Em meio à esbranquiçada névoa, o grotesco monstro não era visível aos orbes violetas. Rukia caminhava em busca do hollow que lhe fora rastreado e sucedido como missão. A figura possuía uma reiatsu incomum e a típica máscara e buraco no peito. Como estratégia de defesa, o hollow tinha o poder de formar névoa ao seu redor, bloqueando a visão do inimigo.

- Te peguei shinigami!

Por um instintivo impulso, a morena avança com a espada em direção à voz e, caindo na armadilha do inimigo, é golpeada por trás.

- Desgraçado! - resmunga a morena cuspindo sangue.

- O jogo acabou para você.

Usando o shunpo, Rukia tenta se afastar da névoa, mas é impedida pelo monstro.

- Aonde pensa que vai?

Aproveitando a oportunidade, a baixinha decepa o braço do hollow.

- Aaahrg... Sua vadia!

- Não me subestime. - responde abrindo um sorriso de canto. - Tsugi no Mai, Hakuren!

A enorme geleira é expandida para cima da grotesca figura, transformando-a em uma enorme estátua de gelo.

- Isso deverá acalmá-lo por um tempo. - diz virando as costas com desprezo ao inimigo.

O som do gelo sendo destroçado é ecoado, mas o monstro continuara inteiro.

- Descuidada!

Ao escutar o adjetivo dirigido à sua pessoa, Rukia coloca-se na a posição inicial, mas já era tarde. Uma estaca é atravessada em seu peito. O líquido avermelhado fora jorrado deixando a shinigami em estado degradante. O monstro retira o objeto da garota, largando-a no gramado do parque como um cadáver a ser devorado pelos urubus.

- Isso deverá acalmá-la, por um longo tempo. Hehehe.

Derrotada e destruída, a pequena shinigami sente a mente esvaziar e a visão escurecer. Os orbes violáceos perderam o brilho, mas continuaram expostos e arregalados.

-X-

Seu corpo estava quente e o espaço, aconchegante. O silêncio era predominante, mas mesmo assim sentia vontade de acordar. A visão estava escura, mas aos poucos sua mente foi clareando ao abrir os olhos.

Repousava em um confortável leito presente em um pequeno quarto bem ventilado e iluminado pela brisa e luz da manhã. Sua vista vislumbra uma estranha figura dormindo ao seu lado. Era apenas um leão de pelúcia, mas na escrivaninha ao lado, adormecia um belo garoto de bagunçados fios alaranjados. Parecia estar tendo um sono profundo e tranquilo.

A morena ajusta-se na cama e começa a admirar aquele descanso. O ruivo de alguma forma lhe transmitia paz e proteção. Analisou cautelosamente o ambiente e o garoto pela segunda vez. O que ela estava fazendo ali? Como foi parar ali? Assustou-se.

De repente, Ichigo demonstra seus primeiros movimentos de desperto. Ainda de olhos fechados, o garoto espreguiça-se ainda não percebendo a presença "viva" da morena. Ao olhar para a sua esquerda, o ruivo dá um impulso para trás acordando-o definitivamente.

- Rukia! - exclama quase caindo da cadeira.

- Ahm?

- Nee-san! – exclama o brinquedo de pelúcia ao acordar.

- Rukia! Até que enfim! - senta-se na cama ao lado da garota. - Não está sentindo nada? Está tudo bem?

- Eu... - leva a mão destra ao peito. - acho que sim.

- Que bom. - expõe um doce sorriso.

Ichigo parecia estar realmente preocupado com ela, o que a fez ter uma primeira boa impressão do garoto. Ao reparar na própria aparência, a morena percebe que estava vestindo um delicado e mimoso vestido azul claro de mangas curtas. Nada muito extravagante.

Os orbes cor de mel encaram profundamente com equívoco as safiras.

- O que houve? Está incomodada?

Rukia encara a feição assustada do garoto e não hesita em perguntar:

- Quem é você?

- Mas Nee-san? Está de brincadeira né? – pergunta o pequeno leão encarando a morena.

O ruivo entra em choque. Como assim ela não se lembrava dele? Só podia estar brincando. Uma estátua formou-se no lugar do ruivo tornando o silêncio insuportável, que fora quebrado por Ichigo depois de alguns segundos.

- Deixa de brincadeira Rukia! Você nunca foi disso! – abre uma feição duvidosa.

- Como assim? Por que você está me chamando de Rukia? É o meu nome por acaso? – responde aproximando-se do ruivo agarrando o pulso do mesmo na esperança de obter respostas.

- É claro que sim! Rukia... o que aconteceu com você!

A baixinha enterra a cabeça nas mãos e desespera-se.

- Eu não sei! Eu não lembro da minha própria vida! O que aconteceu comigo?

- Calma Rukia! – deposita as duas mãos nos ombros da garota.

- Afaste-se! Eu não te conheço! Deixe-me sozinha! – encolhe-se assustada.

Ichigo fica estático com a reação da shinigami. Imaginava tudo sair daquela boca, menos o pedido de deixá-la em plena solidão. Onde estava AQUELA Rukia? Sua nakama, sua companheira. Era verdade, aquele brilho no olhar não era mais da antiga Rukia. Ele não queria deixá-la daquele jeito, não queria abandoná-la. Desejava abraçá-la e dizer que estava tudo bem, mesmo não tendo nenhum plano em mente.

- Eu irei falar com o Urahara. – responde levantando-se e encarando as safiras que despejavam lágrimas. – Só não saia daqui. Kon cuide dela!

- Sim!

-X—

Urahara Shouten. O clima estava calmo e bastante sutil para uma manhã de sábado. O anfitrião estava, como sempre, ao lado de seu gato preto admirando as pétalas caírem sob o gramado do florido jardim, e é claro, tomando seu férvido chá matinal.

Um estrondo é ecoado da porta da frente. Ao sentir a reiatsu de quem se tratava, Urahara não mexeu nenhum músculo do lugar. Tomou mais um gole do chá. Yoruichi ainda adormecia.

- URAHARA-SAN! – e a frágil porta de bambu é violentamente aberta.

- Bom dia Kurosaki-san! A que devo sua visita? – responde não perdendo a classe.

- Preciso falar com você urgente! É sobre a Rukia!

- Kurosaki-san, se fôr sobre seus problemas amorosos envolvendo o mau humor da Kuchiki-san, pode esquecer.

Ichigo não pôde evitar o avermelhamento da face. Ficara intensamente constrangido.

- Não é sobre isso! É algo sério!

- Então, do que se trata? – toma mais um gole de chá sem perder a sutileza.

- Ela lutou contra um hollow e perdeu a memória!

O loiro ajeita o chapéu e Yoruichi acorda de seu falso sono. Ao ver a reação dos dois, Ichigo percebe que o caso era mesmo coisa séria.

- Vamos entrar Kurosaki-san, está um pouco frio aqui fora.

-X—

- Nee-san, está se sentindo melhor?

Rukia estava enrolada no lençol tentando pensar em alguma coisa. Como conseguiria pensar em algo sem ter pelo menos vivido alguma coisa? Não lembrava-se de si mesma. Estava totalmente perdida.

- Não. Eu só queria saber se eu tive uma vida. – sussurrou.

- É claro que teve! – andou até onde estava o rosto encharcado de lágrimas. – Ichigo e eu somos seus amigos. Nós nunca iremos te abandonar. Pode contar com a gente! – pisca um dos olhos.

Rukia abre um meigo e sincero sorriso.

-X—

- Quer dizer que o hollow tem o poder de sugar a memória de suas vítimas?

- Isso mesmo, e ele é um hollow fruto de experiências do 12º esquadrão e é foragido faz algum tempo.

- Desgraçado! – soca a pequena mesinha. – E existe jeito de recuperar a memória da Rukia?

- Só matando-o. E isso eu acho difícil, pois, ele não aparece muito por aqui. Por isso que os batalhões desistiram de segui-lo. Por enquanto terá que acostumar-se com isso.

Não podia ser verdade. Ichigo ficara sem palavras. Não saberia conviver com outra Rukia, mas ao mesmo tempo não queria largá-la de jeito nenhum. Iria "criar" Rukia do seu próprio jeito.

- Está certo. – responde levantando-se abandonando a antiga estatura aflita. – Eu irei esperar este hollow vir e matá-lo nem que eu tenha que perder as minhas memórias também. Mas não deixarei Rukia sofrer desse jeito!

O gato começou a dirigir a palavra:

- Só tome cuidado. Este hollow também usa a névoa como forma de defesa. Não será fácil derrotá-lo sozinho.

- Não importa, só quero a Rukia de volta!

O ruivo se levanta furiosamente deixando os conselheiros para trás.