Espera-Me

A chuva caía e era como um bálsamo para os olhos castanhos. O Templo Tsukimine estava decorado com as flores ensopadas das Sakuras que lá existiam. Mesmo debaixo de todo o aguaceiro, Touya Kinomoto era levado a acreditar que havia fragilidade demais naquele local. E existiam lembranças demais, também.

"Maldita Kaho...".

Deu um sorriso irônico. Apesar de ela ser muito boa em previsões, não acertava exatamente tudo. Afirmara que Touya ia ser capaz de esquecê-la, mas sempre que estava no templo, a imagem bonita e singela dela vinha em sua mente. Não com rancor, nem com raiva. E sim com todo o carinho que um dia guardara por ela.

"Vidente, que nada... Acho que o que ela queria era se afastar de mim".

Não importava mais, lembrou-se com amargura. Kaho estava na Inglaterra. Provavelmente já com outro relacionamento enquanto ele não conseguia pensar em mais nada que não fosse nela.

Quando a vira, pela primeira vez, ficara encantado. Kaho Mizuki era uma mulher linda, de beleza estonteante e de sorriso sincero. Mas além de toda a sua aparência, havia a delicadeza de seus gestos, a uniformidade de suas atitudes. Acreditava fielmente que jamais acharia uma garota como fora a sua professora. E namorada, por algum tempo.

Era apenas um adolescente bobo, na ocasião. A futilidade de seus momentos não envolvia parcialmente Kaho. Ela já era tão madura, tão profunda. E apesar de não poder se comparar a ela, sabia também que detrás da aparente maturidade da professora, havia solidão.

Sim, tivera ciúme. Ciúme quando soubera o sentimento que ela dizia nutrir pelo tal Eriol Hiiragizawa. Mas também tivera pena, quando observara o inglês enamorar-se de sua prima, Tomoyo Daidouji. Hoje, eram casados e moravam em Londres. Para a doce professora, havia sobrado a interminável tarefa de encontrar alguém que pudesse recolher os pedaços de seu coração partido.

"Eu estaria disposto a recolhê-los, se assim você permitisse...".

"Jamais precisou de minha permissão para nada, Sr. Touya".

Virou-se lentamente, arregalando os olhos ao notar a figura silenciosa e elegante de Kaho. Também estava molhada, perecendo na insistente chuva. Aproximou-se, com um sorriso fraco no rosto. Ela tinha um dom incrível e sempre conseguia surpreendê-lo. "Não sabia que havia voltado".

"Ninguém sabe. Eu não esperava vê-lo aqui".

"É um templo respeitável, Kaho. Sinto-me em paz aqui".

"Não me venha com histórias", ela desdenhou, bem humorada. "Ninguém vem a um templo, no meio da chuva, procurando simplesmente paz".

"Já faz 5 anos. Não sabe como mudei nesse tempo todo".

"Sei sim".

"Não pode prever tudo".

"Quando é em relação a você, posso".

Resolveu não discutir. Kaho não admitia estar errada, em qualquer fosse o assunto ou discussão. Apesar de seu coração ter batido descontrolado ao vê-la, não podia permanecer mais lá, caminhando entre o fim da desistência e da falsidade. Não suportava a presença dela, tão envolvente.

"Fico feliz em vê-la, Kaho, mas tenho que ir e...".

"Não fica não", ela o interrompeu. "Não tem a expressão de quem está contente em me ver".

"Você apareceu de repente. Estou apenas surpreso".

"Sabe, eu... não esperava voltar também", ela prosseguiu como se ele não tivesse dito nada. "Mas nada me prendia na Inglaterra".

"Nem o seu amor platônico por aquele tal de Eriol?!".

Kaho o encarou, não entendendo sua explosão. O próprio Touya não entendeu. Resolveu ficar calado, para evitar de falar outra besteira.

"Nem mesmo isso... Os sentimentos mudam, Touya".

"Não me diga...".

"Você...", ela começou. "Ainda está ressentido por eu ter te abandonado?".

Estava? Não saberia responder. Lógico, primeiramente ficara abalado e pensara que seu mundo ia cair. Dava valor a Kaho como nunca dera a ninguém. A idéia de ter ela longe de si parecia assustadora. Porém, com o passar dos anos, a dor transformara-se em aceitação. Kaho tinha outros interesses. Não podia prender-se a um adolescente estúpido e sonhador. Encarou os olhos rubi e disse, calmamente. "Eu fiquei chateado, mas isso já passou".

"Não parece ter passado".

"Que droga, Kaho!", irritou-se. "Não pode ficar planejando minha vida como planeja uma de suas viagens! Sempre fez isso, achando que escolhia o melhor para mim! Mas eu tenho uma novidade para você: Eu mudei! Não sou mais o garoto controlável que abaixou a cabeça quando viu a mulher que amava ir embora!".

A professora abaixou a cabeça e desculpou-se. "Perdoe-me, Touya. Eu não tinha intenção de magoá-lo. Jamais pensei que pudesse se apaixonar por mim".

"Quem está sendo infantil agora é você", cerrou os punhos e seu suspiro perdeu na próxima trovoada, que só intensificou a chuva. "Você jamais pensa no que é importante para os outros! Pensa demais em você".

"Discordo. Voltei para o Japão pensando na sua irmã e em ajudá-la quando ela precisasse".

"Sempre nos outros, Kaho... Nunca em mim".

A jovem professora não soube o que dizer. Lógico que amava Touya. Jamais o esquecera, não obstante o tempo que estiveram separados. Só que tinha deveres que ele não podia entender. "Eu só quero o seu bem. Foi por isso que parti. Porque eu sabia que ia se apaixonar por outra pessoa".

"E você também".

"Certo. Só que eu não planejei deixar de gostar dessa pessoa".

"Também não".

Kaho aproximou-se, surpresa. "Quer dizer que...".

"Isso mesmo. Eu esqueci a outra pessoa importante para mim", explicou, cruzando os braços, como se o assunto o incomodasse. "Pois sempre que estava com essa pessoa, eu me lembrava de você".

"Mas...".

"Sem 'mas'. Eu não espero nada, entende? Não quero sua pena, sua piedade. O que eu quero, você não pode me oferecer".

"Eu vou partir novamente", disparou, amedrontada. Touya jamais lhe parecera tão descontrolado e qualquer coisa valia para que ele voltasse a ser o doce rapaz que conhecera há 5 anos.

"E para onde vai?".

"Para outro lugar no mundo, onde possa ser livre".

"Então vá".

Kaho observou Touya sair do abrigo das árvores e se afastar, dando a entender que ia partir. Um aperto inexplicável em seu peito fez com que corresse na chuva atrás dele. Estendeu o braço e tocou sua mão. Ele virou-se lentamente, com os olhos meio fechados por causa das grossas gotas de chuva. Os lábios estavam salpicados de água e os cabelos castanhos estavam grudados na testa, lhe dando um ar de fragilidade.

"O que foi agora, Kaho?", ele indagou, com a voz rouca. "Mais alguma previsão?".

Tentou ignorar o rubor nas próprias faces. Não era uma mulher dada a esse tipo de sensibilidade, mas ao lado dele, sentia-se vulnerável o bastante para ruborizar. E para não encontrar as palavras certas.

"E se... e se todas as minhas previsões estivessem erradas?".

"Hã?".

"E se tudo isso fosse uma maneira de eu te pedir algo?".

"Pedir?".

"Sim", tocou seu braço e em seguida, seu rosto. Aproximou a face e disse, suavemente. "Não vá embora".

Ele a estudou por alguns minutos, tão lento como o passar dos doces anos. Desceu os olhos sobre os seus, depois sobre seu nariz, suas adoráveis e coradas bochechas e finalmente para os lábios. Trêmulos, incertos, esperando o toque, o carinho. Kaho sentiu toda a força do sentimento dele dentro do seu pequeno coração. Estava pronta para uma recusa, para uma risada sardônica e cruel. Ele tinha todo o direito de rejeitá-la, visto os anos de sofrimento que o obrigará a passar. Mas Touya não era um homem desse tipo de caráter. Era o mais especial de todos.

As respirações se cruzaram, intensas. Os lábios dele tocaram os seus uma vez, afastando-se em seguida. Tocaram pela segunda vez, provando um pouco mais. E os olhos eram atentos a todo tipo de movimento. Depois se uniram famélicos a sua boca, saciando saudade e vontade, desejo e amor. O abraçou com a alma, enterrando os dedos nos cabelos grossos de sua nuca. O carinho que os juntou fez com a chuva sumisse e que o vento cessasse. Pois o tempo parara para assistir tal reencontro. As lágrimas, cheias de paixão, cruzaram o rosto feminino. Ao notar isso, Touya ergueu a cabeça e lhe sorriu, docemente. Um gesto tão simples, mas que para ela, significava exatamente tudo.

Touya não podia explicar exatamente o que fora aquilo, nem se quisesse. Num instante, detestava aquela mulher pretensiosa e que se achava dona da verdade. No outro, rendia-se aos seus olhos suplicantes e atendia ao pedido mais profundo de seu coração machucado. Porém, amá-la talvez fosse isso. Esperar pelo inesperado e aguardar enquanto a alma falava, ao invés da voz.

"Partirá novamente?".

"Eu te amo, Touya Kinomoto", ela disse, ignorando sua pergunta. "Te amo e acho que sempre te amei. Mas a realidade nos forçou a...".

"Shhh...", pressionou o indicador contra os lábios dela e disse, calmamente. "Não importa que parta ou que não parta. Eu sempre vou amar você".

"Então, promete-me algo".

"O que quiser".

"Promete que espera-me".

"O fiz durante tanto tempo", ele afirmou, sorridente.

"Ou faz diferente".

"Como?".

"Ao invés de esperar-me, parta comigo".

"E para onde iremos?".

"E isso importa?".

"Não... Desde que seja com você".

"Posso lhe garantir... Espera-me, e não será com mais ninguém".

Fim!!!