Robin's Heart.
Capítulo 1 - PRÓLOGO
Sua carne ardia de uma maneira insana aos ferimentos graves e os ossos quebrados faziam sua cabeça girar de tanta dor.
O sangue ia escorrendo aos montes, mas ele sabia que ia sobreviver.
Ele, o filho bastardo, a criança psicopata que ninguém amava, o problemático, o encrenqueiro, o matador... Ele ia sobreviver para ver o sol nascer novamente. Ia sobreviver para ver Gothan semi-destruída no dia seguinte. Para voltar para a batcaverna e acariciar a cabeça de Titus antes de se deitar. Para viver o resto da vida com aquela dor, aquela culpa.
Para sofrer perante os dedos acusatórios de Tim e Bárbara.
Para sofrer perante os olhos decepcionados, sofridos, tristes e raivosos de seu pai.
Damian havia sentenciado Dick à morte.
Seu corpo ainda estava prestes a entrar em colapso com a dor. Mas ele ainda viu.
Viu o sorriso de lábios cortados e machucados. Aquele sorriso de irmão mais velho que lhe diz o que é o mais certo a se fazer. O mais correto.
Damian esperou o quanto pode. Rezou, pela primeira vez, com todas as forças para que alguém – qualquer um- chegasse para ajudar. Mas eles estavam sozinhos naquele rochedo, naquele precipício, cercados de soldados treinados da Liga dos Assassinos. Sob o olhar altivo de seu avô e o desafiador de sua mãe... Seu corpo estremeceu e ele vomitou mais um pouco de sangue. Dick se exaltou, preocupado.
Mas que droga! Era Nightwing quem tinha três laminas e mais uma porção de armas apontadas para sua cabeça!
O tempo havia se esgotado e se não respondesse, iriam detonar a cidade E matar Richard Grayson.
Ele sabia o que era certo, seu pai havia lhe ensinado arduamente valores morais que o fizeram sabê-lo. Mas seu coração, pequeno, jovem e amedrontado gritava para salvar o irmão que tanto amava.
"Damian, o tempo acabou". A voz de seu avô lhe cortou como navalha. Seus olhos encheram de lágrimas que não segurou, soluçou com força, as feridas voltando a doer com mais intensidade. Ele não olhou para os parentes de sangue. Não viu seus rostos espantados pelas emoções não contidas da criança.
"D-dick". Chamou o mais novo, olhando para ex-robin com tanta dor que fez o mais velho começar a chorar também.
"It's okay little wing". A voz tremeu, mas permaneceu afável. Como se pudesse estar abraçando o mais novo. – Você sabe o que é o certo a se fazer.
"E-eu n-não posso! E-eu não consigo! Não você... Por favor... Não você". Chorou mais forte. Seu corpo se encurvava mais, numa agonia e pavor que lhe destroçavam por dentro.
"Seja um herói Damian, um que eu me orgulhe. Um que você se orgulhe de ser". O avô e a mãe se retiraram, indo para o helicóptero não muito longe dali, não havia mais nada para se fazer. A decisão havia sido tomada, e as consequências não cairiam sobre eles. Não hoje. E se dependesse deles, nunca. "E você está sendo um, little D. Salvará uma cidade inteira".
"N-não quero perder você!". Chorou mais ainda. "E-eu sinto muito Dick..."
Não demorou mais que alguns segundos. Mas pareceu demorar uma eternidade. O homem mascarado se preparou e empunhou a espada. Damian arregalou os olhos, prendendo a respiração. Dick abriu o sorriso e olhou no fundo dos olhos do irmãozinho.
A agonia consumiu suas entranhas em instantes por completo, explodindo seu corpo, sua mente em horror. O coração se apertou tanto que doeu. O cérebro mal podia processar tudo aquilo. O corpo estremeceu violentamente.
Todo o mundo parou.
Não viu quando o Batman, Batgirl e Red Robin chegaram.
Não viu o as emoções deles.
Só viu a lâmina longa reluzir sob o primeiro raio de luz do nascer do sol.
"Eu te amo".
"Eu também te amo. You will always be my little Robin".
Gritou. Gritou com toda a sua alma quebrada. Com toda a dor que sentia. Ecoando do fundo de sua garganta, arrebentando todo o seu ser num rompante de horror e pânico.
A lamina atravessara o meio do peito do vigilante. Richard Grayson, o primeiro Robin, o menino prodígio que crescera para ser Nightwing, o filho primogênito e o irmão querido.
O consolador.
O que sempre sorria.
O conselheiro.
O amado por todos.
O ainda jovem ex-Robin, que pintara suas penas de preto e vermelho, havia caído.
E o pequeno Robin ainda gritava. Encolheu o corpo e colocou as mãos na cabeça para não ver os olhos sem vida, escancarados, olhando-o como uma prova do maior assassinato que já cometera em sua vida.
Damian nunca tinha se incomodado em matar ninguém. Mas era a primeira vez que se sentia um monstro.
Era terrível como aquela pequena criança gritava em horror. O arrepio cortava a espinha de todos ali, ao som da ave ferida. Ainda assim...Ainda assim, não tiveram pena em jogar o corpo do mais velho despenhadeiro abaixo. As ondas turbulentas acolheram o cadáver como uma sepultura da qual ele jamais poderia se levantar.
A pena veio de um único mascarado, que achou conveniente acabar com a dor do desertor da melhor maneira o possível. Ele se aproximou, com a espada ensanguentada em mãos, para arrancar fora o coraçãozinho da criança que tremia.
Ninguém se apressou para pará-lo. Batman e os outros haviam ido embora. Uns para parar as explosões que ainda aconteciam na cidade. Outros para perseguir os causadores daquilo. E outros para simplesmente sair dali, deixar que a dor consumisse seu coração na solidão.
Damian não viu o homem chegando. Não sentia nada além de dor profunda. A testa encostada no chão banhado pelo seu próprio sangue, as lágrimas caíam de maneira desenfreada. Queria morrer. Ele deveria ter morrido, não Dick.
Não Dick. Nunca o Dick.
Também não ouviu o tiro, que foi seguido por muitos outros. Não viu a batalha sangrenta que se seguia ao seu redor.
Os gritos de agonia e dor física dos que eram atingidos mortalmente. A chuva de sangue começou a cair quando a lamina e a arma acertavam em cheio as principais veias e artérias, banhando-o em um rubro profundo. Um a um, os corpos trajados de preto iam ao chão. Para quem visse do lado de fora, como o comissário Gordon, que havia acompanhado toda a cena horrorizado, seria uma carnificina muito pior que os atentados no centro da cidade.
Ignorou o rádio que chiava preso no cós da calça. Se mantendo parado como a única testemunha do que desenrolara ali.
E olhou se levantar no meio daquele monte de corpos, feitos em segundos, o ponto vermelho brilhante. Ele sabia que o vigilante fora da lei tinha métodos que não agradavam ao Batman...
Mas ele tinha um morcego no peito. E embora tivesse feito uma carnificina, ele o fez para proteger Robin.
Para proteger aquela criança que chorava encolhida no chão.
Red Hood guardou as armas e não se importou com a "armadura" ensanguentada. Ele tirou a jaqueta e colocou sobre os ombros do menor, tirando o capacete vermelho em seguida. Agachou-se na frente do pequeno e mordeu os lábios.
"Robin".
Chamou-o. Os olhos azuis mais velhos, preocupados, temerosos, procurando por qualquer reação do menor. Reação que não veio.
"Damian, brother".
O menor olhou pra cima. A face horrorizada, ferida, suja de sangue e lágrimas. Deus, nenhuma criança deveria ter que passar por isso na vida. Jason sentia dor. Sim, porque Dick também fora seu irmão mais amado. Mas não podia ignorar, não podia deixar Robin sozinho, sofrendo. Ele era uma criança tão amedrontada e atípica do mundo quanto ele mesma fora uma vez. Jason via em Damian parte de si.
Não porque tinham muito mais em comum do que podiam aceitar.
Mas porque Jason compadecia das dores da criança. Ser filho do Batman não era fácil. Ter sido criado para matar e depois forçado a ir contra tudo o que acreditava pela justiça. Ter passado por tantas coisas com apenas 10 anos. E agora tinha matado o próprio irmão pelo bem de uma cidade que nem era sua.
Jason sabia. Sabia que quando Damian chegou, Dick foi o único, o único a lhe estender a mão e sorrir. A ensiná-lo a ser alguém melhor pelo coração, pelas emoções. Dick lhe conquistou pelo amor.
Um amor que, diferente do de Bruce, ele podia e não tinha vergonha de demonstrar abertamente.
Os olhos azuis amedrontados lhe encararam, suplicantes por ajuda. Red Hood largou o capacete de lado e abraçou a criança, puxando-a para seu colo. O menor lutou contra. Lutou para não se entregar a qualquer emoção que não fosse a culpa profunda.
Mas não conseguiu vencer. Abraçou o mais velho que não fazia a mínima ideia do que estava fazendo. Damian chorou com todo o coração. E Jason segurou-o firme e forte, para que também não chorasse.
"Damian, eu tenho que te levar daqui. Nós vamos voltar para a mansão, para que Alfred possa –"
"N-NÃO!". Ele se exaltou. "E-eu não quero voltar, eu não posso voltar...". As forças foram se esgotando, enquanto o Wayne ia lentamente perdendo a consciência. "Father would..."
"Ele não vai fazer nada. Eu prometo". Jason fitou mais uma vez os olhos inchados da criança. "Eu vou cuidar de você, eu vou te proteger, nós dois vamos te consertar, consertar tudo isso".
"P-porque Todd- ? Porque está aqui?". A respiração acalmou-se e o coração já batia em ritmo normal.
"'Cause you're my little brother too".
Red Hood pegou Robin no colo e saiu andando dali. O sol que nascia era coberto pelas nuvens cinzentas, alguns trovões rugiam nos céus, anunciando a chuva que estava por vir. O comissário ainda não sabia direito assimilar tudo o que acontecera ali. Mal tinha digerido que a cidade havia sido atacada do nada mais cedo. E agora Nightwing estava morto - o garoto prodígio que ele viu crescer e ser herói -, o atual Robin quase foi morto também, mas foi protegido por um terrorista internacional que se dizia vigilante, o qual fez uma carnificina de 20 a 30 ninjas treinados para matar. E agora Red Hood levava Robin, o parceiro do Batman, embora, no colo, como a criança frágil que no fundo era.
Jim Gordon ascendeu um cigarro e apressou-se para pegar o capacete que o vigilante deixara para trás antes que o resto da polícia chegasse. O radio chiou mais uma vez, urgente por resposta.
"Comissário! Oh! Graças a Deus o senhor está bem! Seja lá o que tenha atacado a cidade, foi controlado pelo Batman e pelo Red Robin!"
"Detetive..."
"Sim, Sr?"
"Eles não iam realmente tomar a cidade..."
"Não? ...Isso não faz nenhum sentido!"
"Detetive..."
"Mas então o que...? - Oh meu Deus... Jim, o que aconteceu?"
"Robin e Nightwing foram abatidos".
