Era pouco antes da meia noite quando Hermione Granger acordou sobressaltada por um pesadelo.
- O que houve? – perguntou Ron, atordoado com o acontecimento repentino.
- Nada demais, apenas um pesadelo. Volte a dormir querido.
Ron não respondeu, vencido pelo sono já havia dormido novamente. Hermione passou os minutos seguintes, sentada ao lado do marido, com o coração apertado. Não se lembrava exatamente do sonho que tivera, mas sabia quem estava envolvida nele. E era exatamente aquilo que a angustiava. Havia anos que não pensava mais nela. Ou melhor, havia anos que sufocava a lembrança, o sentimento. Não se permitia pensar em nada que voltasse a lhe causar dor, nada que abrisse a ferida já cicatrizada em seu peito.
Quando chegou ao hospital, por volta das dez da manhã, Hermione encontrou tudo calmo demais. Abriu a porta de sua sala, repousou a xícara de café sobre a mesa e sentou-se olhando a pilha de papéis que precisavam ser preenchidos urgentemente. Aproveitaria o dia atípico para fazer aquilo de uma vez.
Trabalhou por quatro horas seguidas, sem nenhuma interrupção. Até esquecera que precisava almoçar. Recostou de volta na cadeira, o pescoço posicionado levemente para trás. Fechou os olhos e tentou relaxar o corpo dolorido.
Sentiu então, um mal-estar repentino, além de uma pequena inquietação. Acreditava que era fome e levantou-se imediatamente da cadeira, a fim de ir até a cantina. No mesmo instante, duas enfermeiras entraram em sua sala. Percebeu em si mesma uma leve irritação pelo modo como elas apareceram, porém ao ver o rosto pálido das duas, percebeu que não era hora para meras formalidades.
- Uma paciente deu entrada no hospital há pouco, gravemente ferida, mas já recebeu o primeiro atendimento. Precisa de acompanhamento – disse uma das enfermeiras, verificando a prancheta que trazia nas mãos.
- Estou indo, me deem apenas um minuto – respondeu Hermione, sentindo o estômago revirar.
Esperou as enfermeiras saírem para vasculhar a bolsa atrás de qualquer coisa que pudesse mantê-la em pé por mais alguns minutos. Encontrou um chocolate. Não esperou para comê-lo no conforto de sua sala, não se daria esse luxo quando sabia que havia alguém precisando dela. Saiu pelos corredores, mastigando o doce rapidamente.
Passou pelas alas, até encontrar a paciente. Ela estava deitada de lado, uma enfermeira retirava um enorme curativo de suas costas. Esperou uns passos atrás da mulher, avaliando a situação. Sentiu um breve arrepio quando viu o ferimento exposto. Deveria ter sido atingida em cheio por um feitiço, pois no local já não havia pele e um pedaço da carne. O curativo precisaria ser reposto de hora em hora para evitar bactérias.
- Sabe de algo sobre a paciente? – perguntou a enfermeira, terminando de colocar o curativo.
- Eu esperava que você me dissesse.
- Bem, eu não a recebi. Trarei a enfermeira Putzi para lhe auxiliar.
- Alguma providência necessária?
- Não, apenas acompanhamento. Ela parece estável.
- Não parecia tão simples, vou verificar melhor.
Ela balançou a cabeça.
- Esta bem. Trarei a outra enfermeira em um instante – disse, virando a paciente com cuidado.
Foi quando Hermione pode vê-la completamente que seu mundo pareceu girar. Precisou se segurar na cama ao lado para não cair. Sentiu sua respiração ficar ofegante. Seus olhos de repente estavam tão petrificados naquela mulher deitada, parecendo frágil e abatida que não conseguia formular pensamentos, era como se todos se embaralhassem, formando uma algazarra de frases e imagens.
Não podia ser. Lembrou-se do sonho na noite anterior, quase como um aviso. Conseguiu fechar os olhos por um instante. Sentia-se abalada, mas mais do que tudo, sentia-se fraca. Tornou a abrir os olhos e encarou novamente a mulher. Os cabelos negros e sujos cobriam uma parte do rosto, onde também se via uma palidez angustiante. Os ossos da maça do rosto e do maxilar estavam protuberantes.
-... Ela foi sedada, o médico que a avaliou descartou uma possível cirurgia. Ela levou apenas alguns pontos no braço esquerdo e no ombro direito. Pelo que me foi passado, só será possível uma avaliação mais específica quando ela acordar.
Hermione não havia percebido a presença da enfermeira Putzi. Pegou-se tentando encaixar algumas palavras soltas que tinha ouvido em frases coerentes. Putzi falava rápido, quase que de um modo mecânico. Percebeu então que ela tinha parado de falar e aguardava um posicionamento da médica.
- Ah, sim, vou aguardar a paciente despertar e darei um prognóstico.
- Você não parece muito bem – disse a enfermeira.
- Eu apenas não tive tempo de comer algo decente. Mas, estou bem de qualquer maneira.
- Me avise se precisar de algo.
Não teve forças para responder mais, apenas deu um aceno de cabeça para concordar. Esperou Putzi sair e foi para mais perto da paciente. Ainda não acreditava no que estava vendo. No fundo, queria acreditar que era outro pesadelo e que acordaria a qualquer momento.
