Capítulo 1: Colheita Distrito Um

Marc Gem (15 Anos):

"Marc, você não vem?", diz gentilmente Jewel, minha amiga – minha única amiga – com seu doce sorriso, provavelmente o único que já vi em minha vida.

Ela está estendendo suas mãos para mim gentilmente, e me encarando com seus olhos cor de âmbar. Ela está com o mesmo vestido vermelho que usou na primeira vez que nos vimos, no portão do orfanato onde sou criado desde meus oito anos de idade, quando que perdi meus pais em um assalto a mão armada. Desde aquele dia, nunca mais fui o mesmo. Jurei não confiar em mais ninguém, e desde então finjo ser alguém que não sou: um garoto bruto e encrenqueiro. Mas com Jewel é diferente: com ela não preciso fingir. Ela me compreende. Sempre me compreendeu. Eu pego em sua mão e retribuo o sorriso.

"Claro, vamos lá". A colheita sempre foi uma ocasião que capturava minha atenção, desde meu primeiro ano como candidato. Mas esse ano, não estou com a mesma sensação dos outros. Sinto que algo ruim vai acontecer. Mas, mesmo que seja sorteado esse ano, sei que não serei um tributo-morto (apelido que os garotos do orfanato dão aos tributos fracos). Apesar de nunca ter tido nenhum tipo de treinamento, sempre soube me virar. No orfanato, todo ano há uma competição onde testam suas habilidades de sobrevivência. Desde minha chegada, eu ganhei três e Jewel duas. Isso deve provar que, se um de nós for escolhido, não seremos uma completa vergonha.

Nós nos aproximamos da praça cada vez mais e eu posso sentir a aflição começar a tomar conta do corpo de Jewel, conforme seus passos começam a ficar mais lentos e ela começa a tremer levemente.

"Ei, tudo bem, não precisa se preocupar", eu a envolvo em um longo e quente abraço. "Eu te protejo.". Sei que esta frase não tem nexo, pois, se ela for escolhida, não há nada que poderei fazer para protegê-la, a não ser que eu vá junto, e isso é algo que prometemos a não fazer em hipótese alguma: voluntariarmo-nos. "E além do mais, já passamos por isso três vezes sem sermos escolhidos...", deixo as palavras serem absorvidas pelo ar e tudo fica por isso.

Após nos soltarmos, ela limpa a lágrima que havia acabado de começar a escorrer de seu olho esquerdo e tenta fazer uma tentativa falha de um sorriso. Eu olho para ela carinhosamente e nos prosseguimos nosso caminho. Quando chegamos, damos nossos nomes e nos colocamos em nossas fileiras (separadas por sexo e idade), e paramos exatamente um ao lado do outro. Após todos estarem "acomodados", a acompanhante de nosso distrito, Lux Lury, acompanhada do Prefeito Smith, conta a trágica história dos Dias Escuros e de como todos tiveram que pagar com sangue pela futilidade e medo da Capital – obviamente ela não usou estas palavras, mas assim que eu as interpretei. Após isso, ouvimos o hino de Panem, e ela, em sua fina e gentil voz diz "Bom, primeiro as damas."

Ela se aproxima da esfera de vidro que contêm centenas de nomes femininos. Após alguns segundos de emrolação, ela finalmente pega um papel, abre-o lentamente e lê o nome na mesma velocidade.

"Jewel Gold"

E é essa a hora em que minha respiração para e fico imóvel.

Jewel Gold (15 Anos):

Eu sei que meu nome foi chamado, mas simplesmente não consigo mover minhas pernas. Perdi completamente o controle de meu corpo. Estou petrificada. Mas agora sou um tributo, e não posso passar fraqueza aos demais distritos. Eu mudo minha expressão de medo para uma ríspida e dura carranca, e a levo até o palco. Agora eu estou sozinha, não há nada que Marc possa fazer para me ajudar. Prometemos um ao outro.

Agora estou ao lado de Lux Lury, enquanto ela sorri e começa a aplaudir minha chegada. Como não sou conhecida por muitas pessoas, é necessária a insistência de minha nova acompanhante para que a plateia se junte a sua falsa atitude de carinho.

"Bom, que felicidade para o Distrito 1, uma competidora forte e saudável", sei que ela está se referindo a mim, mas acho que nunca saberei se estava dizendo a verdade, nunca prestei muita atenção para mim mesma.

Apesar de Marc não saber – e pretendo garantir que ele nunca saiba – eu amo ele. Sempre amei. Desde a primeira vez que o vi na escola, um ano antes de sua perda. Ele era o aluno mais centrado, mais educado. Me lembro muito bem dele puxando a franja de seus loiros cabelos para o lado sempre que esta atrapalhava sua escrita. Desde então deixei de me preocupar tanto comigo mesma. Sei que estou usando o vestido vermelho (o único que tenho), o qual segundo Marc me deixa mais bonita – acho que nunca descobrirei se ele percebe que a cada vez que diz isso, meu rosto e enrubesce.

Tenho que parar de pensar em Marc. Há uma chance de nunca mais vê-lo novamente. Então percebo que Lux retornara a falar, e me concentro em cada palavra que ela diz. Quero saber qual garoto vai ser um dos outros vinte e dois que terei que me preocupar na arena. Lux pega o papel, mas não o abre

"Senhoras e senhores, o garoto que participará da 72ª Edição dos Jogos Vorazes e estará representando o Distrito 1 é..." , ela permite que o silêncio dure enquanto lentamente abre o papel "Marc Gem".

Eu o vejo no meio da multidão. Não sei se sua carranca deve-se ao fato de não querer mostrar fraqueza aos outros distritos (assim como eu), ou por ele esconder sua verdadeira personalidade. Diferente de mim, ele recebe diversas salvas de palmas e júbilos de felicidade dos habitantes, provavelmente por suas atitudes. Sei que eu poderia estar em choque por ele – por pura ironia do destino – ter se juntado a mim nesta jornada, após termos prometido um ao outro para não nos voluntariarmos caso um de nós fosse escolhido, mas o único pensamento que vem a minha mente é que se eu quiser sair viva de lá, terei de matá-lo.

Marc Gem (15 Anos):

Lux Lury insiste que nós apertemos nossas mãos, e depois somos guiados por um grupo de Pacificadores para dentro do Edifício da Justiça. Minha vida definitivamente não poderia ser pior. Desde os oito de idade minha vida é uma mentira: finjo para todos os próximos de mim que sou um delinquente; me fecho para qualquer relacionamento; e quando consigo encontrar alguém que me compreenda, descubro que terei de matá-la em um jogo sangrento.

Nós somos separados em duas salas situadas uma ao lado da outra. Como provavelmente não terei nenhum visitante, fico observando a decoração luxuosa do Edifício, muito elegante e rústica. Simples, mas ainda assim exuberante. Fiquei tão entretido em procurar adjetivos para a sala que nem reparei quando Sra. Furry, a diretora do orfanato, entrou e ficou me encarando. Não pude deixar de notar que havia uma lágrima ameaçando cair de seu olho.

"Por que irá chorar?", pergunto sem me importar com a grosseria. "Afinal, agora você está praticamente livre de mim. Ou seja, sem mais problemas.". Não é essa a atitude que eu gostaria de tomar. Gostaria de me compadecer dela e abraça-la, pois sei que foi a única no orfanato, com exceção de Jewel, que já zelou por mim. Mas como sou um "delinquente", terei que ser rude com ela.

"Na verdade, nem mesmo eu sei por quê. Apenas acho que você fará falta para mim. Sinto que você é um dos motivos pelo qual eu abri o orfanato: para mudar as crianças antes de se tornarem assassinas sanguinárias, como a Capital quer que ajam."

Após este argumento, não posso recusar seu abraço, que foi acompanhado de um longo choro, que molhou as costas de minha camiseta. Ela foi levada embora, e ninguém mais me visitou.

Jewel Gold (15 Anos):

Após o período de visitas, eu e Marc somos levados à estação, onde embarcaremos no trem que nos levará a Capital. Entretanto, isso não impede de que possamos ir a um ponto calmo para podermos conversar.

"Você sabe que nós dois não podemos sair vivos de lá...", tento ser breve, pois logo nos encontrarão.

"Sim. Mas isso não quer dizer que devemos nos matar."

"Então façamos o seguinte: não poderemos agir como desconhecidos, mas com certeza ninguém fora de nosso Distrito sabe que somos amigos, então fingimos que somos apenas conhecidos, e, não faremos uma aliança."

"Certo."

Após nossa conversa, voltamos à plataforma e não nos falamos até que o trem chega.