CAPÍTULO 1
Ekaterinburg, Rússia, 2011.
Severo Snape acomodou-se no banco de seu carro sentindo-se o homem mais livre do mundo. Finalmente a sexta-feira chegara e depois de uma semana exaustiva, o merecido descanso. O carro deslizou suavemente pela rua, e o ronco suave do motor parecia música para seus ouvidos, cansados das inter mináveis queixas dos seus pacientes. Quando a Sra. Olga entenderia que uma pessoa diabética só melhoraria com uma dieta rigorosa? Aquela insistência em que ele prescrevesse uma pílula mágica para baixar sua taxa de glicose deixava-o maluco! Já se cansara de orientá-la, mas nenhum dos argu mentos transpunha a paixão dela por doces. Já o pequeno Misha... Ele caíra do berço e levara três pontos na testa. Por que esse tipo de coisa sempre acontecia perto das onze da noite?
Severo reduziu a marcha e entrou à direita, sem conseguir desvencilhar o pensamento dos incontáveis surtos de gripe, infecções respiratórias, enxaquecas, febres... Mas nenhum problema o preocupava mais que a jovem Alexandra Ivanovich, uma adolescente anoréxica. Ele tivera de ser duro com os pais para que entendessem que a filha tinha um grave dis túrbio alimentar e que não era apenas uma mocinha vai dosa preocupada em controlar o peso.
— Chega de pensar em pacientes, Snape! É hora de relaxar — ele ordenou a si mesmo, desligando o carro e apanhando sua valise.
Depois de um banho relaxante, vestiu um confortável roupão e barbeou-se sem pressa. Tinha um encontro com uma bela garota de cabelos negros e olhos sedutores que iria ajudá-lo a relaxar. Enquanto se vestia, uma deliciosa sensação de bem-estar o invadiu. Com a tensão deixando seu corpo, começou a ver com outros olhos a sua prática como médico. Podia conside rar-se um homem de sorte em ter tido a chance de recomeçar longe de tudo. Possuía uma clínica que dividia com os melhores companheiros do mundo e tinha uma ótima clientela. Seu apartamento, grande e confortável; localiza va-se na melhor região da cidade. E a melhor parte de ser um médico de sucesso, sem dúvida, era o número de garotas adoráveis que vivia ao seu redor...
Neste quesito, Severo considerava-se um homem simples. Um jantar a dois, um pouco de dança, um beijo... Bastavam para abrir uma noite perfeita. Não que usasse ou abusasse das mulheres, ao contrário! Na verdade, estabelecera uma regra que seguia rigorosamente: nada de sexo no primeiro ou segundo encontro. A única vez em que isso acontecera, sentira-se verdadeiramente mal na manhã seguinte. Ele gostava da companhia de mulheres, mas não admitia sexo sem envolvimento emocional.
Severo afivelou o cinto e esticou as dobras da calça. Calçou os sapatos de couro italiano, confortáveis e macios e olhou-se no espelho, satisfeito com o resultado. Apanhou o paletó no cabide e estava procurando as chaves para sair quando a campainha soou.
Quem poderia ser àquela hora? Willian e Nicolas, seus com panheiros da clínica, sabiam que ele teria um encontro ardente naquela noite, haviam inclusive desejado boa sorte ao se des pedirem. Curioso, caminhou para o hall enquanto ajeitava o paletó, mas o som do choro de um bebê vindo de fora fez com que hesitasse em abrir a porta. Nenhum dos seus vizinhos tinha filhos. Um paciente, talvez? Impossível, não recebera nenhuma mensagem no bip de que havia uma emergência e também não costumava dar seu endereço aos pacientes...
As perguntas o assaltavam sem parar. Resolveu acabar com aquele mistério, virou a maçaneta e abriu a porta, mas por mais curioso que estivesse, não estava preparado para o que encontrou: Uma mulher, claramente perturbada, com uma criança tão agitada nos braços que seus soluços quase a deixavam sem fôlego. Quando se refez do impacto da cena, percebeu que ela lhe era vagamente familiar.
O lado profissional imediatamente se sobrepôs à confusão em que se encontravam seus pensamentos.
— A criança está doente? — ele adiantou-se, pronto para examiná-la.
— Não! — a mulher estendeu o bebê, furiosa. — Ela é sua!
Ela praticamente atirou o bebê nos braços de Severo, dei xando-o sem ação. O choque paralisou suas cordas vocais. De onde conhecia aquela mulher? Forçou a memória, ten tando lembrar o nome, ou qualquer indício que o ajudasse a recordar. O que ela queria dizer com "ela é sua"?
A mulher depositou uma pequena mala na soleira da porta e abriu um sorriso, que parecia conter um ar de triun fo, como se ela tivesse atingido um objetivo.
— O nome de sua filha é Louise. Decidi que é hora de você assumi-la!
