Sou de um tempo diferente, em meu tempo a Humanidade engatinhava com uma vaga noção de que aqueles que falavam sua língua, ou os rudimentos de uma pelo menos, e que acreditassem nos Deuses da mesma forma que eles eram seus irmãos. Um tempo áureo onde o melhor objetivo de vida era uma morte gloriosa... Como podem notar, não gostava muito desses conceitos... não, eu queria mais que isso... e consegui, pois dentre todos os mortais, nascidos de mortais, apenas eu alcancei a divindade... não se iludam, não é algo tão extraordinário quanto parece, viver eternamente sabendo tudo que se passou durante todas as vidas que teve, passar milênios envolvida nas contendas de Divindades entediadas na eterna disputa, sim existem eternas disputas... se não acreditam em mim basta ver como Luna e Hélios até os tempos de hoje não suportam Apolo e Árthemis, sempre tentando derrubá-los e reaver o controle sobre o dia e a noite, ter a compreensão de cada ínfimo mecanismo que rege nosso Universo, não é nada confortante, acreditem em mim... claro que temos compensações, em meu caso específico, pois os dons divinos são variados, a mente humana se abre para mim como uma flor que vê o sol, e claro também sinto fortes impressões daqueles que me cercam, mentir para mim é impossível, e esconder algo de mim sem que eu deliberadamente permita também é uma tarefa improvável, as sensações do corpo e da mente para mim são aliadas, posso diminuir a dor, aumentar o calor, aliviar a mente ou mesmo enlouquecê-la, posso penetrar na alma humana, também sou patrona das Artes, como toda Musa o é, e de fato é o que sou, chamam-me Sapho, a Décima Musa...
Oh! Mas que distração a minha, não é sobre isso que querem ouvir, não é por isso que me olham com estes olhinhos brilhantes desejosos de respostas... o que querem saber é sobre ele... sobre Shaka de Virgem... e sobre como uma Deusa se apaixona por um Homem, mesmo sendo este Homem "o Mais Próximo de Deus".
Não vou recontar aquilo que já sabem mas, quando o vi pela primeira vez por instantes fui arrebatada por uma nostalgia quase alucinógena, e senti a pureza que dele emanava, e por favor entendam, a pureza à qual me refiro em nada tem à ver com sexo, me refiro a pureza de espírito e pensamentos. Me senti imediatamente tocada por tal ser, e o deixei mergulhar em minha alma e meu Cosmo da mesma forma que fiz com ele, logicamente ele ainda é um homem mortal e essa experiência para ele foi desnorteante, muita informação recebida em pouquíssimo tempo, um homem normal teria desmaiado e enlouquecido, mas ele apenas ficou abobalhado lutando com a sensação de vertigem e tentando firmar o pensamento em algo que não fosse eu. Mas até este momento tudo que senti foi uma leve surpresa, além de uma clara afeição, foi então que senti vindo dele algo diferente, ele lutava contra a vontade de olhar para mim, não digo apenas pousar o olhar, ele relutava em apreciar minhas formas como um homem normalmente o faria, temia ser desrespeitoso encarando-me como um lobo olha um pedaço de carne... esta não foi a surpresa, mas o fato de que pelo que pude ver nele, e vi tudo desde antes da memória dele se organizar, era a primeira vez que ele ponderava estas idéias... era a primeira vez que ele sentia a vontade de dar vazão à este tipo de desejo... e me refiro tão somente ao desejo de observar até então...
Agora advirto, não o tomem por um tolo assexuado que jamais percebeu uma mulher! Não! Não era isso, ele apenas não via interesse em nada que o prendesse na matéria, ele queria algo mais elevado, e considerava os prazeres uma distração. Me diverti perguntando-me como alguém pode chegar tão perto da verdade e ao mesmo tempo estar tão distante dela, afinal não há nada mais humano que as necessidades simples de comer, dormir, respirar, urinar e excretar e claro... o sexo, o contato com o outro e a troca que isso proporciona. Bem, Shaka obviamente fazia tudo isso, com exceção dos últimos. Tente se privar de comida e morrerá, mas com que prazer não se leva a boca o alimento preferido? Tente ficar sem dormir e sentirá o corpo pesado, a saúde fraca, e logo morrerá de exaustão. Prive-se do ar e logo sentirá a lenta agonia de seu corpo estrebuchando até a falência dos órgãos o levar a morte. Tente segurar a bexiga cheia e a sentirá queimar até vazar contra sua vontade ou brecar o caminho inevitável dos dejetos e verá que é impossível, mas se não o fosse então você poderia sentir seu corpo lentamente se intoxicar até o levar a falência total e por conseguinte... a morte. Então eu perguntei a mim mesma... isso tudo ele sabia, tão certo quanto sabia seu próprio nome, mas... por que então renegar as outras necessidades? Por que se esconder do contato humano e condenar-se a pior das mortes... a morte da humanidade dentro de si. Meu interesse por ele surgiu instantaneamente ao constatar o quanto ele estava perdido e confuso, com a recém descoberta verdade de que, não se pode ignorar a existência dos outros, o Ser Humano não é uma ilha que pode viver isolada... ele precisa de contato humano como as flores precisam de sol, e o contato humano irá cedo ou tarde resultar em amor... foi então que compreendi, ele passou tanto tempo achando que o amor o distrairia que, adiou este momento pelo tempo que pode, e agora tinha a compreensão de mistérios do Universo, mas não sabia lidar com essas sensações tão básicas... entendam, o amor o assustava por que era a única coisa que lhe fugia totalmente a compreensão, e também fugia ao controle. Não podemos culpá-lo por se assustar... todos nós em determinado momento de nossa existência nos deparamos com essa verdade... os Deuses não são exceções disso... a diferença é que Shaka adiou este momento... para descobri-lo... comigo.
Creio que estou me afastando novamente do ponto... Após a Guerra Santa contra Vênus Aphrodite e Antheros findar, pedi asilo à Athena, sentada na varanda do 13º Templo conversamos por horas sobre mais assuntos do que posso agora me lembrar, e ela gentilmente me ofereceu morada na Vila das Amazonas, onde tenho não só minha casa que apesar de simples é aconchegante e de bom tamanho, como também estão à minha disposição a biblioteca de Sextante, localizada na Vila das Amazonas e a Biblioteca de Palas Athena localizada no Areópago do Santuário ambas sob os cuidados de Yuri de Sextante. A Deusa gentilmente me ofereceu a chance de reviver os tempos de minha maior felicidade... deu-me a incumbência de ensinar!
-Quem melhor que a fundadora da 1º escola da história para instruir meus protegidos? – disse ela com simplicidade... e meu intimo se regozijou... eu Sapho de Lesbos, voltaria a ensinar, como fazia à pouco mais de 2600 anos atrás! Foi então que ocorreu-me... eu o veria sempre agora... viveria neste Santuário com Shaka, e isto eliminava qualquer possibilidade de que com o tempo eu o esquecesse, sim, por que à esta altura eu já tinha noção de que eu o amava... apesar de não me importar em explicar este sentimento... mas da mesma forma que uma menininha de mãos suadas e coração descompassado minha mente não se focava... eu pela primeira vez em milênios sentia-me insegura, afinal, Shaka era mortal, e humano... os humanos são imprevisíveis, mesmo para quem lê suas mentes com tamanha facilidade quanto eu... além do que, se tratando de mim, uma Musa, é natural que mesmo ele se sinta atraído, o que não significa necessariamente que ele me amasse... Ah! Como eu fui tola nestes pensamentos! Mas compreendam que por mais que eu sentisse algo, soubesse algo em bem verdade, minha cabeça racional me dizia coisas que não condiziam... que me censure aquele que jamais passou por esta situação! Agora sei o que estão pensando... que eu tive apenas alguns poucos momentos com Shaka e acabo de declarar que já o amava... novamente peço que entendam, apesar do tempo escasso, como poderia eu, expressar a avalanche de sensações e sentimentos que percorre nosso corpo e nossa mente quando tocamos com nossa alma a alma de outra pessoa através do Cosmo? Não importa quanto tempo havia passado em horas mortais desde que pousei os olhos nele, o fato é que depois que nossos Cosmos se encontraram eu o conhecia... e ele me conhecia... não havia segredos, e não sou um caso isolado... ou realmente acreditam que Apolo se apaixonou por Daphne apenas pelos belos olhos dela? Ele também a conhecia, desta mesma forma que eu e Shaka. E não, eu não me esqueci do assunto... apenas quero que vocês tenham ciência da dimensão das coisas... o que poderia eu falar então de quando o vi na Casa de Virgem? Ah! Deusas! Se havia necessidade de alguma confirmação para mim, vê-lo ali serviu bem para isso. Quanto tempo passou desde que eu havia sentido aquela sensação de vertigem? O fato é, ele estava ali em sua imensa flor de lótus, meditando envolto de sua luz dourada, belo como apenas os Deuses conseguiam ser, ah! Se soubessem como meu coração inquietou-se no peito, e como dei graças por apenas eu poder ouvir os pensamentos dele com a clareza de palavras sussurradas ao ouvido. E ele, tão perdido e sem jeito, pensei comigo "Com tantos homens no mundo, me apaixonei por um pudico!" o contraste entre os pensamentos recatados dele e os meus nada comportados era divertido... quando me aproximei dele dava para respirar o nervosismo, era cada vez mais divertido para mim ver como ele reagia a minha presença... e francamente, o beijo... ah! O beijo! Quanto tempo eu não beijava alguém que verdadeiramente eu desejasse? Digo, mais do que desejar o corpo, afinal, estou divinizada... não morta, e convenhamos não sei como Athena e Árthemis conseguiam se manter indiferentes à estes prazeres, mas o caso é... o beijo dele para mim foi uma enxurrada de sensações mais do que seria para um mortal, pois além das sensações óbvias, eu sentia o que ele sentia... e Deusa como ele sentia! Massageia meu ego lembrar-me de como eu sentia o desnorteamento dele, a atração magnética... ele disse que sentia uma sensação que ele só poderia descrever como convite... pois em verdade o era, uma vez que eu desejava aquele beijo...desejava mais... mas com muito custo dominei meu corpo com minha vontade, pois pensei na importância que aquilo tinha para ele... encanto, era como ele definia a atração dele por mim... achava-se completamente encantado... mal sabia ele o tamanho do encanto que ele exercia sobre mim...
Agora o que me assustava, e sim eu também tenho meus medos e inseguranças, era o fato de que eu conduzia tudo e ele apenas se deixava conduzir... sem atrito, resistência ou questionamento... apenas se deixa levar. Em verdade eu o prensei na parede, eu o encurralei entre meu corpo e o mármore plenamente ciente do efeito que eu causava e ouvindo os pensamentos desordenados e confusos que tentavam se firmar em detrimento do calor que lhe subia, e do desejo que tentava nublá-los... e para ser sincera... estava tudo bem nublado..., mas como tive medo de decepcioná-lo... sim por que eu podia ver sua mente, ele pensava nisso, pensava em como seria me ter nos braços, e beijar-me, pensava em mais que isso, mas logo caia em censuras bobas tentando suprimir o desejo que o fazia perder a linha... e que erro não foi deixá-lo ver tão longe em minhas memórias e sem restrição alguma! Ele sabia de minhas aventuras e amores, Alceé, que em muito se parece com Shaka e que de fato o fora milênios atraz, Fáon, Mnedice, Frixos, Catulo, Tímeo, Cícero e tantos mais... e ele de maneira boba, se perguntava se estaria a altura de me amar... Ah! Como pode ele tão sábio ser tão bobo? Será que os viu em minha cama mas não os quis ver em meu coração? Se passou uma semana depois de eu o beijar até que tivéssemos oportunidade de ficarmos sós, eu estava sentada nas arquibancadas do Coliseu ensinando os jovens Filosofia, como Grega que sou não gosto de salas fechadas, prefiro o modo Peripathético de ensinar, tal como os pássaros eu prefiro o ar livre! Eu falava sobre a Ética e a Moral, minha aula terminou quando os Dourados chegavam para treinar... eu estava de partida quando senti a mão dele segurar meu braço, e sabia que ele agira por impulso, pois não houve um fio de pensamento neste ato...
-Tenho de falar com você... por favor... – Ele me encarava com aquele olhar cego, digo, com os olhos fechados quando sei que na verdade pouco importava para a percepção dele se estavam abertos. Negar me seria impossível, afinal... eu queria esta conversa, eu queria este tempo com ele, eu devia isso à ele... devia à mim.
-Não posso convidá-lo para vir à minha Casa, mas terei prazer em subir as escadarias para vê-lo no fim da tarde – eu sorria para ele e isso tranqüilizava seu coração inquieto, ouvia com clareza em meus ouvidos porém os pensamentos dele... "E se ela não for? Deveria eu insistir?" por isso ainda acrescentei à minha frase – Não deixaria de ir por nada neste mundo, que tal você vir no fim da tarde até o pathernon? Me ajude a carregar os rolos para a biblioteca e em seguida vamos até seu Templo. De acordo, Virgem?
Ele assentiu com um meneio de cabeça, e soltou meu braço como se acabasse de se dar conta de que o segurava, o que de fato, era o que acontecia... eu o via se afastar devagar em direção aos Dourados que já treinavam, então ocorreu-me mais uma coisa... eu tinha por obrigação levá-lo mais à sério...
As coisas não saíram como planejado, eu não pude simplesmente encerrar minha aula e partir com ele, minha atenção teve de ser dada à um aluno que precisava de mim Shaka esperou pacientemente alguns metros de distancia, e eu por instantes esqueci de sua presença e me concentrei no menino, não sei o que se passava pela cabeça de Shaka neste momento...
A caminhada que tivemos em direção a biblioteca e em direção à Casa de Virgem foi agradável, uma conversa sagaz e inteligente, que me fez pensar como eu podia tratá-lo como um bobo, quando na verdade ele era um sábio... entramos na Casa de Virgem e lá ele me tomou a mão e com um sorriso no rosto deixou as palavras saírem de forma singela...
-Quero que conheça meu Santuário particular... – ele me guiou através da Casa, parando de frente à uma enorme porta dourada, a porta era dupla e talhada, com uma arvore em cada lado em ouro mais escuro, envelhecido, contrastando com o resto em ouro mais claro... Ah, que maravilhoso trabalho de um artesão habilidoso era aquele! Poderia eu escrever uma ode aquele cenário, mal sabia eu como era belo o cenário visto ao vivo... ele pousou a mão na porta e ela se abriu, revelando um maravilhoso jardim que em nada devia ao Jardim do Éden... acreditem, pois eu o conheço! Ali cresciam flores de partes diversas do mundo, plantas que de forma alguma poderiam crescer juntas em uma situação normal, e todas floridas ou florescendo, Cerejeiras, Bungavilhas, alguns Girassóis esparsos, Hortênsias, Flores de Figo e tantas outras das quais eu não sabia os nomes... Compreendi que aquela porta levava à uma dimensão paralela, um mundinho particular onde com o Cosmo as mais belas plantas eram cultivadas, e ali estavam as duas arvores, as Árvores Gêmeas... era assim que ele as chamava em sua mente... eu não invado a mente dele deliberadamente, não é isso, o caso é que para não ouvir seus pensamentos eu teria de me concentrar em algo que não fosse ele, e francamente... não conseguia fazer isso facilmente, tudo em mim estava voltado para ele, eu não tinha como ignorar a presença dele com facilidade... e além disso, me concentrar em algo que não fosse ele, enquanto ele tenta conversar comigo seria uma tremenda falta de educação de minha parte... portanto os pensamentos de Shaka eram para mim um desagradável efeito colateral...
Shaka sentia vagamente o que se passava em meu intimo ali, absorta na beleza do lugar e no conforto da presença dele, na mente dele uma leve confusão de como abordar o assunto que ele tanto queria...caminhei na direção dele, ele não recuou, apesar de se sobressaltar em seu intimo, por fora não deixou transparecer, eu parei perto dele, tão perto que nos encostávamos, desta vez nada atrás dele o acuava, e mesmo assim ele permaneceu onde estava, eu queria compreender a dificuldade que ele sentia, talvez eu o tenha encarado de forma inquiridora por instantes, ele se perguntava em como me dizer o quanto dava importância ao fato de termos nos conhecido e quanto ele me queria, só que não sabia como dizer... aquela altura os olhos fechados dele começavam a me incomodar...
-Apenas me diga, o que quer dizer, não procure palavras ou formas... e pelo amor dos Deuses abra esses olhos Virgem!
Sei que minhas palavras não foram delicadas, mas aquele olhar cego dele estava me incomodando, e além disso eu queria ouvi-lo dizer, e não ouvi-lo pensar... Shaka reagiu de imediato, de forma impulsiva e sem pensar, não só abriu os olhos me revelando aqueles orbes azuis que tanto me inspiravam como me puxou para si com aquela mão forte de Cavaleiro me enlaçando a cintura, deixei que ele afundasse o rosto em meio aos meus cabelos apoiando o queixo em meu ombro e pedia aos Deuses que ele não percebesse minha surpresa, ou minhas pernas tremulas que falharam por instantes... descobri que ele adorava o cheiro dos meus cabelos... mal sabia ele o quanto eu adorava aquilo tudo, os pensamentos dele se aquietaram, e eu sentia o coração dele pulsando forte, ele puxou o ar para os pulmões, ainda abraçado à mim, com a nítida impressão de que não deveria me soltar, pois eu poderia fugir a qualquer momento... bobagem! Mais fácil eu agarrar-me à ele! Então ouvi lenta e pausadamente em meu ouvido a voz dele, me refiro á voz dele mesmo, não de seus pensamentos...
-Se eu disser que te amo me julgará um tolo? – senti um baque! Claro que eu ouvia seus pensamentos sobre mim, mas as palavras!Ouvi-las... ah! Isso era outra coisa... minha determinação recebeu um certo vigor, mas meu coração parecia bater em minha garganta...eu o enlacei com os braços por cima dos ombros em volta do pescoço, no meio daqueles cabelos dourados como as pepitas do Eurotas, e o trouxe para mais perto, desta vez ele não estava inseguro quanto ao beijo, e tão pouco confuso, ele sabia exatamente o que fazer, beijou minha fronte, meu rosto, acariciando meus cabelos negros que ele soltava com uma das mãos enquanto com a outra subia por minhas costas. O doce arrepio que eu sentia se misturava com a forte sensação de que ele também sentia isso...
-Por que eu o acharia um tolo? – eu perguntei com a voz fraca, entre um beijo e outro, era um esforço falar com a respiração alterada, minha vontade era de trazê-lo ali mesmo para o chão, só não sabia como ele reagiria... eu queria beijá-lo, enlaçá-lo com minhas pernas em sua cintura, se tivesse algum falso pudor não diria isso mas, eu me colava a ele para senti-lo... sim eu fiz isso, de forma singela e discreta eu aos poucos me colava à ele, e o sentia, ele tentava com seus pudores não me deixar perceber, mas o desejo não era só meu... garanto-lhes!
-Por que és uma Musa e eu a amo... – ele hesitou e deixou a frase morrer em sua garganta, mas de que adianta isso para alguém que ouve os pensamentos claros como sussurros aos ouvidos? "És a Musa de Lesbos, quantos homens já não lhe juraram amor apenas por ser você quem é? Por quanto tempo manterei seu interesse em mim?" meu coração apertou-se, claro que meu ego foi de certa forma enaltecido, mas tive vontade de mostrar a ele o quanto ele estava errado, eu deveria lhe dizer algo que o tranqüilizasse, que lhe desse segurança, mas a verdade é que por instantes eu emudeci... ele não me soltou, continuou agarrado à mim, abraçando-me com uma ternura possessiva, mal imaginava ele o quão confortável me era aquele sentimento de posse dele... o gostoso aconchego que se encontra nos braços do homem que se quer ter... por que eu realmente o queria. Olhei para ele com o melhor sorriso que pude estampar em meu rosto, com as pontas de meus dedos afastei os cabelos dourados que lhe caiam próximos aos olhos que eu tanto gostava, ele tomou minha mão na dele e depositou um beijo em sua palma... as mãos que tantos versos de amor escreveram, e que ele lera sem acreditar, pois agora ele sentia e sabia que meus versos não são licença poética de sentimentos emulados... são sim, sensações passadas ao papel. Ele nem sonhava com o quanto aquele gesto singelo mexeu comigo... ele não faz idéia de quão erótico era o impacto dele em mim... um Santo... sem noção de si próprio.
-Jamais poderia eu julgá-lo tolo, por que te dou a justa paga de seu amor... – eu percebi que ele pareceu não acreditar nos ouvidos... ou não entender as palavras... aguardei pacientemente o sorriso no rosto dele se formar, ele estreitou-me no braço esquecendo a própria força que tinha.
-Quer dizer que me ama, Musa? – ele perguntou-me com a voz serena e pausada tão próximo de meu ouvido que senti o rastro de fogo me subir, o senti esfregar o rosto no meu e com minhas mãos eu afundava os dedos naquelas louras melenas... com minha boca roçando a dele tão perto que o ar quente que saia da minha boca entrava pelos lábios entreabertos dele assim como o sopro da vida entrava ao ser incutido nos primeiros Homens...
-Quero dizer que te amo, Virgem... – a proximidade o provocava, e a sensação de convite o tomou, fora demais para ele pois, por mais próximo de Deus que ele fosse era um Homem... e minha doce surpresa de ser beijada pelo Santo de Virgem era de total arrebatamento... eu sentia minha pele eriçar e sentia nele o arrepio que o percorria, eu o deixei invadir minha boca com sua língua e explorá-la ao seu bel prazer tal como eu fizera com ele em nosso primeiro beijo, meu abandono resignado em seus braços o incentivou a ousar, o beijo se tornava aos poucos mais exigente, quase indelicado, as mãos dele em minhas costas desciam devagar até minha cintura e de lá subiram por meu tronco hesitando ao aproximarem-se dos seios. Tínhamos de respirar, ele temia por uma reprimenda por sua ousadia, eu tomei o rosto dele em minhas mãos e o fiz aproximar a cabeça de meu peito, colando a orelha dele em meu coração...
-Pode ouvir isso? A força com a qual ele bate? - os pensamentos dele se nublavam pela sensação de ouvir meu coração descompassado e pelo fato de estar com a cabeça afundada entre meus seios... aqueles que ele queria tocar e hesitou...
-Por que me mostra isso? – as palavras embargadas, lentas e baixas que quase eram um sussurro... eu acariciava seus cabelos, e podia sentir o relaxamento dos músculos dele, eu ouvia o suspiro baixo que acabou por jogar uma pequena lufada de ar quente contra minha pele...
-Lhe mostro para que entenda que meus desejos e os seus estão concatenados... já nos entendemos quanto ao amor, você me ama e eu o amo, mas você ainda refreia seus instintos, não vou censurá-lo por dar vazão aos seus desejos, Virgem, entenda... eu o quero.
Ele pareceu estremecer, e de fato foi o que fez, ele ergueu os olhos límpidos para mim e olhou-me procurando alguma hesitação, ele não encontrou nada em meu semblante decidido, e eu sentia o intimo dele em rebuliço, a leve insegurança que o tomava, o Santo dentro dele lhe dizendo bobagens sobre ser muito cedo, sobre me dever algum tipo pudico de respeito virginal... como se eu fosse uma Vestal! Ah! Minha paciência para com estes pensamentos não era muita em bem verdade, mas esforçava-me para tentar compreendê-lo, apesar de não conseguir entendê-lo... ele continuava a me olhar nos olhos como se nos meus olhos ele pudesse sanar suas duvidas e exorcizar seus medos... então decidi dar à ele um empurrãozinho... Ah! Que deleite ver as feições irem de hesitação contida ao levemente chocado ao notar a naturalidade com a qual eu soltava as pregas de minhas vestes presas em meus ombros e deixava o tecido cair até minha cintura onde o cinto segurava meu Kíthon longo até os pés próprio de todas as Musas... ele abriu a boca numa expressão muda que eu não soube definir, o pensamento o abandonara em principio, mas depois percebi, ele olhava para mim da mesma forma que contemplava as verdades que via em suas meditações... ah! Mas que maravilhoso impulso o tomou então! Ele ergueu-me em seus braços e tomou minha boca de assalto, levando-me dali em meio a beijos ternos, ao passarmos pela grande porta dourada detectei um fio de pensamento ordenando a porta que se fechasse, e então ele caiu em si de o que estava fazendo... percebeu que me tinha nos braços ali com meus braços em torno de seu pescoço, agarrada a ele aos beijos com os seios nus como nas imagens dos livros que ele lera, detinha seu pensamento na forma abnegada com a qual eu me desnudei parcialmente frente aos seus olhos sem a menor cerimônia ou vergonha, Oras! Por que deveria eu envergonhar-me de mostrar-lhe o corpo? Por acaso sentem vergonha as ninfas ou as crianças? Talvez as fadas ou mesmo os animais? Por que então este falso pudor deveria frear minha vontade de mostrar-lhe o que tenho de mais sagrado? Sim, o corpo é sagrado, pois é onde a alma se aloja, é o templo que abriga a vida e deve ser tratado como tal... e agora ele tencionava levar-me aos seus aposentos, e preocupava-se tolamente com estar mergulhando em meu encanto de Musa por vontade própria...
Ele não precisou soltar-me para abrir a porta de seu aposento, nem mesmo para fechá-la, as portas obedeceram de forma marcial seu comando mental, que eu ouvi claramente, assim como ouvi os comandos para as cortinas se abrirem, ele queria luz, deveria imaginar afinal... Shaka significa "Filho da Luz" ou "Iluminado" em Hindi. Colocou-me sentada em sua cama, e contra minha vontade interrompeu nossos beijos para abaixar-se diante de mim, tocando com um dos joelhos o solo de modo cavalheiresco e antiquado, o que despertou minha curiosidade, ele queria demonstrar seus sentimentos mas não me sabia o que dizer, bem já não havia dito? Não entendo essa necessidade desesperada de falar a todo instante, eu já sabia que ele me amava e não precisava ficar gastando aquela preciosa saliva confirmando o que eu já sabia! Ele descalçou minhas sandálias, da forma como se faz na Índia e em algumas partes da Pérsia e da Macedônia, as estúpidas sandálias brancas que lhe lembravam quem eu era, ele esperava que eu compreendesse o ato... eu compreendia, toda a magnitude do ato carregado de simbolismo romântico onde o rapaz indiano descalçar a mulher que ele jurava amar, tanto que isso na terra natal dele era feito nas núpcias... eu sabia... ele me olhava nos olhos com um sorriso sincero e de certa forma inocente... amo esta inocência sincera dele... mas eu ouvia sua cabeça pensante, e francamente jamais pensei encontrar um homem que pensasse tanto! Ou pelo menos um que prendesse minha atenção dessa forma... ele pousou o olhar nas sandálias brancas, dando-se conta de que elas eram um dos símbolos das Musas... "Uma Deusa, por tudo que me é Sagrado, Sapho é uma Deusa... a Décima Musa... eu deveria honrá-la e não trazê-la para minha cama na primeira oportunidade..." permiti a mim mesma tocar com meus joelhos o chão e trazê-lo a mim, eu o beijei na boca, enquanto com as mãos lhe puxava a camisa larga de algodão que era fechada tendo na gola em um V incisivo com um cordão que não estava amarrado deixando-lhe parte do largo peito à mostra, sim eu o puxei para mim pela camisa, se ele pensasse muito logo se dissuadiria de seguir em frente por causa de pensamentos lógicos idiotas que nada sabem de amor ou desejo... eu o beijei lasciva mordiscando-lhe o lábio, provocando-o de propósito, e com as mãos eu o livrava da inútil vestimenta que já me irritava ali, logo estávamos ambos nus da cintura para cima aos beijos, com as mãos dele passeando livremente por meu corpo, fazendo-me arrepiar com o toque dele em minha pele, com os beijos em meu pescoço, sei que eu sorria de forma involuntária sentindo os lábios dele tocar minha pele, ele possuía uma delicadeza ao passear por mim com as mãos tentando descobrir cada curva da anatomia feminina que ele antes não dava importância, sentia ele erguendo o tecido de meu Kíthon para acariciar minhas pernas, as mãos dele em minhas coxas, um Santo com mãos de Soldado, ásperas pelos anos de treino, e como ele era quente! O corpo dele era quente como o de uma pessoa febril, seria o Cosmo? A verdade é que pouco me importava... eu queria parar o tempo ali, na maravilhosa sensação dele a lamber meu pescoço enquanto com as mãos me apertava as coxas em meio a carícias, ajoelhada no chão eu me precipitava sobre ele e o fazia arrepiar conforme lhe chupava o pescoço entre um beijo e outro, quase ri de divertimento ao vê-lo eriçar como um gato e gemer baixinho quando passei a ponta de minha língua em sua orelha.
Precipitei-me sobre ele fazendo-o tombar para traz, ele deitou-se com uma perna esticada no chão e a outra ainda flexionada, perna esta que acabou por ficar entre as minhas. Me divertia vê-lo suspirar entregue aos meus beijos delicados, arrepiar-se conforme passava minha língua pelos contornos dos músculos do peito definido, adorei o gemido baixo que ele não pode abafar quando pousei meus lábios no pequeno mamilo dele, eu me esfregava na perna dele sentindo aquelas mãos de Cavaleiro me acariciarem as nádegas, subindo para minhas costas, indo para meus flancos e pousando em meus seios, eu instintivamente procurei-lhe a boca, ah...a esta altura ele já não pensava com clareza, o Santo dentro dele havia finalmente se calado e relaxado para poder desfrutar dos prazeres de Aphrodite, o que era uma benção, não via a hora dele parar de pensar! Ele me olhava com aqueles olhos claros como água de um azul tão límpido, com uma de minhas mãos soltei o cinto fino de couro trabalhado que segurava minhas vestes que só atrapalhavam, ele me acariciava o seio com aquela mão forte, sem ainda saber dosar a delicadeza e a força, levemente desajeitado mas completamente disposto, eu o sentia duro e pronto para mim a qualquer momento que eu quisesse, mas preferia continuar a brincar, eu o beijei pescoço acima entre um suspiro e outro causado pelos arrepios que ele me causava senti a outra mão dele descendo hesitante pelo meu ventre, falei-lhe ao ouvido da forma mais delicada que pude mas sei que minha voz saiu rouca e baixa...
-Me toque, me explore com suas mãos, com sua boca, com tudo de você que puder e quiser...
Ah! Sei que palavras em momentos como este podem ser um pequeno desastre maculando algo que dispensa instruções e avisos, mas a hesitação dele desapareceu com isso, ele me respondeu com um beijo terno, e eu me ergui trazendo-o comigo para sair do chão frio, ele sentou-se na beira da cama e abraçou minhas pernas esfregando o rosto em minhas coxas, ele procurou meu olhar como que em busca de aprovação ou talvez permissão, não pude discernir, mas não me importava, vale tudo entre quatro paredes... não é o que os modernos dizem? Eu acariciei os cabelos dele jogando-os para traz e retirando a franja grudada a testa com o suor que começava a brotar, devo ter sorrido, por que tenho a impressão de que eu sorri quase o tempo todo, francamente, não me lembro, minha atenção foi tomada por ele afundando-se entre minhas pernas com seus beijos ternos e fazendo-me gemer, eu já não acariciava seus cabelos mas os tinha seguros talvez até com um pouco de força involuntária entre meus dedos, vinham a mim fragmentos de pensamentos esparsos que eu não conseguia concatenar com meu raciocínio embargado, tudo em mim estava focado naquela boca, naquela língua que me arrancava gemidos baixos e me fazia estremecer com a eletricidade que me trespassava o corpo de quando em quando num gozo discreto.
Eu captava fios frágeis de pensamento dele, algo acerca da minha divindade, e da castidade dele que já estava perdida aquela altura, algo sobre passar a vida sem ter sabido aqueles pequenos segredos que ele descobria em mim, e nele próprio... seria o Santo dentro dele pensando? Ele afastou-se um pouco estava lindo com aquele rosto afogueado, com delicadeza eu o acariciei, o beijei e o ajudei a despir o que ainda havia de vestes, quase ri ao ouvir o pensamento dele amaldiçoando ter deixado entrar tanta luz, ali sentindo-se levemente desconfortável em sua nudez... logicamente não fiz isso, ele pensaria que eu estaria rindo dele, e isso seria cruel, mas com um sorriso sereno eu acariciei o rosto dele... recatado sim... pudico com certeza... ingênuo? Ah! Isso não! Nem um pouco...
-Tão pudico, meu Santo de Virgem... saiba que tirar minha roupa para você foi minha melhor ficção de amor... portanto, deixe esse rubor sem sentido e me deixe vê-lo em toda sua beleza...
Isso aquietou os pensamentos insistentes dele, já o coração continuava acelerado, batendo forte e arrítmico, ele balbuciava juras de amor em algo que eu não sabia mais se era grego ou hindi, mas também não me importava em distinguir as palavras... tanto faz a língua que ele falava. Me deixei escorrer por entre as pernas dele beijando aquele abdômen de homem que tanto gosto, ele soltou um suspiro abafado ao sentir minha língua contornando o umbigo e descendo... em verdade ele pousou as mãos delicadamente em meus ombros, como uma advertência muda de que não deveria descer mais, e eu captava os pensamentos dele acerca de minha divindade, e sobre como poderia ele permitir que uma Deusa se ajoelhasse entre suas pernas, bobagens, se ele soubesse o divertimento e o prazer com o qual eu fazia aquilo não pensaria assim... tomei em minhas mãos os seios que ele tanto gostara e alojei-o duro no vale entre eles, adorei vê-lo agarrar-se as roupas de cama afundando os dedos com força no colchão conforme sentia a pressão de meus seios nele ali tão duro e sensível, a massagem lenta que iniciei o fez morder os lábios e isso para mim foi um deleite... como me diverte ver um homem assim tão abandonado de si, retesando os músculos entregue a leves espasmos conforme eu aumentava o vigor de meus movimentos, o suor que dele escorria e o bater do coração descompassado e forte, tudo isso eu sentia vindo dele, as sensações dele, o pouco controle que ele tinha sobre si foi-se quando ele sentiu-me acariciar a glande com minha língua... ah! Eu sabia o que ele sentia, e graças as Gaya a mente dele já estava tão embargada na doce sensação que o tomava ali que ele nem mesmo segurava os gemidos mais, aquele recato de tentar abafar os gemidos e gritos baixos já não o tomava, e os pensamentos ordenados cessaram... tudo que vinha a mente dele era o momento presente, nada de ponderações ou raciocínio... ele balbuciou algo ao sentir o choque que lhe subiu pelo corpo num gozo incontido... em seguida o corpo dele relaxou, a musculatura contraiu-se por um átimo para depois soltar-se, num estado de relaxamento que o permitiu pensar novamente por alguns instantes, de forma desordenada e confusa algo sobre permitir-se derramar-se em meus seios e boca daquela forma, mas meu beijo logo lhe afastou as idéias e ele me estreitava nos braços deitando-me em seu leito num instinto cego procurando afundar-se entre minhas pernas com toda aquela virilidade, e pensar que aquele amante atencioso e viril se esconderia a vida toda atraz de uma castidade estúpida... ah mas que crime seria! Ele entrava lento, fazendo-me arfar e gemer a cada centímetro vencido, eu me agarrava a ele segurando-lhe os cabelos da nuca extasiada pelos meus próprios sentidos e pelas sensações dele que me chegavam, a sensação dele de conhecer uma mulher, de invadi-la com seu corpo daquela forma, a doce pressão e umidade que meu corpo exercia nele ereto e rijo dentro de mim... ali ficou por alguns instantes, sem se atrever a mover-se, em nenhum instante ele deixou de me beijar ou me estreitar nos braços entre uma ou outra palavra carinhosa que eu já não me preocupava em distinguir, já eu lhe respondia com gemidos baixos e palavras sussurradas, quando ele se moveu sei que me agarrei ao corpo dele, devo ter cravado as unhas no ombro dele pois eu já não controlava bem meus movimentos ou minha força, ele se movia devagar e delicado em princípio mas aos poucos a vagarosidade foi dando espaço ao frenetismo e a delicadeza foi cedendo a força, o que me fez gemer alto frente ao gozo que já me tomava, acho que o chamei pelo nome, sim com certeza eu o chamei, lembro-me de chamá-lo várias vezes, tenho uma vaga lembrança de chamar por Gaya, Mãe dos Homens e Mãe dos Deuses, mas as sensações me tomavam de tal forma que as lembranças se embaralham, que me perdoem Athena e Ártemis com seus prazeres intelectuais, suas caçadas e batalhas, mas nada se compara a doce sensação de ser pregada ao colchão sob o peso de um macho no sentido mais primal da palavra... ele se afundou em mim numa estocada ríspida que me fez arcar para frente e agarrar-me ainda mais á ele ao senti-lo derramar-se em mim a doce sensação da musculatura retesada, o corpo tremulo. Ele deu-se conta de que eu tremia e me abraçou puxando-me para me aninhar em seu peito.
-Você está tremendo – Ah! Que voz magnífica a dele rouca e embargada, coberta de preocupação enquanto me apertava num abraço possessivo, e me beijava a testa... ainda assim puro e gentil... verdadeiramente um Santo de Ouro...
-Vai passar, agora descanse... - passei minha mão pela fronte dele, suada, e fechei-lhe os olhos depositando um beijo em seus lábios e me aconchegando nele para esperar o merecido Abraço de Morpheu... quando acordei sentia a musculatura do corpo com aquela deliciosa sensação dolorida, Shaka não estava no leito, eu me ergui certificando-me que minhas pernas estavam firmes, levantei-me e peguei do chão a camisa dele, seria mais do que suficiente para mim... entrei na sala de banho onde tudo estava pronto para mim, meu aceio não demorou mais que alguns minutos e não senti a presença dos servos, tão pouco dele, o que me sobressaltou, procurei pelo Cosmo dele e simplesmente não encontrei, era como se ele não estivesse em parte alguma do mundo... Que pavor momentâneo me tomou então... por instantes eu senti-me pequena e desprotegida, mas então a razão voltou-me e me lembrei, o Jardim! Ele só poderia estar lá... por isso eu não o sentia... e de fato era isso. Caminhei pela Casa prestando agora mais atenção aos afrescos de Ifigênia que a adornavam, passando pela Sala do lótus pude ver a Armadura Sagrada montada em pose de súplica e ao seu lado a Caixa de Pandora, dourada e talhada em relevo o rosto de Ifigênia já com os cabelos cortados para o sacrifício... parei diante da imensa porta me perguntando se eu seria capaz de abri-la, mas não foi necessário esforço, pois ela se abriu para mim assim que a toquei. Shaka estava sentado trajado com suas roupas indianas que lhe deixavam parecido com um Xá ou talvez um Marajá, muito diferente do Brâmane que eu vira meditar na flor de Lótus...
-Ricamente trajado desta forma... não é de seu feitio... – engoli a palavra "Virgem" que seguiria a frase...
-Esta roupa é roupa de festejo, em meu país temos muitos festejos, não costumo praticar a ostentação ou o luxo, por isso esta roupa não vestia seu dono a muito tempo, prefiro trajes mas simples condizentes com meu modo de viver... mas hoje tive a súbita vontade de vesti-la para mostrar-lhe... – era a mais pura verdade, não que Shaka fosse capaz de mentir-me... nem mesmo se ele quisesse... – gosta?
Eu assenti, em verdade gostava, era estranho vê-lo assim mas adorava saber que ele o fizera para me agradar, quanto mais quando tudo que eu vestia era a camisa amarrotada dele...um belo contraste... mas o que somos nós dois senão um violento contraste um do outro?
-Arrepende-se? – péssima pergunta é verdade, mas os pensamentos dele se focavam em mostrar-me o desjejum que ele preparara e eu precisava saber...
-Não, de forma alguma... arrependimento é inútil, posto que não se modifica o passado, mas se pudesse voltar faria tudo novamente... – ele me acariciou o rosto e me deu um beijo terno... definitivamente um bom homem este que eu arranjara, delicado e gentil... em nada semelhante à maioria dos homens de minha época...
-Não precisa voltar para fazermos tudo novamente, mas me pergunto... e sua preciosa castidade?
-Ela só tem sentido quando não se está apaixonado, quando não se ama. Castidade não é simplesmente para com o corpo, é mais para com o coração e o pensamento... ela significa não dedicar-se á uma única pessoa mais do que à todos que necessitam de auxilio... Os Samurais no Oriente possuem famílias, enormes arvores genealógicas e são castos, não por que não fazem sexo, mas por que colocam seu dever acima de tudo, acima da própria vida, já que para eles a morte é uma constante... me entende?
Por alguns instantes eu ponderei as palavras dele, fazia sentido, o Logos dele possuía lógica, vocês podem compreender o fascínio que aquela inteligência sagaz que aos 28 anos de idade, conseguia argumentar com Deuses de idade incontável? Afinal eu não o vira argumentar em pé de igualdade com Vênus? Ele agora não estava a falar como o mais hábil Logografo? Os meus pensamentos foram interrompidos pelos dele, algo sobre meu semblante pensativo... ele gostava de me ver pensando, e gostava de me ver ensinando também... mas então seu semblante ficou sério e seu pensamento se voltou para uma conversa que tivemos nesta mesma Casa... na ocasião de nosso primeiro beijo...
-Você disse-me que a vida mortal pode ser comparada ao piscar dos olhos de um Deus- eu o ouvia atentamente enquanto sentava-me ao pé das Arvores Gêmeas ele sentou-se ao meu lado e eu com um sinal o chamei a repousar a cabeça em meu colo, o que ele aceitou prontamente.
-De fato, para alguém que nasceu junto com o mundo, a vida humana é pouco mais que um risco na História... mas você não deve se preocupar com isso... – Shaka olhou-me de forma inquiridora "Como não devo me preocupar, se eu sou um piscar dos seus olhos!" ele iria articular sobre isso, eu ouvia seu pensamento se organizando numa velocidade espantosa, mas tomei a palavra antes – Mesmo que você seja um piscar dos meus olhos me é precioso, e não me importo de viver estes átimos de vida com você, além do mais você é um espírito tão puro e brilhante que quando morrer será um ponto de luz no mundo dos mortos... Tal qual a Lanterna dos Afogados...
-És uma Deusa, e uma Musa, não uma deidade qualquer, és a Musa de Lesbos não é como Trivio... – Sobressaltei-me, não ouvira nenhum pensamento acerca disso, e ele falara com tamanha tranqüilidade olhando-me com aqueles olhos azuis que eu tanto gostava, sem se atrever a fechá-los em minha presença...
-Sabes quem foi Trivio? – minha voz não escondeu minha surpresa...
-Você o citou duas vezes para mim... por isso tentei descobrir de quem se tratava, Mu de Áries e Yuri de Sextante me auxiliaram nesta tarefa... Trivio, o Deus Grego das Encruzilhadas e das primeiras Bruxas, foi destronado por Hécate e caiu no esquecimento, estou certo?
-Sim... está, hoje poucos se lembram dele, e por isso não tem forças para despertar de seu sono, falta-lhe o alimento da Fé...
-Bem, você não é uma divindade assim, és a Musa da Erotika, e não será esquecida enquanto houver vida...
-Mas estou a serviço dos Deuses, e sou submissa a certas regras, Zeus ainda é soberano...
-Athena te dá asilo neste Santuário em troca das suas bênçãos sei disso, mas pode um homem, mesmo ele estando "o mais próximo de Deus" quanto possível amar uma Deidade?
-Você ama Athena? – minha pergunta o desconsertou um pouco, eu podia ouvir as engrenagens do raciocínio dele tentando descobrir meu intuito com aquela pergunta...
-Claro que a amo! Não sou o Santo de Virgem que protege esta Casa? Não me enfrentou alguns dias atraz nesta condição?
-Então você já respondeu sua própria pergunta... você sempre amou uma Divindade e nunca precisou questionar isso, a diferença é que entre nós dois o Amor é de outro tipo, só isso... você saiu do Ágape para o Eros...
Ele assentiu ainda não muito contente em bem verdade mas não queria prolongar a questão, todavia ele compreendera o que eu tinha dito... é muito sagaz... amo essa inteligência dele...
-Então o que nós estamos fazendo agora? Isso é... temos um relacionamento não é? Um namoro talvez?
-Importa realmente, para você, por um nome no que nós estamos vivendo? Não vejo necessidade de dar nome á isto, eu estou com você e você comigo, não preciso nomear essa relação...
-Para você tudo é tão simples... – ele deixou um suspiro cansado escapar, me deu a impressão de rendição... o que me agradou por sinal...
-E você complica demais as coisas... as vezes as coisas são apenas isso... coisas.
Ah! Como ainda discutimos certos aspectos de nosso relacionamento desta forma, ele se preocupa comigo, eu com ele e assim para mim estava ótimo, aos poucos nos adaptamos um ao outro, mas o contraste permanece, e este contraste o incomoda... sei disso mas mesmo ouvindo seus pensamentos em boa parte do tempo, algo nele me escapa, ou melhor, algo nele escapa a minha compreensão... Acredito que nem todos os seus pensamentos chegam à mim, e isso de certa forma me alivia, mas em contra partida, eu não consigo entender certos aspectos dele com relação à mim... ou talvez a nós, não sei dizer... meu pensamento divaga entre possibilidades que possam me ajudar a esclarecer Shaka perante meus olhos, mas acredito que quanto mais luz jogo sobre a questão mais ela me ofusca com a pessoa dele, e mais eu me afogo no encanto dele, tal como ele julga fazer com o meu...
