Hades, espectros, Guerra Santa – essas palavras desanimavam até o mais otimista dos Cavaleiros. Estavam na espera do primeiro contato que, até onde sabiam, poderia ser a qualquer momento. Essa tensão criou um clima de hostilidade no Santuário, onde qualquer pequeno desacordo era motivo de discussão. Não existiam mais vestígios da vitória contra Poseidon, e tudo era preocupação e luto antecipado. Bem era sabido que da última Guerra Santa apenas dois haviam sobrevivido e consciente disso, Aioria fez o infeliz comentário:
- Pois bem, todos iremos morrer e só sobreviverá o Shaka e todos os 8 sentidos dele.
Milo reagiu como se fosse retrucar, mas provavelmente não achou os argumentos de que precisava. Os 12 grandes Cavaleiros de Ouro haviam sido e dizimados antes mesmo da Grande Guerra e nenhum Cavaleiro de Bronze prodígio poderia amenizar esse fato. Eles deveriam ser uma unidade, mas agora eram metade. Uma metade órfã e desmotivada.
Mu entrou na casa de Virgem sem nenhuma cerimônia e encontrou Shaka sem muita dificuldade.
-Que bom que eu te dei toda essa liberdade. – Disse Shaka, com seu mau humor disfarçado em ironia.
Não é como se você estivesse escondendo algo de mim. – pausou – Ou é?
Shaka riu com a pergunta. Óbvio que não tinha nada a esconder, mas gostava de ver Mu assim, tão vulnerável e desconfiado.
- Talvez. E mesmo se não tivesse, não gosto que entre desta maneira, gosto de acreditar que as vezes estou sozinho.
Mu entristeceu. Se dependesse dele não passaria um minuto de sua vida sozinho, mas sabia que não poderia esperar isso de Shaka. Este sempre foi muito independente e muitas vezes perdia a paciência com a carência de Mu. Este, por sua vez, fazia o que podia para conciliar horários de treino e de descanso, visando driblar a temida solidão.
Vendo que Mu havia se chateado com o que disse, Shaka sentou a seu lado e começou a mexer-lhe os cabelos.
-Não seja bobo, ok? Você mata um pedaço de mim toda vez que faz essa cara.
Mu mudou de expressão rapidamente e passou a sorrir. Era raro ouvir tais "elogios" vindo de Shaka.
-Ah, então é assim? Eu te digo que morro por ti e isto lhe faz feliz? Você é realmente mesquinho, Mu de Áries.
Mu agora gargalhava. Encostou os lábios nos dele e deitou no seu colo. Shaka sorriu com o gesto e voltou a mexer nos cabelos de lavanda – era obcecado por eles, tinha ciúmes de quem os tocasse.
- Estou morrendo de medo, Shaka. Penso na Guerra e só penso na morte. Primeiro vejo o meu sangue e depois o de Athena.
- E o meu, não vê?
Mu levantou do colo de Shaka com o mais legítimo olhar de reprovação. A pergunta de Shaka era inapropriada em todos os níveis e sentidos. É como se alguém tivesse simplemente parado a música, quebrado o coro.
- Prefiro pensar no de Athena.
Muitos de nós consideraria isso heresia, sabia?
- Foda-se a heresia! Shaka, não vê? O que mais quero é te tirar daqui, te poupar disso. – segurou o rosto do amado nas duas mãos, para que, mesmo de olhos fechados, pudesse vê-lo – Se você morrer não vai ser uma parte de mim que morrerá junto, serei eu todo. Prefiro mil vezes ser um corpo morto, do que uma alma viúva da única pessoa que confiei e amei.
Shaka chorou – chorou primeiramente por se sentir culpado e depois pela morte e todo o seu conceito. O cavaleiro mais próximo de Deus um dia haverá de morrer e deixará pessoas que chorarão por ele. Nenhum Cavaleiro de Athena deveria viver com tal responsabilidade.
Beijaram-se. Não havia mais nada a se dizer e nenhuma palavra valeria por tanto. As árvores do jardim de Virgem choravam suas pétalas, assim como os dois Cavaleiros, que uniram seus corpos para preencher o vazio.
