- Vai doer um pouco.
- Não, sensei!Pare!
- Por que agora?É muito tarde pra voltar atrás
- Eu sei, mas, é que..
- Não se preocupe. Apenas confie em seu professor. - sorri gentilmente
- Mas...
Meu nome é Hikaru Shinji, estou no último ano do colegial e tenho 17 anos.
- AAAAAAH!!dói
- Você sabia que isso ia acontecer. Não me culpe.
- Mas isso dói muito!
Fazem quase dois meses que estou morando com o sensei. Eu até tinha um emprego e um apartamento, mas, fui demitido e despejado por descuido. Ele me deixou morar no apartamento dele por um tempo, mas ainda não consegui me manter em nenhum emprego.
- Como foi se machucar desse jeito?
- Bem, eu... Escorreguei!hehehe
- Francamente... Aí está!Eu não sou muito bom em fazer curativos, mas, vai servir - sorri desconsertado.
- Não, está muito bom!Obrigado, sensei!
Eu era capitão do time de basquete e ele, professor novato de japonês, Fujimoto Hiroki, 28 anos.
- Não acredito que não viu a placa de aviso
- Que placa?
- A que estava no corredor dizendo "Cuidado: O chão está molhado"
- Droga, acho que foi nela que eu escorreguei..
- Francamente... Bom, o que quer comer hoje?
- Curry!
- Você nunca se cansa?
- Bem, é que... O seu curry é o melhor!!
- Tudo bem, falando assim, quem negaria né?!Eu faço pra você.
Estávamos perto do Campeonato Estadual e a pressão era total. Nosso time era um dos favoritos e todos apostavam nele. Como capitão, treinava o dobro, todos os dias depois da aula. Uma vez, ao entregar a prova de japonês, ele ajeitou os óculos com o indicador e olhou em meus olhos:
- Hikaru Shinji-kun!Gostaria de ter uma conversa com você depois da aula - falando seriamente
- Mas... A minha nota tá na média, né? Eu sei que não é lá grande coisa, mas, não foi tão ruim assim, né?Sensei! - aflito
- Hikaru-kun!
- Sim, sensei?
- Tem alguma coisa mais importante pra fazer?
- Não, sensei!
- Depois da aula.
- Está bem...
Todos riram. Logo o fim da aula chegou e ele estava na sala do 2º ano, corrigindo trabalhos. Mal conseguia me manter em pé, temendo pela bronca. Prostrei-me diante da porta esperando coragem para abrí-la.
- Hikaru-kun?
Pensei: "droga! Não tem mais como fugir" e entrei na sala, sentando-me em uma cadeira em frente à mesa dele.
- Como vai o time de basquete? - perguntava enquanto corrigia os trabalhos.
- B..bem - não conseguia nem mesmo esconder a aflição que sentia
- Soube que está treinando bastante - levantando a face, olhou novamente em meus olhos.
Por alguma razão fiquei nervoso, não como antes, mas, como se me sentisse envergonhado. Inesperadamente ele sorriu.
- Torço por você!
Fiquei paralisado. Era só isso que tinha a me dizer?!Não precisava ter me chamado depois da aula pra dizer algo assim. E ele continuou:
- Só queria que não se esquecesse que a escola também é importante. Sei que suas notas estão na média, mas, notei que seu desempenho vem decaindo. Tem estado cansado e isso não é bom nem pro time nem pros seus estudos. Tenha isso em mente!
- Perdão..
- Não é culpa sua. Sei que há muita pressão sobre você. Por isso.. - fitando-me com uma expressão séria que me causava arrepios. - Vamos fazer um trato.
- Trato?
- Sim. Eu não passo nenhuma prova até o dia do jogo e em troca, você dará o seu melhor... Nas duas coisas. O que acha?
Meus olhos brilhavam. Logicamente concordei, apesar de saber que não seria fácil.
- Obrigado, sensei!Não tenha dúvidas de que darei o meu melhor!
- Terá a minha confiança. Agora pode ir.
- Obrigado - curvei-me diante dele e saí.
Aos poucos foi se tornando como um amigo. Chegou até a parar de corrigir provas certo dia e me ajudou com o treino. Era muito bom no esporte, de fato. Fiquei surpreso.
Um dia antes do jogo, ficamos até tarde treinando na quadra da escola, até que ele tropeçou. Fiquei assustado e fui ajudá-lo:
- Você está bem, sensei?
Ele riu e aceitou minha mão para levantá-lo:
- Sim. Acho que o cansaço é o meu pior adversário
- Já tá tarde. Melhor irmos. Eu consigo acordar bem disposto. Mas o que acontecerá se você não conseguir acordar?Você tá chegando a uma idade que...
- Se quiser continuar vivo até amanhã, fique quieto!
- Touché! Hohoho! Tudo bem, tudo bem. Vamos!
O tempo se fechava enquanto caminhávamos e então, uma enorme chuva caiu sobre nós.
- Droga, eu não posso molhar os trabalhos!
- Que estranho
- O quê?
- Um professor tão sério e politicamente correto falando "droga" - sorri divertindo-me com a fala.
- Primeiro, eu ainda sou uma pessoa comum e segundo, você ainda não me viu nos meus piores dias - abraçava a pasta, tentando protegê-la da chuva.
- Nem pretendo ver - retirando o suéter vermelho de algodão - aqui, sensei!
Cobri a pasta com a peça de roupa, ele me olhou surpreso. A chuva aumentou e procuramos abrigo na frente de uma loja com cobertura.
- Desculpe sensei! Se não tivesse ido treinar comigo, já estaria em casa - de cabeça baixa.
O homem sorriu e cobriu-me com seu casaco.
- O que acontecerá se ficar resfriado bem no dia do jogo?!
Levantei a cabeça e olhei para ele por um instante. Então voltei à posição inicial, extremamente envergonhado.
- obrigado - murmurei.
Esperamos o fim da chuva mas o céu já estava escuro e ela não parava.
- Acho melhor irmos pra casa. A chuva pode durar a noite toda. Sua casa fica perto daqui?
- Sim!
- Eu levo você até lá.
- Mas, sense...
- Não se preocupe.
Quando chegamos lá, a chave não entrava na porta. Foi aí que vi uma notificação no chão. Havia sido despejado. O fato é que na semana anterior, cochilei no serviço e fui demitido. Francamente... Justo no dia de visita do dono do Restaurante!! Dois dias depois fui roubado e, pelo 2º mês consecutivo, não paguei o aluguel. Eu sou realmente um cara de sorte!
- Você pode ficar no meu apartamento por um tempo.
- Não! Imagina... Eu vou dar um jeito! Não se preocupe!
- Está bem então.
Pensei que ele tentaria me convencer mas ao falar isso, virou-se e começou a caminhar normalmente. Conselho: Nunca dê uma de forte e recuse a ajuda de alguém quando você tem certeza de que está ferrado.
- Sensei!
Ele parou.
- Eu poderia ficar? Vai ser só até eu conseguir um emprego e recuperar meu quarto! Não vai demorar, juro!
- Está bem. Vamos!
Chegando ao apartamento, insistiu pra que eu dormisse em seu quarto. Mais uma vez recusei e fui dormir no sofá. Pelo menos era confortável, pelo menos ele tinha um sofá. Isso mesmo, eu não tinha sofá. Quando algum amigo ia me visitar, sentava no chão, ao pé da mesa. Eu dizia que era muito tradicional, acho que nunca acreditaram nisso, mas, ninguém chegou a comentar sobre.
- Ele devia estar mesmo querendo que eu saísse... Até arrumou minhas coisas pra que eu não perdesse tempo lá - enquanto tirava uma roupa seca da sacola.
- Você devia ao homem dois meses de aluguel.
- Eu sei, mas... Aah deixa vai. Sensei!
- Hum?
- Você mora sozinho aqui?
- Sim, por quê?
- Bem, é que... Um homem bem-sucedido como você, bom caráter e bonito... Quero dizer, as mulheres gostam disso. O tipo perfeito eu diria. Quero dizer, para as mulheres! - extremamente nervoso e envergonhado.
Ele me olhou e sorriu.
- Amanhã é um grande dia. Não demore a dormir - falou enquanto jogava a toalha para mim.
- Ok.
- Boa noite
- Bo-boa noite, sensei!
Durante a noite, meus olhos fechados não adormeciam. Quando ouvi um barulho na cozinha, que ficava no mesmo cômodo que a sala. Abri meus olhos e levantei assustado. Me deparei com o dono da casa fazendo café.
- Não consegue dormir?Ou eu te assustei?
- As duas coisas. Não é cedo demais pra fazer café?
- Ajuda a manter o ânimo - sorri.
- Mas pra quê ter ânimo nesse horário? - ajeitando-me no sofá.
- Bem, parece que deixei muitos trabalhos sem correção e preciso entregá-los com urgência - sorri desajeitado.
Eu sabia que a culpa era minha. Ele parou pra treinar comigo e agora estava se sacrificando. Me senti mal e o mínimo que pudia fazer era pedir desculpas.
- Desculpe... A culpa é minha.
- Imagina, eu me diverti jogando com você. Quer café?
Droga, ele é idiota?Me tratando assim depois do que causei a ele. Normalmente um outro professor me trataria mal e jogaria na cara que a culpa é minha, que eu deveria ser responsável pela minha vida e que ele não tem que ficar me ajudando. Ele é tão bom que me revolta.
- Existe algo que eu possa fazer por você?
Ele me olhou por um tempo com um misto de surpresa e divertimento.
- E o que você tem a me oferecer?
- Bem... Eu... Bom... Eu...
Sorriu de novo.
- Vai querer o café ou não?
Ele tava mesmo me irritando.
- Se quiser, eu posso ajudar você a corrigir. São do 2º ano mesmo, né?
- Não, esse é o meu trabalho. E você tem que descansar. Ah!É mesmo!Se tomar café aí que não vai dormir mesmo!Bom, que tal um chá?
- Er... Obrigado.
"Por que me sinto tão irritado? Ele tá sendo gentil comigo. Eu devo ser grato" Eu falava a mim mesmo repetidas vezes. Foi quando ele sentou ao meu lado e senti arrepios. "Mas que diabos é isso que estou sentindo? Ele é um homem, Shinji! Um homem!!"
- Aqui está.
- Obrigado.
- Hikaru-kun?
- Hum? - estremeci.
- Acha que está pronto?
- P-Pra quê?
- Para o jogo
- Aaaah!Sim, claro. Vamos arrasar - empolguei-me. Ele só sorriu e foi embora.
A manhã chegou e acordei entusiasmado. Tomei banho, coloquei o uniforme e bati no quarto do Fujimoto-sensei. A porta estava aberta e não havia ninguém no lugar. A cama estava arrumada, pensei que ele já havia levantado. O procurei pelo apartamento todo. Fui até o seu pequeno escritório e lá estava ele, com a cabeça repousada sobre a mesa, desacordado. O chamei algumas vezes e ele se levantou.
- Já chegou a hora?
- Bem, já, mas, o senhor está bem, sensei?
- Sim, eu vou ficar pronto num instante.
Foi caminhando até a porta e segurou-se nela. Por pouco não caiu. Fui socorrê-lo. Seu corpo estava quente. Num instante seus olhos se fecharam. Ele estava desmaiado nos meus braços. Fiquei sem reação, chamando "sensei, sensei!!" em vão. Então o levei até a cama. O cobri com cobertores e pus uma toalha molhada em sua testa, como minha mãe fazia nessa situação. Depois fui até a farmácia comprar algum remédio.
Fiquei observando-o enquanto esperava que acordasse para tomar o remédio. Era realmente uma pessoa bonita. Admirava-me que não tivesse ninguém. Mas esses pensamentos me confundiam, afinal, ele era um homem. "É normal achar um homem bonito? Bom, talvez não tenha nada demais nisso. Se não passar disso..."
- Hi..Hikaru-kun?
Prontamente fui até ele.
- Sensei!
- Que horas são?
- Hum... Acho que umas duas da tarde.
- Então, o jogo... O que aconteceu?
- Eu não sei.
- Droga, tanto trabalho pra você não jogar, por minha causa. No final eu que acabei ficando doente - sua expressão transmitia raiva.
- Não se preocupe. Tome!
Dei a ele o remédio e peguei o termômetro.
- Eu sinto muito. Muito mesmo. Não deveria ter se importado e ido pro jogo.
- Não diga besteiras. Abra a boca!
Obedeceu.
- Logo logo a febre passa. Enquanto isso descanse. Já liguei para o colégio e disse que estava doente. Estou indo levar os trabalhos que precisa entregar.
- Realmente, não precisava.
- Outra vez? Se não quiser levar vacina você sabe aonde, fique quieto!
- Touché!
Nós dois rimos.
- Obrigado, Hikaru-kun! - sorriu gentilmente. Corei.
- Er... Estou indo!
- Okay. Peça desculpas a todos por mim.
- Você tem algum defeito?
- O que disse?
Fiquei nervoso. As palavras saíram sem querer e pareceram muito estranhas.
- Er... Eu... Só... Er... Bem, é que... - ajeitando a gola da camisa.
- Hikaru-kun?
- O quê?
- Você está apaixonado?
- O QUÊ??NÃO! Você é homem, imagina... Nada contra você ou pessoas como você... Mas eu, bom, você até que é interessante, mas, não pra mim, entende?!
Ele riu.
- Eu não perguntei se era por mim e sim por alguém, qualquer pessoa. Não precisa ficar tão nervoso.
- Aaah! Bem, não. Eu acho.
- Tá bem, agora pode ir.
Senti-me um empregado. Caminhei amaldiçoando cada membro da família dele no pensamento. Ao mesmo tempo, me perguntando o que ele estava pensando de mim depois daquelas palavras idiotas.
