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Prólogo.
Ela era estranha. Estranha como a chuva. Aparecia quando ninguém a queria por perto. Pelo menos não naquela forma; cinza, tenebrosa, barulhenta, assustando as poucas horas de sono que eu tinha a noite.
Ela não tinha culpa, pois um dia fora como a lua em seu reluzente brilho pálido. E eu me sentia culpada quando no meio da noite mantinha meus olhos abertos para não enfrentá-la quando os fechasse.
Eu levava uma vida dupla que só a noite sabia. Às vezes para escapar e outras vezes apenas porque não tinha mais saída. E costumava inventar que dias também eram noites, só para ter o gosto da irrealidade no corpo, me tirando o peso que carregava.
Todo e qualquer tipo de refúgio era bem-vindo. Aprendi e conheci muito cedo que para fugir do que me cercava, só era preciso um pouco de esforço para então me enclausurar no subconsciente. E quanto este passou a não funcionar mais, o válido foi ter uma ajudinha extra. A partir dessas noites, a chuva estranha rugia com seus pulmões soltando trovoadas de repreensão e meu coração, estimulado pelo extra ou não, me impedia de dormir.
Queria que a 'chuva' fosse embora, mas ela insistia em dizer que estava ali para me proteger e alertar. De mãos atadas, deixei que ficássemos em nossa estranheza particular. E antes de voltar a dormir o sussurro respirava frio em meu ouvido para que eu não tivesse medo. Eu só esquecia de questionar se era da chuva, ou se era do mundo.
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