CAPÍTULO I

-Acorda, Malfoy! É o dia!

Draco não precisou abrir os olhos para saber que era Rabicho quem acabara de entrar em seu quarto, aos pulinhos eufóricos, abrira as cortinas e gritara. Reprimiu um palavrão e permaneceu em silêncio, imóvel. Por fim, após gritar, esbravejar, pular e reclamar, como o idiota que era, Pettigrew se deu por vencido, saindo do quarto e resmungando algo que envolvia "garoto preguiçoso".

O jovem Malfoy deu um suspiro longo e irritado, ao abrir os olhos e se deparar com a luz da manhã refletindo na cama minúscula e porca em que dormira, muito mal por sinal. Odiava Rabicho. Odiava o quarto imundo em que o Lorde o alojara, na Mansão dos Riddle. Odiava ter virado Comensal da Morte.

Mas não teve outra escolha: ou se juntava a eles, ou o Lord matava seus pais. Não que se importasse com Lúcio, mas Narcisa!... Ela nunca fora a melhor mãe do mundo, porém, era a única pessoa que Draco realmente amava. Assim, para protege-la, o rapaz renunciou a tudo e virou Comensal da Morte. Não fez muita diferença no fim, já que o Lord aprisionara Narcisa, para garantir que o jovem Malfoy não iria abandona-lo no meio da guerra.

O Lord tinha uma fixação estranha por Draco, fixação esta que seria incompreensível, se não soasse tão óbvia: Draco era a união dos sangues Black e Malfoy em pessoa, o que significava que era o mais puro de todos os seguidores do Lord. Vendo por esse lado, a vontade de Voldemort de querer manter o jovem Malfoy junto a si a qualquer custo fazia bastante sentido.

-Afinal–dissera-lhe Narcisa, num dos raros momentos em que conseguia permissão para vê-la, na masmorra da Mansão dos Riddle, onde Voldemort a prendera. –o Lord não iria querer deixa-lo passar para o lado de Dumbledore! Desfalcaria muito o seu exército!

Dumbledore? Draco nunca iria para Dumbledore! Lutar na defesa de trouxas seria algo abominável! Não, não! Draco fugiria da guerra, talvez se escondesse na América, salvaria sua mãe, mudaria seu nome, reconstruiria a família...

Ah! Devaneios... Não podia deixar-se perder em fantasias, pois se descobrissem que cogitava a hipótese de fugir ("abandonar a causa", como o Lord dizia), seu sangue puríssimo não serviria de nada. Seria torturado, morto, e seu corpo viraria alimento para Nagini...

Oh, Nagini! Cobra maldita! Já atacara Draco dúzias de vezes, um dia quase o matara; foi sorte Rabicho estar lá para dar o antídoto a tempo! Mas por que, diabos, o Lord tinha uma cobra de estimação? Só porque ele era da Sonserina! Bah! Draco também estava na casa de Salazar Slytherin, e preferiria ter um gato ao invés de uma cobra!

Mas você não é realmente sonserino, Draco... Se fosse, estaria tão saltitante quanto Rabicho...

Sacudiu a cabeça, para afastar os pensamentos impróprios, e levantou-se rápido. Lavou o rosto, pois não havia tempo para tomar banho, como constatara ao olhar o relógio de pulso ao lado da cama. Não precisou procurar uma roupa para usar, já que o Lord em pessoa conjurara um uniforme para seus "soldados"; era de um tecido forte e leve, inteiramente negro, e que permitia aos Comensais executarem uma infinidade de movimentos.

Era o dia da batalha. Muitos diziam que era a batalha final. Draco aguardava este dia como quem espera a morte. Seria morto, ele sabia; principalmente depois que o Lord disse que Draco iria lutar ao lado dos outros Comensais. Tia Bellatriz, como era de se esperar, não gostara da idéia.

-Alguém terá que vigia-lo, milorde! Ficaremos desfalcados! –dissera ela, quase desesperada, gotas de cuspe voando por todas as direções com suas palavras.

-Bella –respondera o Lord, com um sorriso quase maquiavélico no rosto ofídico.- seu sobrinho passou com louvor em todos os meus testes. Ele não precisará de uma babá.

Draco se sentiria orgulhoso de si mesmo por receber tal voto de confiança, mas a verdade é que preferiria ser deixado de lado a participar daquela batalha.

Não era um verdadeiro Comensal. Não queria morrer. Iria, ele sabia, mas não queria. E também não gostava da dor. Suportava-a, é claro, pois fora treinado para agüentar as piores dores possíveis. Já recebera vários Cruciatus, sem poder gritar. Nenhuma mostra de sofrimento, foi a ordem clara do Lord. Nada de gritos. Podia cair, lançar olhares malignos, cerrar os dentes e os punhos. Mas nada de gritos. No entanto, temia a dor e a morte. Era irônico, ele sabia, mas... Não conseguiria viver num lugar onde as pessoas fossem torturadas, machucadas, mortas por diversão... O Lord não sabia, obviamente. Bem... Talvez soubesse... Talvez Voldemort lesse a mente de seus seguidores quando estivesse aborrecido... Enfim, se sabia ou não, não importava: o Lord nunca dera sinais de que o mataria por qualquer coisa que fosse. Porém, por precaução, Draco sempre esvaziava a cabeça de pensamentos inconvenientes quando eles ameaçavam surgir...

Draco saiu do quarto e ganhou o corredor. Homens e mulheres iam e vinham, animados e ansiosos, falando alto, rindo e cantando vitória. Cumprimentavam o rapaz, que retribuía com um aceno de cabeça. Estava com pressa. Queria ver Narcisa antes de sair para a batalha.

Ela ainda estava presa nas masmorras da Mansão, com alguns prisioneiros de guerra e traidores, guardados por Comensais grandes e insensíveis. Mas hoje não haveria guardas, pois todos foram recrutados para o local do combate. Hogwarts... A escola seria destruída, os alunos mortos, as cabeças de Dumbledore e Potter erguidas como troféus...

Draco entrou nas masmorras, em silêncio. Se o descobrissem ali, seria morto, ou preso também. Correu pelas celas, ignorando as súplicas dos prisioneiros famintos, e logo encontrou quem procurava. Narcisa estava encolhida, num canto da cela; o rosto virado para a parede, os cabelos platinados sujos, e as roupas rasgadas em vários pontos. A masmorra exalava um cheiro asqueroso de mofo, fezes e sangue.

-Mãe! – ela não respondeu. Talvez Draco tivesse sussurrado muito baixo. Elevou a voz, apenas um pouco, para não ser descoberto, e se aproximou das grades. –Mãe! Sou eu, Draco...

Ela continuava sem dar sinais de ter ouvido; permanecia no canto, comprimida nas sombras, seus cabelos se espalhavam pelo piso de pedra fria. Draco sacudiu as grades, e estranhamente a porta se abriu. Não deveria estar trancada? Escancarou a porta e correu até Narcisa.

-Mãe? –chamou, enquanto ajoelhava ao lado da mulher no chão. Ela não se moveu. Sacudiu-a suavemente –Mãe!

Ela não respirava. Num acesso de desespero, Draco tomou-a nos braços, e ainda tentou acorda-la, alisando seu rosto e cabelos, e chamando-a. Lágrimas de dor caíam de seus olhos cinzentos, molhando suas faces e caindo em Narcisa.

Morta. A única pessoa que Draco amava estava morta. O único ser vivo que realmente importava, o único motivo que o fizera entrar na guerra. Morta...