Ela?Ela estava no lugar errado na hora errada, e como era o meu dever eu tinha que acompanhá-la dessa pra melhor... Então por que não fui capaz de levá-la?

Acompanho-a há um pouco mais de uma semana, vi como ela vive. Ela mora num apartamento pequeno e simples, trabalha muito porque ama o que faz: ajudar os outros. Por mais que ela goste de ajudar a todos, ela prefere ver um sorriso puro no rosto agradecido das crianças que salva. E possui um pequeno grupo peculiar de amigos. Não são muitos, mas são do tipo mais difícil de encontrar hoje em dia: amigos de verdade.

No pouco tempo que estive com ela, pude perceber o quanto ela é especial. O quanto ela encanta as pessoas com o seu jeito simples e meigo de ser. Ela é uma boa pessoa, hoje em dia é difícil encontrar algo assim... Grandes olhos verdes, pele branca, cabelos longos e rosados e possui um corpo bem moldado para os seus 24 anos. Ela é tão nova... Tinha tanto o que aprender... Tanto pra viver!O problema é que não lhe resta mais tempo...

Observo-a pálida em sua maca. Não lembro há quanto tempo estou a velar seu sono... Creio que tenha perdido o rumo depois de vê-la ensangüentada no chão após aquele acidente de carro.

Como não pude evitar o sofrimento dela?Por que não consigo levá-la daqui?Este é o meu dever!Guiar as almas até um lugar de descanso, até um lugar de luz...

Se não fossem todas essas bugigangas em volta dela, eu poderia dizer que ela dorme como um anjo. Nunca admitiria que ela estivesse em coma... Não poderia afirmar a mim mesmo que a minha incapacidade, culpa e... Medo?É... Talvez medo também... Esteja trazendo tanto sofrimento a alguém que está entre os vivos e que na verdade deveria estar morta...

Pergunto-me do que tenho medo, talvez seja de me deparar com seu rosto coberto de magoa e revolta...todos sempre me culpam por levá-los,não quero que ela me culpe...não quero ver seus belos olhos tristes...mas também não posso vê-la assim!Inerte... Apodrecendo por dentro...

Caminho até ela. Nunca quis demorar tanto no simples espaço da cadeira até a maca. Minhas mãos estavam suadas e tremulas... Talvez nunca me perdoasse de tirar-lhe o dom da vida. Toquei-lhe o colo, rezando para que não me odiasse. Rezando para que, por algum milagre, correspondesse aos meus sentimentos...

A vi deixar seu corpo. Sua áurea ainda era branca e pura, e seus olhos brilhavam mais do que nunca. Ela continuava com a mesma pureza que possuía em vida.

Foi então ela me olhou...

Temi esse momento mais que tudo. Não sabia como ela reagiria... E se me achasse um monstro, assim como todos os outros?Nunca suportaria a sua rejeição... Por favor, lhe suplico perdão por retirar-lhe a vida... Mas não me rejeite!

Ela me olhava da cabeça aos pés,como se tivesse medo que faltasse algo,e ficou por muito tempo olhando em meus olhos... Talvez estivesse comparando o tom vermelho deles a algo... Não deu tempo de raciocinar as ações dela enquanto implorava mentalmente. Creio que devia estar tão distraído que só 'acordei' ao senti-la me abraçar.

-achei que nunca nos reencontraríamos... -ouvi a sua voz cálida como uma brisa. Não acreditei muito em suas palavras afinal, era impossível ela já ter me visto. Ainda assim retribui o abraço. Ela possuía um odor de cereja, um cheiro inebriante.

-Como assim nos reencontrar?-perguntei num sussurro, não pude evitar. Quando percebi que as palavras saíram de minha boca ela já havia se afastado de meus braços.

-não sei... Só sinto que já nos encontramos... -disse ela- talvez em outra vida...mas o que importa é que nos reencontramos não?-o sorriso que emoldurava seu rosto era tão encantador que não resisti e a puxei de volta para os meus braços.

Sim, nos reencontramos naquele dia fatídico. Não éramos nada a mais do que um homem e uma mulher. Não éramos nada a mais do que duas almas gêmeas que se reencontram após muito tempo. Não éramos nada a mais do que simplesmente Itachi e Sakura.