Caixa de Pandora


O Abrir.

Shaka Dirk


"…Come here, oh my star is fading
And I swerve out of control
And I swear I waited and waited,
I've got to get out of this hole…"


Eu definitivamente nunca vou me acostumar a isso. Não há como. A mudança repentina, o silêncio quebrado pelas sirenes espalhadas por todo o quartel. A adrenalina subindo a níveis impressionantes, a antecipação. O prazer de saber lá no fundo que hoje, mais uma vez, você será o herói de alguma história.

Subir no caminhão, sentir o vento gelar seu rosto enquanto você passa a toda velocidade pela cidade, sem sequer pensar que aquelas pessoas que olham atônitas para a corporação nas ruas sabem o que está acontecendo.

Aí vem o choque. Olhar para o céu noturno e vê-lo totalmente iluminado pelas labaredas. Ver uma grande construção – a maior delas – em chamas. Ver os policiais, já conhecidos depois de tantas ocorrências, interditando a área e os paramédicos se preparando para ajudar qualquer um que possa vir a se ferir. Paro por um momento observando o quadro geral e quase sou capaz de sorrir ao ver como o sistema de segurança de Midgard funciona bem.

"Vocês vão ficar aí olhando pro fogo como donzelas ou vão fazer alguma coisa?" – grita nosso capitão ao descer do caminhão. Sephiroth, sem dúvidas o melhor capitão que eu já tive. Sabe o que fazer em situações extremas e não hesita, mesmo que hajam riscos. Mas isso o tornou arrogante, para ser mais exato, ele é a pessoa mais arrogante que conheço.

"'Vamo' lá, Zack, me ajuda aqui com a mangueira!" – Cloud e Zack, meus parceiros de corporação. Pessoas legais, de verdade, não se importam em causar boa impressão, só querem fazer o seu trabalho o melhor possível.

"Hey, Valentine! Mãos à obra!" – Grita Sephiroth batendo as mãos enquanto vem na minha direção – "Não temos a noite toda pra apagar esse incêndio! Vamos!"

E essa é minha deixa. Preciso das informações gerais do prédio. Possíveis motivos para o começo do fogo. Saber se ainda há pessoas dentro do prédio. Me dirijo aos oficias da polícia afim de conseguir algumas dessas informações.

"Highwind. Lockheart." – cumprimento os policias – "Alguma informação sobre o incêndio?"

"Porra, Vince! A gente se conhece há anos e 'cê' ainda me chama de Highwind?" – me diz o primeiro com um meio sorriso. – "Já te disse pra me chamar de Cid, não disse? E a Tifa também não vai se importar se você chamá-la de Tifa, acho."

Eu sorrio diante isso. Cid foi um dos meus primeiros contatos na polícia de Midgard, bem como sua parceira. Ela me sorri e me passa as poucas informações que eles tem.

"Mas ainda não temos suspeita alguma do que possa ter acontecido, Vincent." – Ela me diz calmamente – "Sabe. Ainda não consigo acreditar que a Torre da Shin-ra está em chamas. Isso parece tão irreal."

"Eu sei." – respondo enquanto penso em todos os equipamentos de prevenção de incêndio que foram instalados no prédio e que simplesmente não ajudaram em nada. – "Mas acredito que ainda dá pra controlar o incêndio e..."

"C$#$£&¢!" – ouço a voz do Cid gritando atrás de mim e me viro pra ver o que está acontecendo. – "Ainda tem gente lá dentro! Corre, CORRE!" – E sem pensar duas vezes eu volto pra pegar meus equipamentos e entrar no inferno.

Largo minha prancheta em algum lugar – qualquer lugar – do caminhão e pego meu capacete, a máscara de respiração e o cilindro de oxigênio. A meu lado Zack também está se preparando para entrar, e antes mesmo que eu o pergunte o porquê de ele estar se arrumando ele me diz:

"O Cloud não tá nas melhores formas, sabe como é, ainda tá meio doente.Troquei com ele, hoje eu entro contigo, portanto nada tema, que o grande Zack estará lá pra te proteger!" – Ele diz e sorri. Sephiroth aparece gritando pra que nos apressemos.

"O difícil é o primeiro passo". Sempre ouvi essa frase, e sempre discordei dela, ainda mais quando estou entrando em um prédio em chamas. O primeiro passo até que é fácil, o problema é continuar andando. Ignorar o barulho do fogo estalando em seus ouvidos, ignorar os quadros caindo, ou os vidros quebrando.

Mas dessa vez é diferente. O saguão de entrada da Torre da Shin-ra realmente se parece com o inferno, pelo menos é o que acho. Uma sensação ruim percorre o meu corpo de modo agourento, e algo me diz que o Cloud tem muita sorte de não ter de entrar. Fico imóvel, incapaz de me mover por uns segundos, até que os gritos das pessoas que ainda estão presas em algum lugar do prédio recomeçam e me despertam.

"Temos de ser rápidos, esse lugar está pior do que eu imaginava!" – digo a Zack e ele assente com a cabeça.

"Cê tá certo. Olha! Os gritos vêm daquele lado. Rápido!" – e assim seguimos para nossa missão de resgate. Achamos as primeiras vítimas sem dificuldade, mas pouco após ouvimos ainda mais gritos. Mais pessoas perdidas dentro da fumaça negra, mais tosses ecoando pelos corredores.

E o fogo não diminui. Do lado de fora a corporação luta com afinco contra as chamas e elas simplesmente não cedem. Parecem até estar ganhando força e espaço. Uma disputa injusta selando o destino desse prédio. Sephiroth não pára de nos repassar informações pelo rádio. Aparentemente o fogo está começando a alcançar as estruturas do prédio, e se isso acontecer, não teremos muito tempo para mais nada.

"Esses são os últimos." – Diz Zack a um outro bombeiro quando lhe entrega as vítimas para que ele as conduza até a saída. – "Nós vamos dar uma última olhada nesse andar e também vamos sair, certo Vincent?" – concordo com um aceno de cabeça, sem prestar muita atenção, o que ele nota facilmente. – "O que foi?"

"Você não tem a impressão de estar ouvindo alguma coisa?" – pergunto baixo e desconfiado, quase que falando comigo mesmo – "Algo muito parecido com uma tosse, ou um soluço?" – Vejo-o virar o rosto para o corredor, os olhos quase fechados, como se tentasse ver através da fumaça.

"Droga!" – ele pragueja, enquanto começa a correr em direção ao barulho – "Tá muito baixo. Quem quer que seja deve estar desmaiado, ou quase lá!" – ele pára em frente a uma porta e tenta abri-la – "Ela – ou ele – está aqui dentro, mas a porta tá emperrada."

"Vou pedir um machado pelo rádio." – digo e começo a puxar o rádio quando o vejo tomar distância da porta

"Esquece. Quando eles chegarem com o machado, a pessoa que tá aí já vai estar morta!" – ele corre em direção à porta e bate com o ombro nela, que cede um pouco. – "Anda Vince! Vem me ajudar!" – juntos investimos novamente contra a porta, e ela cai com estrondo e sinto o chão tremer com o impacto.

Entramos rápido na sala e não vemos nem sinal do que pode ter travado a porta. Olho ao redor e tudo o que vejo numa primeira olhada é a fumaça. Zack tinha razão. Se esperássemos mais a pessoa morreria asfixiada pela fumaça. Então ouço de novo a tossida, baixa, mas próxima. Me guio por ela e encontro uma mulher loira caída junto à parede no fundo da sala.

"Zack! Aqui, eu a encontrei." – rapidamente eu examino o estado dela e coloco uma máscara de ar em seu rosto – "Informa nossa localização ao capitão e vamos embora!" – Ele vem em minha direção enquanto fala ao rádio, eu continuo ao lado da mulher esperando por ele enquanto olho o crachá da vítima – Scarlet – quando ouço sua voz falhar no rádio. Rapidamente ergo meus olhos de encontro aos seus e sinto o chão vibrar novamente sob meus pés, mas mais forte.

"O chão vai ceder" – ouço-o murmurar – "Rápido! Pega ela e vamos cair fora!" – Eu faço isso sem nem reconsiderar a idéia, mas, nem dois passos depois, o chão se abre sob nossos pés. Por algum motivo a queda parece durar uma eternidade. Porém logo vem o impacto e sinto todo o meu corpo doer. Caem alguns escombros do alto e a dor aumenta. Sinto meu braço esquerdo arder e quando olho para ele o vejo enterrado em entulho.

Viro minha cabeça tentando ver além, mas não vejo nada. Chamo por Zack mas só o estalar do fogo me vem em resposta. E então eu o vejo caído não muito longe de mim. Vejo seus cabelos – que de tão negros parecem azulados – empapados em sangue Tento livrar meu braço para ir junto a ele, mas não consigo me mexer. A dor aumenta ainda mais e, de repente, tudo fica escuro e o sono vem cantando em minha direção. Sei que deveria resistir, mas simplesmente não consigo.


Nota: O mito da Caixa de Pandora conta que Epimeteu tinha em sua casa uma caixa onde ele selou todos os males do mundo. Sua mulher, Pandora, apesar de ter sido advertida para nunca se aproximar da caixa, abre-a liberando assim toda uma sorte de malefícios sobre os homens. Diz-se que a última coisa a sair da caixa foi a Esperança.

Ps: Feliz Aniversário atrasado, Dana. Espero que você goste do seu presente.

Final Fantasy VII e seus personagens pertencem à Square. O trecho que abre essa fic é da música "Amsterdam" do Coldplay.