Série de ficlets UA (pra variar) de Saint Seiya.
Frios (e convidativos) lábios de mármore.
Buscou em todos os bares, em todas as esquinas, alguma fé de segunda mão que lhe preenchesse o peito, que lhe suprisse a ausência do sentimento que sequer conhecia. Tocava magistralmente músicas a respeito, e fazia pessoas se emocionarem, mas não conhecia aquilo na íntegra - era um hipócrita. E saía de onde estava com as mãos nos bolsos levando alguns trocados, e o instrumento nas costas. E era só isso que conhecia. Não entendia nada de arte, porque não sentia. Racionalizava tudo, porque não sabia sentir, perdera isso há muito. Se tornou um morto vivo, acordando, comendo, morrendo todas as noites. Morrendo todos os instantes. E por isso andava nas ruas daquela forma, sozinho, com os cabelos loiros bagunçados, sem levar nenhuma esperança no bolso, só os trocados, e só os trocados. E, sob aquele princípio de chuva de verão, ele se viu correndo, fugindo. Fugindo da chuva, em baixo de uma marquise, dentro de outro bar, e novamente na rua. Na chuva. Estava na mesma chuva da qual fugira outrora, sem sombrinha e sem capa. E a correria pelas ruas tortuosas, a correria sem nem olhar para frente o levou até aquele velho coreto, onde os jovens iam se embebedar, e ficavam aos pés daquela estátua bonita. "Eurídice", leu a placa. E quando leu, sentiu-se instintivamente cansado. Aquela estátua de braços abertos e convidativos, de olhos tristes. Tudo que ele buscava e não sabia estar procurando. Braços acolhedores. Mesmo que estivessem frios, seus lábios de mármore estavam ali. Encarou o rosto delicado. "Devia ser uma mulher linda. Isso, se tiver existido" pensava fazendo um carinho ali. Subiu em seu colo, beijou a boca fria na esperança de que aquela estátua ficasse ainda mais viva. Surpreendeu-se ao se afastar do coreto após a chuva ter passado, e perceber que algo se abrira em seu peito. Uma válvula para encontrar aquilo que ele sabia ter perdido há muito tempo atrás.
Ele não seria mais tão hipócrita assim quando tocasse aquelas músicas falando de amor e outras bobagens abstratas assim.
