Lorde das Trevas. Independentemente daquilo que Phil pudesse falar, ela ainda chava bom demais para ser verdade a possibilidade de dizer adeus ao maior terror da humaninade em segundos e nunca mais o ver. Claro, que alguma coisa tinha que estar errado. E não se podia contar com a persepção de Phil, já que esta era meio nublada. O grandalhão costumava ser positivo demais.
O vento soprou de novo e o som de folhas rolando rua abaixo chegou aos ouvidos das unicas pessoas acordadas do lado de fora das casas. Phil terminou seu sorvete. Filia terminou seu chá.
- Então Phil – a mulher retomou a conversa – Voce ainda não me respondeu o que estamos fazendo aqui. O que veio fazer nesse bairro trouxa?
- Vim deixar o filho dos Inverse com o Sr. e a Sra. Navratilova.
- Ah, claro, veio- O QUÊÊÊ? - foi a vez de Filia gritar, saltando em pé – Não, voce não está pensando... Voce não quer deixar a criança com as pessoas que moram ALÌ! - ela apontou para o nº4, ignorando as luzes que se acendiam nos comodos da casa da frente – Phil, você não pode! É loucura! Eu observei essas pessoas enquanto te esperava, não pode encontrar pessoas mais... inapropriadas para alguma criança como o ultimo Inverse!
Phil apenas olhou para ela.
- Ora, ele não tem familia. Seus pais estão mortos e não temos com quem deixa-lo. Eu cuidaria dele claro mas já tenho duas e acredite, já são problema o bastante!
- Mas essas pessoas não são familia dele!
- Mas são proximas a mãe! Eu pesquisei, parece que a mulher já teve laços com a Sra. Inverse – Phil sorriu orgulhoso consigo mesmo por estar tão bem informado – E, ora vamos, Filia-san, não são pessoas assim tão más! Tenho certeza que se já tiveram amizade com os Inverse devem ser almas honradas que fariam tudo em nome da paz e da felicidade!
- Phil, a mulher organiza uma seita satânica! - Filia falou exasperada. Uma gota de suor desceu pela cabeça de Phil.
- Tá bem, talvez não sejam as pessoas ideais, mas são a melhor opção que temos.
- E como voce prentende explicar para eles nossa situação? - a voz de Filia expressava um quê de descontentamento.
- Escrevi uma carta! - Phil tirou triunfante do meio das vestes um envelope amarelo. A boca de Filia se torçeu com ligeiro desdém e depois assumiu uma expressão preocupada.
- Não creio que poderá explicar tudo isso numa carta... - ela disse, observando Phil guardar o envelope novamente.
- Não posso? Humm... - ele pareceu pensativo – É, talvez tenha razão! É tudo muito complexo para um pedaço de papel! Talvez eu deva entrar, me desculpar o horário, e explicar tudo para o Sr. e a Sra. Navratilova com um de meus inspiradores descursos! Eu até tenho um preparado, que eu fiz na reunião da Guilda de Magia Branca a caminho daqui, é só acrescentar algumas partes...
- Hum, deixa isso pra lá. Acho que a carta vei servir com perfeição – Filia falou rapidamente, sob a perspectiva de ouvir um dos famosos e longos discursos de justiça de Philionel, tentando não imaginar a cara da familia Navratilova quando um homem enorme e barbudo bater em sua porta e começar a falar/berrar palavras de honra.
- Acha mesmo? Então está bem – Phil deu de ombros.
- Mesmo assim, acho que deixar o menino aqui não é uma boa ideia. - ela insistiu.
- Porque não? São uma familia comum, sem contatos com o mundo mágico. A mulher cortou todos os laços, parece que é quase trouxa agora. Não acha que é o melhor lugar para criar o filho dos Inverse?
- Como poderia ser- ... - Filia parou de falar e pensou. Talvez... talvez Phil tivesse razão. A criança fez uma coisa que nem mesmo os feiticeiros e magos mais poderosos conseguiram realizar, e tinha apenas um ano de idade! Todos estavam comemorando por ele, seu nome seria conhecido por todos, e ainda mais conhecido que deveria, de acordo com a fama da mãe. Seria aclamado como o maior herói dos ultimos anos.
- Tem razão Phil! - a mulher sorriu entusiasticamente.
- Tenho? - a expressão de Phil era misto de confusão com surpresa.
- Sim! O pobre menino não cresceria para se tornar uma pessoa normal em meio de tudo isso. É o melhor que temos a fazer, mante-lo longe de sua fama para que se desenvolva corretamente. Não deveria ter duvidado de sua sabedoria, Prof. Philionel!
- Hã? Ah sim, claro... exatamente por esses motivos! Sim, hehe – Phil sorriu tentando disfarçar que aquela não tinha sido exatamente sua motivação para trazer a criança para a familia escolhida.
- Mas como vai trazer o menino até aqui? - Filia se lembrou da situação em que a criança for a deixada.
- Mandei Zelgadis ir busca-lo.
- Zelgadis? - disse Filia, explessando um certo nervosismo.
- Sim, é claro! - Phil sorriu com orgulho – Zelgadis é um bravo guerreiro que luta em nome da paz, uma pessoa de confiança e extremamente competente, que jamais se desviaria de seus deveres ou de sua lealdade a mim por recompensas maiores ou ofertas para a cura de sua maldição!
Filia achou melhor não responder, e deixou o enorme pacifista com suas ilusões. Ela olhou ao redor.
- Ele não está um pouco atrasado?
- ... agora que voce falou, faz quanto tempo que estamos aqui?
- Sem querer desmerecer Zelgadis, Phil – a mulher começou, ignorando a pergunta – Mas será que não seria uma boa ideia mandar outras pessoas fazerem esse tipo de serviço? Alguem que saiba como lidar com crianças, e não seja tão frio... e não tenha pele rochosa... - ela acrescentou baixinho.

- Não se preocupe Filia-san, Zelgadis estará aqui a qualquer minuto!
Como se fosse uma resposta para a frase de Philionel, um ruido baixo interrompeu o silencio da rua. Cortanto o vento, alguma coisa desceu veloz pelos telhados das casas e pousou silenciosamente no meio do asfalto. Parecia uma pessoa, mas era quase impossivel ver seu rosto devido ao capuz e a máscara que ocultavam sua face. O pouco que se via por baixo de tantas vestes era uma pele acizentada e dois olhos azuis. A figura exótica carregava um embrulho de cobertores.
- Ah, Zelgadis! - Phil se levantou de braços abertos, com um grande sorriso no rosto – Que bom que chegou! Está atrasado!
- Boa noite, Prof. Philionel, Profa. Ul Copt – Zelgadis comprimentou com uma voz baixa, se aproximando de onde ambos estiveram sentados – Lamento o atraso. Usei um Ray Wing para chegar o mais rápido possivel depois de pegar a criança, mas ela não parava de chorar de fome então fui obrigado a comprar algo para ela comer. Deve ter acabado com o estoque de leite daquela padaria, e acreditem, e NAO estou exagerando. Felizmente, dormiu enquanto voavamos.
- Ah, bom, muito bom. Deixe-me ver o filho dos Inverse então! - Phil se aproximou do embrulho de cobertores nos braços de Zelgadis.
- Filho? - pelo pouco que se podia ver do rosto de Zelgadis, ele parecia exibir uma exprassão confusa – É uma menina.
- Menina? - Phil e Filia repetiram em unissono.
- Ora, podia jurar que disseram que era um menino para mim – Philionel coçou a cabeça, enquanto Filia e Zelgadis exibiam grandes gotas em suas cabeças – Bom, vamos vê-LA então.

Zelgadis puxou uma parte dos cobertores revelando o rosto rosado de um bebê. Era pequena e não parecia ter um ano de idade. Dormia pacificamente, deixando uma grande bolha inflando de seu nariz.
- Mas não é uma graça? - Filia sorriu um sorriso triste, se lembrando de sua velha amiga, mãe daquela criança.

- Devemos nossas vidas a ela – Zelgadis murmurou.
- Uma menina forte! Tenho certeza que crescerá para se tornar uma grande DEFENSORA DA PAZ!
- Shhh! - Filia e Zelgadis sibilaram juntos para o homem que agora se encontrava numa pode de vitoria. Filia continuou – Vai acordar o bebê!
- E toda a vizinhança... - Zelgadis rolou os olhos para cima.
- Desculpe – Phil falou baixinho – Então, vamos deixa-la aonde o casal Navratilova possa encontra-los. Onde poderiamos...?
- Na soleira da porta, quem sabe? - Zelgadis sugeriu.
- Ah, claro! Brilhante! - Phil elevou a voz de novo enquanto filia enterrava o rosto na mão direita – Vamos deixa-la na soleira da porta do nº4 quatro, junto com minha carta e com os objetos pessoas que os pais deixariam para ele.. hã, ela!
- Objetos?
- Sim, minha cara Filia-san – Philionel tirou (novamente) do meio das vestes um pacotinho – São as coisas que serão passadas para ela.
- Voce viu o que tem aí dentro? - foi a pergunta de Filia.
- Mas é claro que não! - Phil franziu a testa – São objetos pessoais para ela! Eu não ousaria invadir a privacidade de uma pobre criança.
- Mas... não deveria ao menos verificar se é seguro entregar a ela o que tem aí dentro? – Filia aconselhou timidamente – Quem sabe esperar até ela crescer um pouco, e...
- Ah, bobagem – Phil dispensou o conselho com um aceno de mão – Não se preocupe tento, professora. Agora, Zelgadis, me dê ela aqui. Vamos acabar logo com isso.
Zelgadis entregou o embrulho de cobertores para Phil. A pequena Inverse parecia menor do que realmente era nos braços fortes do enorme Philionel, que por sua vez parecia estremamente deslocado segurando um bebê.
O grande pacifista pulou o muro de depositou carinhosamente a criança na soleira da porta do nº4. Depois, colocou ao lado dela o pacotinho e (tirando das vestes, de novo) pôs a carta em meio aos cobertores. Zelgadis observava a cena, inexpressivo. Filia deixou um sorriso triste aparecer em seu lábios novamente. Phil voltou a companhia dos dois, deixando a bebê sozinha na soleira da porta.
- Bem, é isso. - Filia falou, depois de alguns minutos – Não há nada mais que podemos fazer por aqui. Vamos voltar para- Phil? O que foi?
O grandalhão se virou para a mulher com lágrimas nos olhos.
- É tão triste! Uma pobre e nocente criança, ter que ser abandonada dessa maneira na noite fria! É tão inJusto! Mas não se preocupe, garota Inverse! - ele gritou para a soleira de porta, deixando Filia com a expressão mais estranha que já passou pelo rosto dela naquela noite – Em breve voce voltará ao lugar que pertence! Vá garota, e cresca como uma lenda!
- Está bem Phil, acho que já chega... - Filia falou de maneira hesitante.
- Zelgadis, só mais uma coisa – Phil coçou a barba, pensativamente – Qual é o nome da menina inverse?
Zelgadis, que esteve observando o céu noturno pensativamente pelos ultimos minutos da conversa, foi pego de surpresa com a pergunta. Ele respondeu devagar, a voz sem emoção.
- Lina, professor... Lina Inverse.
- Como a mãe?
Zelgadis acenou positivamente com a cabeça diante da pergunta de Filia. Os tres não falaram pelo proximo minuto.
- Certo. Venham todos. Não podemos ser vistos aqui – Phil deu meia volta e voltou a subir a rua. Zelgadis o seguiu um pouco depois, pensando que se eles não foram vistos, com certeza foram ouvidos.
Filia se virou lentamente e foi para o lado de Zelgadis.
- Acha que é seguro deixa-la aí? - ela falou, a voz baixa cheia de genuína preocupação.
- É seguro para ela ser deixada aí, se é isso que pergunta – Zelgadis respondeu. Depois lançou um olhar por cima do ombro, para a soleira do nº4 que se distanciava aos poucos – Só me pergunto o que será das pessoas que moram aí, com ela por perto...
Os tres vultos sumiram na noite. A palavra sumiram foi bem empregada. Um vento soprou pela terceira vez naquela noite, o unico som restante na rua novamente silenciosa (para a felicidade daqueles que tentavam dormir). Na soleira do nº4, Lina Inverse tambem dormia, sem saber de tudo que acontecia no mundo ao seu redor.