Por mais que eu chorasse alto, ainda era a música que ecoava pelas paredes da casa fria. A música para o meu choro, a música triste.
Meus olhos embaçados encontraram a única coisa que ele não levou embora. A colher de madeira jogada dentro do aquário com meus peixes dourados. A colher que eu jogara ali em uma noite distante. A colher me mostrava não ter nada a perder.
Fechei os olhos implorando por lembranças boas.
- Deve ser câncer.
- Vá falar com Wilson.
- Quem?
- O Dr. James Wilson é o especialista em câncer do hospital.
- Ótimo! Ele dirá que é câncer, pegará o caso e eu vou pra casa.
- Vai, House.
- Até semana que vem, Cuddy.
Eu não sei se o quão é conhecido o filme em que o personagem principal é um naufragado que tem uma bola-amiga chamada Wilson, graças ao nome de sua grife; mas de qualquer maneira eu ri lembrando da bola enquanto olhava o quadro principal do hospital com os nomes dos médicos de plantão.
Dr. James Wilson SET. 21
E pela primeira vez eu fui até o segundo piso do hospital em que trabalhava. Pela primeira vez senti uma fisgada na minha espinha. Ignorei.
Abri a porta de madeira com seu nome cravado.
- Eu aprendi a bater na porta antes de entrar.
Ele estava sereno, me olhando com as sobrancelhas levemente levantadas. Eu congelei. Meu rosto sério não queria acreditar que existisse alguém no mundo com uma expressão tão calma. O encarei se levantar do sofá atrás da porta e só aí percebi que ele estava fechando um cigarro de maconha. Eu estava confuso. Demorei um tempo pra lembrar que a maconha diminui os sintomas do câncer.
- Não era pra ninguém te pegar no flagra?
- É para um paciente.
- É, sei.
Ergui minha mão direita com os raio-x do paciente automaticamente, ele os alcançou, largou o cigarro e começou a estudá-los na minha frente, assim como eu estudava o Dr. Wilson contra a luz que vinha da janela aberta.
Senti meu rosto ficar rubro.
- Parece ser câncer...
- É eu sei, por isso vim aqui.
- Certo. Farei os exames, muito obrigado por ter vindo.
Eu que agradeço.
Ouvi três batidas vindo da porta e em seguida entrou um grupo de estudantes de medicina falando sobre sua palestra. Além de médico era palestrante, interessante. Pensei em improvisar.
- Na verdade.. eu queria ver sua palestra.
Ele entendeu; ergueu as sobrancelhas.
- É.. hoje à noite, no auditório do hospital.
Eu era patético. Saí da sala mordendo meus lábios. Eu queria me teletransportar, não queria passar pelos estudantes que me olhavam curiosos.
