Anteriormente em 'A Morte está nos Ossos'

Eles chegam ao outro lado, no meio de uma tempestade, separados uns dos outros.

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Emma abre os olhos e percebe estar nas proximidades de uma enorme árvore imensa e antiga, seu corpo dolorido pelo impacto sobre o solo duro enquanto a chuva fria cai sobre sua cabeça, encharcando-a completamente. Ela imediatamente se senta, uma careta se formando em seu rosto apenas pelo pequeno esforço. É quase impossível enxergar claramente sob o aguaceiro, mas até onde ela pode ver, não há ninguém por perto. Isto é, até ela ouvir alguém gritando. Emma pode facilmente reconhecer a voz, apesar dos uivos altos do vento.

A voz pertence a Ruby.

Colocando suas habilidades e força de vontade em ação, Emma começa a rastrear os gritos e não demora muito até que ela consiga encontrar a amiga grávida respirando com dificuldade em meio a uma clareira.

— Ruby! – Emma chama seu nome assim que seus olhos a reconhecem, correndo em sua direção tão rápido quanto suas pernas lhe permitem. Um sorriso surge como resposta nos lábios de Ruby, provocado por um inequívoco alívio quando ela vê Emma, mas este se desfaz quase de imediato quando mais uma contração lhe acomete, dando lugar a uma careta feroz e um grito alto.

Imediatamente Emma reconhece os sinais, memórias mais recentes de Snow dando luz a Evan, e mesmo as mais antigas, de quando ela mesma passou pela dor do parto, agilizando a assimilação dos fatos. Em seu caso, por mais que sua situação estivesse longe de ideal, Emma fora socorrida em um hospital (do presídio, mas ainda assim um hospital), com médicos, enfermeiras e principalmente: acesso a drogas poderosas.

Snow não tivera a mesma sorte.

Quando Evan veio ao mundo, era uma noite de inverno, e eles estavam refugiados em uma cabana caindo aos pedaços, longe de qualquer civilização enquanto hordas de mortos-vivos tomavam conta do que restava de Storybrooke. Whale estava presente, o que foi de alguma ajuda, mas não havia qualquer medicação ou alívio a ser oferecida à sua mãe enquanto seus gritos eram amortecidos por uma trouxa de roupa cobrindo sua boca para não atrair a atenção indesejada de seus predadores e comprometer a segurança de todo o grupo.

Emma se esforça para afugentar tais recordações. O mais importante agora é o bem estar de Ruby e o fato de que seu bebê está à caminho.

Ótimo.

O momento não poderia ser mais perfeito Emma pensa, embora não se atreva a dizer isso em voz alta. Se Mary Margaret havia se tornado assustadora quando estava dando a luz ao seu irmãozinho, não é preciso ser um gênio para fazer a matemática usando um lobisomem na equação. Mesmo Emma sabe disso. Motivo pelo qual, ela opta por se ater a outros detalhes.

— Puxa vida, Rubes. Como você está se sentindo? – A loira se ajoelha ao lado de sua amiga, oferecendo-lhe a mão como suporte.

— O que você acha? – O sarcasmo desaparece quando suas palavras são seguidas por outro gemido.

— Certo. – Os olhos de Emma buscam nervosamente por qualquer sinal de onde elas possam estar ou dos demais integrantes do grupo. – Qual o intervalo entre as contrações?

— Perto... demais... – Ruby responde antes de soltar um grito tortuoso e quase esmagar os dedos de Emma com um forte aperto de mão. – Onde está todo mundo? Killian-?

— Eu não sei, Rubes. Talvez eles não estejam muito longe. Afinal de contas, você não estava. – Emma dá mais uma olhada ao seu redor, mas não consegue ver nada que possa vir a calhar ante as atuais circunstâncias e tampouco qualquer sinal do restante de seu grupo. – Você consegue se mover?

— Sem chance. – Ela responde sem fôlego, seus cabelos molhados cobrindo seu rosto. Emma afasta suavemente alguns fios, a fim de olhá-la bem nos olhos.

— Presta atenção Ruby, eu preciso ir procurar ajuda.

— Não! – Ruby se opõe à sugestão de imediato, o pânico claro em seus olhos azuis. – Por favor, não me deixe sozinha, Emma. O bebê, este lugar, eu preciso de você aqui. Se eu me transformar... Eu preciso de você aqui para protegê-lo de mim.

— Rubes, – Emma está prestes a argumentar, quando ouve algo. Olhando para cima, ela consegue apenas vislumbrar a alguma distância o esboço da figura de um homem. Ele é alto e parece estar carregando um rifle. – Que diabo é aquilo?

Seguindo seu olhar, Ruby volta sua atenção na mesma direção, seus sentidos afiados e alertas, apesar de sua condição. Ela reconheceria o tipo em qualquer lugar, algo como medo gotejando sobre suas palavras quando estas escapam de seus lábios.

— Emma, aquilo é um caçador.

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Não seria a primeira vez que Hook acorda com o gosto de areia e sal em sua boca e uma dor de cabeça dilacerante. Ele é um pirata afinal de contas. O que não significa que ele aprecie a sensação desagradável da areia molhada e fria sob seu corpo e menos ainda ser coberto por uma onda de água gelada sem qualquer aviso.

É difícil focar sua atenção em detalhes quando se está ocupado demais tentando não se afogar com água salgada, mas mesmo assim ele identifica vagamente um movimento à sua volta, embora não seja capaz de reconhecer quem ou o que se trate exatamente, seus olhos e pulmões queimando por causa da água do mar.

Seu desconforto, embora familiar, apenas serve para assegurá-lo de que ele está mesmo ficando velho demais pra esse tipo de coisa, ainda que ele jamais pretenda admitir isso em voz alta. O que não o impede de se sentir grato à criatura responsável por salvar seu lamentável traseiro, seja esta quem for.

Por alguns instantes, Hook apenas se deixa levar, seu corpo derrotado pelo cansaço enquanto sua mente processa de forma quase inconsciente o fato de que esse alguém deve se tratar de uma alma misericordiosa; Talvez a Swan. Ela certamente tem um complexo de salvadora que parece sempre disposto a se manifestar nas horas mais oportunas.

Mas então por que ela está mexendo na fivela de seu cinto?

Ele e Ruby não chegaram a formalizar nada especificamente no que se refere ao grau de comprometimento de sua relação, mas Swan sabe a respeito deles desde o início e apesar de todos aqueles flertes que ele infligiu sobre ela no início de suas vidas compartilhadas, ela nunca chegou a mostrar qualquer interesse em seus avanços.

E mesmo que esse seja o caso agora, este seria o mais impróprio dos momentos de qualquer maneira. Ele vai ser pai, pelo amor de Deus.

Hook tenta abrir os olhos, emitir algum tipo de protesto, mas outra onda de água salgada lava seu rosto.

Em seguida, ele sente um puxão. E, lentamente, seu corpo começar a ser arrastado para terra firme, através de seu cinto. Sua calça apertada torna todo o processo um tanto quanto desconfortável e doloroso, mas seus gemidos são ignorados pela força que se encarrega de removê-lo das águas.

Em algum momento durante o percurso Hook perde a consciência novamente. E quando finalmente abre os olhos, é para se encontrar sob algum tipo de construção rudimentar que mal o protege do vento forte e a tempestade que parece estar apenas começando.

Mas que surpresa, ele não se encontra sozinho. Ainda que não exatamente acompanhado. Há um cavalo com ele. Ou pelo menos é o que parece. Um cavalo em miniatura, mas ainda assim um equino, disso ele não tem dúvidas. Hook não pode deixar de questionar: para que tipo de terra terá Regina os guiado afinal?

E depois há uma voz – e a voz falando com ele pertence a... Uma menina. Uma menina?

Ele arregala seus olhos azuis então, como se estivesse tentando enxergar o que quer que possa estar por trás desse quebra-cabeça, e a garotinha o encara de volta, claramente pouco impressionada com a figura que tem diante de si.

É uma criança que Hook nunca viu antes. Ou será que sim? Ela parece familiar de alguma forma. Ele pisca duas vezes, confuso.

Quando ela fala, é em um tom inquisitivo.

— Com licença, – Ela ajoelha ao seu lado, os cabelos escuros e longos em completa desordem por causa do vento, bem como esforço de salvar sua vida muito provavelmente. Sua voz quase inaudível se perde entre os assobios do vento, mas ele vê o movimento de seus lábios e consegue compreender pedaços do que lhe está sendo dito.

— Por acaso é você o salvador?

Agora, ele não pode ter ouvido certo. Pode?

Sua cabeça dói. Suas pálpebras cedem ao cansaço.

Tudo fica preto.

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Henry é acordado pela sensação quente da língua de Pongo lambendo seu rosto molhado.

— Calma garoto! – Ele acaricia o dálmata e consegue se sentar, suas costas duras pelo impacto sofrido em sua queda. Em seguida, ele ouve um som estranho, quase abafado pela força da tempestade que está caindo.

Um choro, Henry identifica. O choro de uma criança pequena. Sua mente imediatamente vai de encontro a Evan e ele não lhe é difícil localizar o garotinho não muito longe de onde ele está.

Encolhido ao pé de uma árvore frondosa, ainda usando seu moletom amarelo ligeiramente encardido pela lama e a chuva, a presença de Evan se destaca entre os tons escuros do bosque que o cerca.

Ao seu lado há um corpo.

Henry seria capaz de reconhecê-la em qualquer lugar.

Ele corre rápido, toda a dor física que ainda está sentindo, momentaneamente esquecida. Evan está chorando, Pongo começa a uivar e Regina, sua mãe, está desacordada no chão, completamente imóvel.

Se ajoelhando ao seu lado Henry reza para encontrar qualquer indicação de que ela esteja respirando, sua mente funcionando a toda velocidade, tentando entender o que deu errado.

Poderia ter sido este o custo da magia?

Desde criança, Henry se recorda de ouvir falar sobre como o uso de magia sempre tem um preço, por vezes alto demais a se pagar, e enquanto toca o pescoço de Regina, sua própria respiração suspensa pelo temor do que irá ou não encontrar, Henry espera que a morte de sua mãe não tenha sido esse preço.

Para seu alívio, ele é capaz de detectar um pulso fraco, quase imperceptível, mas que está lá. O que significa que ele precisa encontrar ajuda. Rápido.

— A Regina morreu? – A voz de Evan, pequena e cheia de medo, interrompe a linha de pensamentos de Henry. – Ela vai tentar me morder também?

— Não Evan, ela vai ficar bem. Ela está ferida, mas vamos cuidar dela. – Segurando firme seu coelhinho de pelúcia, Evan funga tentando conter o choro. Henry tenta manter a cabeça fria, se desesperar agora não vai ajudar ninguém. – Escuta, Evan, eu vou precisar de sua ajuda. E pra isso você vai ter que ser muito corajoso. Você consegue fazer isso? Posso contar com você?

O menino parece inseguro, então Henry lhe oferece um sorriso encorajador antes de continuar. – Eu preciso que você fique aqui com a Regina. Você não precisa fazer nada, além disso. Basta ficar aqui com ela. Em guarda.

— Você quer que eu defenda ela? – Ele pergunta em um fio de voz.

— Sim, exatamente isso. Posso contar com você?

Evan acena afirmativamente, embora ainda hesitante. Henry não tem alternativa, senão seguir em frente. – Agora preste atenção, você está vendo isso? Essa é a minha faca. Eu vou deixá-la com você. Então, se alguma coisa tentar te atacar, você se lembra do que eu te ensinei? O que você tem que fazer?

— Eu corro sem parar e acho um esconderijo. – Ele responde sem hesitar, sua voz rouca e infantil parecendo deslocada em uma situação tão arriscada.

— Isso, garoto esperto! Exatamente isso! – Henry lhe dá um rápido beijo no topo de sua cabeça antes de se levantar. – Eu tenho que ir buscar ajuda, ok? Mas já já estarei de volta.

Antes que Henry possa se afastar, a voz de Evan interrompe seu curso. – Henry, onde tá a Emma? Ela disse que estaria aqui.

Com o coração apertado, e tentando não deixar transparecer seus próprios temores, Henry responde com sinceridade. – Eu não sei, Evan. Mas garanto que onde quer que ela esteja, ela está fazendo de tudo para chegar até nós.

Ao se distanciar, Henry olha para trás mais uma vez, oferecendo um último sorriso alentador para o menino antes de realmente começar a correr.

Henry não tem certeza de para onde está indo ou mesmo o que está procurando, apenas de que precisa encontrar alguma coisa, qualquer coisa que possa ajudar Regina.

É somente quando ele se depara com a estrada asfaltada que sua ficha começa a cair. Esta não é a Floresta Encantada e sim um mundo muito parecido com o seu. Até onde ele é capaz de identificar, este poderia muito bem ser o mesmo mundo.

Até mesmo o cenário de repente, a vegetação, o terreno, tudo parece de alguma forma familiar.

Seguindo a estrada ele finalmente enxerga algo. Um carro (definitivamente seu mundo!). Mais especificamente, uma viatura de polícia. A mesma parece desocupada e não há nenhum sinal do motorista em qualquer lugar nas proximidades. Henry tenta abrir a porta do veículo, mas a mesma encontra-se trancada.

Se ao menos ele pudesse usar o rádio para chamar por socorro.

Do bolso de trás de sua calça ele tira seu canivete suíço (presente de Emma em seu aniversário de 15 anos) e agradecendo por uma mãe que achou importante lhe ensinar alguns velhos truques para questões de sobrevivência e afins, ele se põe a trabalhar na fechadura do carro.

Henry está prestes a abri-la quando ouve um clique familiar, a trava de uma arma sendo desativada; ele percebe sem ter que olhar, e então uma voz feminina anuncia o fato de que ele acaba de ser pego em flagrante.

— Ponha as mãos para cima; Onde eu possa vê-las.

Suspirando pesadamente, Henry faz exatamente o que lhe foi ordenado.

— Agora vire-se. Lentamente.

Ao fazê-lo, ele se depara com uma jovem que não aparenta ser tão mais velha, ou mesmo mais alta do que ele. Ela está usando um uniforme.

O uniforme de xerife.

— Por favor, identifique-se. – Seus olhos puxados permanecem impassíveis enquanto o avaliam com cuidado.

— Henry... Swan.

— Muito bem Sr. Swan. Agora me diga, o que exatamente estava se passando pela sua cabeça quando você decidiu roubar o carro da xerife de Storybrooke?

Henry está prestes a dar uma explicação quando as palavras dela finalmente são absorvidas por sua mente.

Pera aí. O quê?

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E agora...

A Estrada não percorrida

Por Liv Marie

Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa:
a estrada divergiu naquele bosque – e eu
a menos percorrida trilhei,
e foi o que fez toda a diferença.

A Estrada não Percorrida - Robert Frost


1.

Prudence Chao ama sua família e nada no mundo a faria admitir o contrário. Mesmo que nas noites do tradicional jantar na casa de seus pais, ela ocasionalmente se pegue fantasiando catástrofes, ou simplesmente qualquer situação de emergência que proporcione uma desculpa plausível que a leve para bem longe dali.

Talvez por isso, quando seu celular toca, minutos após sua mãe ter recolhido os pratos e – ao que parece – horas desde que sua avó começou a falar sobre o neto de uma de suas colegas do clube de crochê e como ele está magicamente solteiro, e, portanto, em busca de uma boa moça para constituir família, Prudence não hesita nem mesmo por um segundo antes de atender a chamada.

Do outro lado da linha, Ryan pergunta qual notícia ela quer primeiro: a ruim ou a pior?

E sob o olhar reprovador de seu pai, o qual Prudence sabe se tratar não apenas de sua falta de modos à mesa, mas principalmente às suas escolhas de vida e sua carreira em especial, ela não pode deixar de sentir-se culpada sim, mas principalmente aliviada ao ouvir as palavras de seu parceiro.

Sem rodeios, Ryan anuncia que a prefeita está mais uma vez requisitando seus serviços, o que – em se tratando do temperamento da mulher em questão – Prudence deduz ser a má notícia.

— O que poderia ser pior do que isso? – Ela se pega perguntando em voz alta e, horas mais tarde, quando ela finalmente tiver a chance de deixar seu corpo tombar sobre o desconfortável sofá da pequena delegacia de Storybrooke, exausta e além de suas capacidades, a xerife Prudence Chao irá recordar suas exatas palavras e lamentar-se amargamente por ter provocado o destino de tal maneira.

— Tem uma tempestade se formando. – Ryan avisa do outro lado da linha, sem saber quão certeiras seriam suas palavras.

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As mãos de Henry estão tremendo.

Sentado no banco traseiro da viatura da xerife Chao, com Evan encolhido ao seu lado e Pongo deitado aos seus pés, enquanto o veículo segue a ambulância que transporta Regina para o hospital mais próximo, é provável que ninguém além dele tenha percebido.

Henry acreditava estar preparado para algo assim. Que perder Regina – mais uma vez – fosse algo que ele pudesse suportar, ainda mais quando mais da metade de sua vida foi devotada ao cultivo constante de seus ressentimentos em relação à sua mãe adotiva. Sempre pintando ela como a vilã apenas porque era mais fácil justificar suas ações dessa forma e assim suportar sua ausência, do que decifrar suas motivações e ser obrigado a questionar suas próprias noções de verdade, bem como a si mesmo.

Ele achou que seria mais fácil dizer adeus, por todas as vezes em que já havia dito.

Mas estava enganado.

E agora, aqui estão eles, ao que tudo indica, de volta à Storybrooke, uma versão sem qualquer indício de zumbis ou magia, e tudo o que Henry consegue pensar é que sua mãe, a pessoa responsável por conseguir realizar esse milagre, pode não viver o suficiente para desfrutar de seus esforços. Ou mesmo para ouvir seu sincero agradecimento.

As mãos de Henry tremem e embora a visão da estrada esteja cada vez mais comprometida pela chuva torrencial que se derrama nesse exato momento e parece estar apenas começando, tornando o percurso deslizante e perigoso, ele não pode deixar de notar os olhares furtivos que a xerife lança em sua direção pelo retrovisor.

Ao que parece ela não reconheceu Regina e mesmo com tudo o que está acontecendo, Henry não pode deixar de pensar nas implicações desse simples detalhe.

Se existe algo que ele nunca imaginou é a existência de uma Storybrooke que não esteja diretamente vinculada à figura de sua mãe.

Um estranho pressentimento brota em um ponto frio que parece escorrer pela sua coluna, mas Henry tampouco tem a oportunidade de refletir muito a respeito quando um forte trovão faz com que o céu estremeça e Pongo comece a ganir baixinho, assustado.

O movimento involuntário de sua mão é paralisado pelo toque do garotinho ao seu lado.

A mão de Evan é ridiculamente pequena em comparação a de Henry, e mesmo com o aquecedor do carro ligado a todo o vapor, o nervosismo do menino transparece em palmas úmidas e frias. Henry tenta então oferecer-lhe algum conforto, passando o braço sobre seus ombros e apoiando o queixo sobre sua cabeça. Os cabelos de Evan ainda estão molhados e Henry não pode deixar de sentir o cheiro de terra e chuva que invade seus sentidos. Sua outra mão busca a cabeça de Pongo e lhe oferece um breve afago atrás da orelha, o que faz com que o cão se acalme um pouco.

— Não se preocupe pirralho, vai ficar tudo bem. – Ele se pega sussurrando em um tom quase inaudível, usando o apelido que Emma atribuiu ao pequeno de forma carinhosa. Com um olhar sério, Evan não refuta sua alegação, mas tampouco demonstra ter qualquer confiança nas palavras de Henry.

Henry não chega a culpá-lo. E como poderia, quando todas as suas certezas parecem ter ficado para trás, em uma realidade que já não é a sua?

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Se existe algo que Emma teve que aprender na marra foi a confiar em seus próprios instintos. É claro que isso não quer dizer que eles sejam infalíveis – todas as circunstâncias envolvendo a concepção e o nascimento de Henry servindo como argumento final nesse sentido. Mas em muitos momentos, foi o seu pressentimento – e ele somente – o que salvou sua pele e a manteve viva.

Isso e alguma sorte.

Assim, Emma cruza os dedos e espera que este seja mais um destes momentos. Motivo pelo qual, apesar da súbita aparição desse completo estranho que Ruby alega se tratar de um caçador, ela não saca sua arma. E muito menos revela sua espada. Ao invés disso, Emma afasta os cabelos molhados da frente de seu rosto e oferece ao desconhecido seu melhor e mais suplicante sorriso.

— Por favor, nos ajude. – Ela fala alto, em um esforço para que sua voz chegue claramente, atravessando os sons da chuva e da floresta, e o gemido de dor que Ruby deixa escapar em seguida não poderia funcionar melhor como apoio, mesmo que não intencionalmente.

Desconfiado, o homem mantém sua distância, um visível rifle em mãos enquanto analisa a figura composta pelas duas mulheres neste inusitado cenário. – O que vocês fazem aqui? – A voz dele é grave e parece reverberar por entre as árvores com facilidade. – Não perceberam que uma tempestade estava a caminho?

Emma não é capaz de ver o rosto do caçador, mas algo em sua voz, algo que ela não sabe dizer ao certo o que seja, reforça seu primeiro instinto. – Nós nos perdemos de nosso grupo. E a minha amiga aqui – Ela faz sinal para Ruby e sua substancial barriga. – precisa de socorros.

Mais um gemido de Ruby acentua dramaticamente suas palavras.

O homem parece hesitar por um momento, pouco inclinado a prestar qualquer auxílio a duas completas estranhas. Mas então o gemido de Ruby se converte em um uivo angustiado, ecoando aos quatro ventos, e ele resmunga, mas se aproxima. Sua capa marrom e longa possui um capuz que o protege da chuva e previne que Emma enxergue seu rosto com clareza. A única coisa que ela consegue distinguir, de relance, é o brilho de seus olhos e o que parece uma barba escura e volumosa.

Não há tempo a se perder com detalhes menores. A julgar pelo curto intervalo entre os gritos de Ruby, Emma deduz que seu bebê tenha pressa em vir ao mundo e pouco lhe importa que este seja possivelmente o momento mais inconveniente para sua chegada. A criança certamente já demonstra similaridades ao pai neste sentido.

— Nós precisamos levá-la a um lugar coberto. – Emma grita, deixando-se contagiar pela ansiedade de Ruby.

— Minha cabana não fica muito longe daqui. – O caçador declara de forma objetiva, ainda que não exatamente convidativa. Uma troca de olhares entre os três e a queda de um raio a poucos metros de onde eles estão jogam por terra qualquer objeção que possa ser levantada.

Com a sua ajuda, Emma ergue Ruby e em um ritmo lento, mas constante, os três seguem entre as folhas e as poças de lama. Tudo vai bem até o momento em que uma forte contração surpreende Ruby. Os galhos e a umidade escorregadia das folhas que cobrem o chão apenas colaboram para que ela perca o equilíbrio e acabe de joelhos, incapaz de se reerguer mesmo com auxílio.

— Eu não consigo – Ela anuncia arquejando – Acho que minha bolsa estourou...

— Vamos lá Rubes, falta pouco. – Emma incentiva embora não tenha uma noção real de qual seja a distância que ainda falta ser percorrida.

Impacientemente, o caçador resmunga algo ininteligível jogando sua capa de lado, e pega Ruby em seus braços se propondo a carregá-la com visível esforço. De fato a cabana não está longe, e é com alívio indescritível que Emma avista sua fachada modesta em meio às árvores.

— É aqui, certo? – Ela busca confirmação para suas suspeitas, mas focado em seus esforços, o homem se vê incapaz de oferecer qualquer resposta além de passos firmes e pesados.

— Abra a porta! – Ele esbraveja com o rosto vermelho e o que pode ser suor escorrendo por sua testa. Emma não perde tempo, obedecendo a sua ordem prontamente.

A cabana é rústica e simplória. Paredes de madeira crua, um único cômodo que serve de sala, quarto e cozinha e em um canto, um fogão à lenha que parece servir como um aquecedor em noites frias e úmidas como a que os aguarda. Com passos arrastados, ele se aproxima da cama e sem grandes delicadezas deposita Ruby sobre as peles que cobrem o colchão granuloso de uma só vez. Ensopada e exausta, Ruby oferece um agradecimento que, embora sincero, se perde em meio a mais um doloroso gemido.

Preocupada, Emma se aproxima da amiga e acaricia sua testa encharcada pela chuva, mas principalmente por seu presente estado. Com mãos trêmulas, Ruby aperta a mão de Emma. – Ele está vindo- O bebê está vindo.

Se esforçando para não deixar transparecer sua preocupação, Emma tenta um sorriso. – Então é bom que você tenha finalmente escolhido um nome. Sabe, na minha experiência Emma é um nome bem legal para uma menina. E se for um menino você pode sempre tentar uma adaptação. Tipo, Emmet. – Ela tenta soar natural, mas seu riso deixa transparecer notas de seu nervosismo, as palavras se derramando sem que ela pare para respirar – Se bem que, depois de todo o esforço que o nosso amigo teve que fazer pra te trazer até aqui, talvez ele mereça as honras...

Do outro lado da cabana, o homem usa uma toalha para enxugar o rosto, tendo abandonado sua capa molhada sobre uma das rudimentares cadeiras junto à mesa. Emma o observa com olhos curiosos. Ele não é tão alto quando ela supunha a princípio e certamente é menos robusto sem as camadas extras de roupa – o que torna seu feito ainda mais admirável.

À luz da chama do fogão aceso, Emma reconhece o brilho nos olhos azuis que ela viu de relance no bosque. Seus cabelos castanhos, compridos e em desalinho, se misturam à barba espessa que cobre suas faces, embora ela tenha um tom mais claro.

Não é possível afirmar com certeza, mas por um instante Emma imagina que feições marcantes se escondam por trás de toda essa fachada nômade e primitiva. – Acabou que, na correria, não tivemos nem a chance de nos apresentar. Meu nome é Emma e essa não-tão-futura mamãe aqui é a Ruby.

Com um resmungo, ele ignora as palavras de Emma e se move pela cabana sem cerimônias. De dentro de um baú antigo, ele retira dois pesados cobertores, para em seguida oferecê-los às duas. Ajustando um dos cobertores ao redor de Ruby e procurando auxiliá-la a encontrar uma posição mais confortável, Emma não se deixa abalar pelos modos bruscos do ermitão.

— Você não nos disse seu nome. – Ela insiste, acompanhando o menor de seus movimentos.

Ele não responde de imediato, talvez esperando que Emma largue o osso e desista de qualquer tentativa de engajar uma conversa. Talvez temendo que essa informação seja o que falta para que aquela estranha mulher e sua amiga intrudam definitivamente em seu espaço. Emma olha para Ruby acomodada entre os lençóis e as pegadas que deixou no chão ao entrar e se pergunta que horas ele vai perceber que é tarde demais para esse tipo de cautela.

Não lhe custa muito. Passados alguns minutos de desconfortável silêncio, no qual apenas a respiração ofegante de Ruby ressona audivelmente, ele responde com a voz áspera, quase um grunhido.

— Daniel. – Ele diz, sem levantar os olhos, não enxergando, portanto a fagulha de reconhecimento que seu nome desperta na forasteira.

Emma pensa em coincidências.

E principalmente, em como ela não acredita em coisas desse tipo.

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Continua...