Os pés descalços e machucados batiam contra o gelo, aquela dor era insuportável, mas não podia parar, tinha que correr o máximo que podia. Seu peito ardia, os pulmões imploravam ar, mas não podia se dar ao luxo de parar para recuperar o fôlego, ela estava por perto, podia sentir, isso a apavorava.
Olhou para trás, deparando-se apenas com as colinas brancas cobertas pelo gelo ao longe, droga, onde tinha que ter vindo parar! Voltou a olhar para frente e para o seu desespero viu um vulto negro passar pelos seus olhos esmeraldas.
Ela havia a encontrado.
Parou de correr, firmando os pés no chão de gelo, por Kami, ela desejaria estar em qualquer lugar no mundo, até mesmo dentro de um vulcão! Mas não ali, não naquele frio horrível, amaldiçoou Karin em pensamento, ela poderia ter escolhido um lugar melhor.
Os lábios arroxeados não paravam de tremer, sentiu um gosto de sangue na boca, havia mordido a língua. Encolheu-se, ali, sozinha, girando em torno de si mesma, com os olhos atentos a qualquer movimento naquele amplo lugar.
Não havia ninguém.
-Sakura – Uma voz grossa ecoou.
Virou-se deparando com os olhos negros os quais tanto amava, ele estava ali, lindo como sempre, absurdamente lindo. Mas sua feição não era a mesma, ele não estava em paz. Logo atrás dele viu Karin, sorriu internamente ao ver que sua melhor amiga estava bem, finalmente poderiam voltar, iriam voltar para casa, juntos para todo o sempre!
A ruiva aproximou-se rapidamente da rosada, se odiando por tê-la mandando para aquele lugar, podia sentir o medo dela e o ódio de Sasuke. Envolveu o corpo pequeno e bastante trêmulo, temeu a morte da rosada, mas sabia que ela não iria morrer, ela era bem mais resistente do que imaginava, ao contrário daquela mulher, que em alguns minutos correndo por aquela imensidão gelada poderia morrer.
Apertou Sakura em seus braços, a fim de passar calor para a pequena, mas sabia que não iria adiantar. Observou o homem em sua frente, inexpressivo, aquilo lhe dava ódio, sua vontade era de matá-lo. Ele a amava não é? Então por que diabos não se importava com ela?
-K-K-Karin ... - Ouviu hum Sussurro.
Direcionou seus olhos para baixo, Sakura apertava seu suéter com força, os olhos estavam fechados, a pele estava bastante pálida e os lábios antes róseos, agora ficavam cada vez mais roxos.
Sasuke observava tudo em volta, podia sentir a mulher bem próxima, era o que ele mais temia, ela não ia medir esforços, acabaria com a rosada ali e agora. Suspirou pesadamente, apertando um pequeno frasco de vidro em sua mão, será que era o certo a fazer? Era o que ele se perguntava. Voltou os olhos para a garota no colo de Karin, sentiu seu coração apertar, talvez não iria mais ver aqueles olhos esmeraldinos tão brilhantes e cheios de vida.
Ele iria perder mais uma vez.
-Karin – Proferiu o nome da ruiva, que direcionou a atenção a ele.
Ergueu o pequeno frasco com o líquido azul em sua mão. Karin arregalou os olhos rubis levemente, ele sabia que ela era totalmente contra.
-Sasuke, não... – Murmurou ela, apertando Sakura em seus braços.
-Ela não vai parar – O moreno rosnou, já sem paciência.
-E DAÍ? – Berrou Karin, já sentindo as lágrimas escorrerem por sua face – Eu... – Fez uma breve pausa, olhando para a amiga encolhida em seu colo – Eu não quero isso para ela. – Completou.
Sakura ouvia tudo, porém era incapaz de dizer qualquer coisa, mas sabia sobre o que brigavam. Apertou o suéter da amiga em sua mão, já quase sem forças para se manter acordada. Viu os olhos chorosos de Karin a encarar, tentou sorrir mas não conseguiu, queria transmitir suas palavras através de olhar, e a ruiva pareceu entender.
"Sakura, não posso fazer isso"
A rosada continuou fitando-a, enquanto a voz de sua amiga ecoava em sua mente, ela era tão teimosa.
Sasuke já estava cansado do drama de Karin, ia resolver por si só. Aproximou-se das mulheres, Karin ameaçou recuar, mas antes que o fizesse já segurava o braço fino com força.
-Sakura – Murmurou, tocando a bochecha da garota, sentindo-a tão fria que poderia jurar estar morta.
Os olhos esmeraldas encontraram os ônix, um silêncio mutuo pairou sobre eles, apenas se encaravam. Ele não queria deixar vestígio do quanto estava desesperado, ela por sua vez, tentava enxergar na expressão fria dele qualquer sinal de que ele se importava com aquilo tudo que acontecia.
Não encontrou.
"Eu te amo."
Arregalou os orbes verdes, pasma com que havia acabado de escutar, era ele, era a voz de Sasuke que ecoava em sua cabeça. Um mínimo sorriso desenhou-se nos lábios roxos e trêmulos, ela finalmente o pode escutar, era o que mais queria na vida.
Sasuke retirou a pequena tampa do frasco, jogando-a em algum lugar, aproximou ainda mais da rosada, entregando-lhe o frasco.
-Beba - Ordenou.
Ela assentiu, voltou os olhos pela última vez para a amiga que a segurava, Karin, no entanto evitou os olhos da amiga, mas a rosada sabia que ela só estava evitando sofrimento. Segurou o frasco em sua pequena mão, viu o líquido azul, como era bonito.
De uma vez só, levou o frasco à boca e bebeu o líquido que desceu queimando sua garganta. Soltou o vidro que caiu no gelo, sentiu seu corpo leve, tão leve que jurava ser capaz de voar. Sua cabeça girou, sentiu uma vertigem forte, fechou os olhos com força, tentava respirar mas não conseguia, sua visão ficou turva e logo não conseguia enxergar mais nada além da escuridão.
Karin mordeu o lábio inferior, sentindo o gosto do seu próprio sangue em sua boca, fechou os olhos ao sentir a amiga mais pesada, o aperto em seu suéter afrouxou, não conseguia mais sentir o coração da pequena pulsar. Com toda a coragem que tinha abriu os olhos, virando aos poucos para olhar a amiga. Viu os olhos verdes sem brilho, fixos no ar, sem foco algum. A flor estava sem vida.
Sakura estava morta.
2013
Estacionou o carro em frente ao edifício 31, o local mal movimentado até a intimidaria se não estivesse acostumada a ir lá. Ainda dentro do carro observou o prédio cinzento, pensando se iria ou não entrar, relembrar o passado, onde "ele" estava, era o que mais odiava.
Desde daqueles tempos, onde só havia sofrimento, quando estava prestes a livrar-se de si mesma, acabando com a própria vida, veio à idéia de ir à psicóloga, apesar de achar chato e tedioso, ajudava-a. Lembrar dele era a única forma de ficar sem ele. Não via sentido naquilo às vezes, mas como era necessário teria que se adaptar, afinal não fazia aquilo só por ela, mas também por sua família, seu filho e seu marido a quem tanto amava, ou achava que amava.
Depois de anos, ainda não conseguia ter certeza de nada.
Saiu do veículo e caminhou até a porta do prédio, abriu e entrou. Como sempre, foi recebida por Chiyo, uma velhinha engraçada que adorava papear. Após cumprimentá-la subiu as escadas até o terceiro andar, parou de frente a uma porta branca onde pregado estava uma pequena placa de metal escrito com letras douradas "Kurenai Yuuhi". Deu três leves batidas, em seguida entrou.
Sentada a mesa estava Kurenai, ao ver sua paciente entrar na sala, sorriu docemente, largando todos os papéis que estavam em suas mãos.
-Bom dia Sakura! – Cumprimentou Kurenai alegremente.
Sakura sorriu forçada.
-Bom dia – Respondeu sentando na cadeira do lado oposto da mesa onde Kurenai estava.
Kurenai a observou por alguns segundos, logo voltou a mexer no papéis que estavam espalhados por cada canto da sua mesa. Sakura permaneceu em silêncio com a atenção voltada para os papéis, se perguntando em como Kurenai conseguia ser tão desorganizada.
-Eu perdi a sua ficha – Disse Kurenai com um sorriso desanimado, corando levemente – Mas eu tenho certeza que está por aqui... – Voltou a mexer nos papéis.
Sakura suspirou. Terceira vez? Não. Era a quarta vez que sua ficha desaparecia em meio à bagunça de Kurenai. Cruzou os braços abaixo dos seios, apesar de tudo, no fundo torcia para que ela não encontrasse sua ficha, sendo assim, a sessão seria adiada.
-Achei! – Exclamou Kurenai levantando uma folha – Ai que bom! – Olhou no relógio de pulso – Trinta e três minutos, meu recorde! – Bateu palmas comemorando.
Sakura forçou um riso, Kurenai levantou da cadeira e caminhou até uma poltrona de couro encostada ao lado de um cumprido sofá branco. Colocou os óculos e pegou uma caneta.
-Sakura Haruno – Murmurou Kurenai anotando algo em uma caderneta – Vamos começar? – Direcionou os olhos para Sakura que ainda permanecia sentada a mesa – Sakura?
Sakura levantou, fechou os olhos por alguns segundos soltando um breve suspiro, em seguida caminhou até o sofá, retirou os sapatos de salto e deitou-se confortavelmente.
-Bom, quero que comece desde o dia em que o conheceu – Disse Kurenai com uma voz baixa.
Sakura passou a mão pelo rosto, soltando um longo suspiro.
-Não sei do que adianta falar sobre isso – Murmurou irritada.
-É necessário – Disse Kurenai rapidamente.
-Nasci em Los Angeles em 1993, quando eu tinha 10 anos de idade, minha mãe morreu em um acidente de carro, fui para o colégio de Greenville e lá aprendi a odiar picles. – Narrou rapidamente, tentando desviar do assunto daquele dia.
-Sakura, por favor, coopere sim? – Pediu Kurenai seriamente – 2000 e...? – Interrompeu-se para que Sakura prosseguisse.
-2009 – Respondeu revirando os olhos verdes.
Kurenai deslizou a caneta pela folha, anotando algo rapidamente.
-Prossiga – Disse fixando os olhos rubis na mulher deitada a sua frente.
-Eu... – Sakura suspirou, passou a mão pelo cabelo róseo, pegando uma mecha entre os dedos – Essas lembranças... Torturam-me. Lembrar dele... É péssimo pra mim. – Admitiu com um tom de voz sofrido.
-Você prometeu – Murmurou Kurenai – Você disse que me contaria essa parte da sua história que nunca quis comentar, é necessário Sakura, só quero te ajudar. Vai colaborar? – Indagou com o semblante sério.
-Sim - Murmurou Sakura - Mas...
-Mas?
-Não quero que me ouça como psicóloga – Disse Sakura fixando seus olhos no teto branco – Não quero conselhos e nem sua opinião sobre o que vou contar.
Kurenai colocou a caderneta na mesa de centro, entre a poltrona e o sofá, cruzou as pernas e relaxou na poltrona.
-Como quiser – Concordou – Imagine que esteja escrevendo em uma folha de papel qualquer. Eu serei o papel – Kurenai sorriu – Escreva.
