[Apocalipse]
1- O começo do Fim
A luz pouco entrava por aquela janela, naquele quarto. Era um dos
mais escuros da mansão. Não era grande, tinha uma cômoda aqui, um
armário ali. Naquele quarto de medo, angústia e raiva destacava-se
agora a penteadeira –na qual o espelho estava estilhaçado em
milhões de pedaços e a cama, que transbordava de sangue.
Sob a
pouca luz que restava naquele quarto, despia-se de sangue uma garota
morena. Segurava na mão direita um médio pedaço do espelho. Ela
apertava com força o objeto contra sua própria mão e raspava aos
prantos na parte de trás da coxa direita a fim de arrancar um
símbolo. O símbolo de Satã.
-Eu não quero, não mais. Por que?
Eu não quis nascer assim – chorava enquanto ia enchendo sua alma
de ira.
Aquela
cena crescera de tal maneira, que a menina havia tirado um pedaço da
própria coxa e com muita raiva destruía tudo o que tinha naquele
quarto. Um verdadeiro caos.
Em um momento repentino a porta se
abriu e uma outra garota, aparentemente mais velha, correu até a
menina.
-Pare!-Ela gritava alto enquanto pegava a menina de um
jeito que esta não escapasse. -Pare Ira, pare!
-Não me
chame por esse nome repugnante! Eu nasci como Carmelin, não
Ira.
-Você luta contra isso, mas olhe...Destrói tudo sem
pensar...
-Eu sei, para! Mas...- Cabisbaixa – mas eu quero
mudar...- dizia em voz chorosa.
-Ira, não podemos mudar o que
somos. Mas sabe, um ótimo começo para você é ficando calma. –
Tentava acalmar a amiga enquanto ia envolvendo mais a nova, tocando
em seu rosto e lambendo-o.
- O...O que você esta fazendo? -
Perguntava assustada.
-Eu? – em um tom suave - estou limpando
seu rosto cheio de sangue.
-Não precisa ser assim...-tentando
desaproximar o rosto.
-Somos
amigas...Não há nenhum mal nisso, não é?
-Mas...
-Mas o
que? Só quero te conhecer melhor – passando de lambidas para
beijinhos.
-Eu não
quero isso...Por favor, pare!
-Oh não! Prometo não fazer de
novo, deixa!- começando a alisar a barriga de Ira.
-Não prometa
o que não pode cumprir, Luxúria! – Aparecendo na porta uma
terceira protagonista.
-Vaidade! –Pulando de susto.
-Vamos! –
indo a direção as duas – Deixe a menina em paz – separando as
duas.
-Ei!- Responde Luxúria brava.
-Quero
conversar sério com a Ira. Por favor, saia.
-Sim, sim – já de
saída à pecadora.
-Rosset...-em um tom baixo a menina.
-Ira,
não me chame assim, não sou mais Rosset.
-E eu não sou Ir - foi
cortada.
-Acalme-se e tente entender. Não somos pessoas normais e
mesmo que tentássemos, não temos mais um lugar no céu.
-A minha
marca... – passava a mão por ela.
-Sim, ela esta voltando. Não
importa quantas vezes tente tirar ela vai voltar. Tente entender –
procurava agora Vaidade achar meios de fazê-la entender – Nascemos
dos pecados mundanos, sob a marca de nossos demônios.
-Satã –
passava a mão sobre a marca que voltava vagarosamente na perna
direita.
-Não fique triste, eu vou junto com você no dia do
Juízo Final – tentava um sorriso.
-Vaidade...- abraçava a
amiga, chorando – Você vai ver, eu vou descobrir um jeito de mudar
quem somos.
-Eu, espero – abraçava carinhosamente.
"Descobrir um jeito de
mudar quem somos... eu espero que você consiga...
'Sou assim'
ou 'Estou assim' são coisas diferente não são?
Assim como
somos diferentes do ser humano.
O direito de sermos do BEM ou do
MAU não nos foi dado.
Se é que existe o BEM e o MAU.
Nós,
Pecados...
Nascidos dos atos humanos,
Formas humanas dos
demônios,
Não teremos um lugar ao lado Dele.
Nosso destino
já foi escrito.
Então...
No dia que Ele for nos julgar...
No dia do Juízo Final...
Vamos pelo menos agradecê-lo com
tudo que temos,
Por que enfim,
Seremos seres livres."
Depois do
ocorrido no quarto, a mansão das sete garotas estava em paz
novamente. O quarto havia sido limpo e trancado. A chave foi jogada
em um poço. Era sempre assim, sempre que havia angústia em um
quarto, eles o trancavam. E nessa mansão, já era o 9º quarto
fechado.
Não era um problema se acabavam os quarto, elas
mudavam-se de novo. Afinal, elas tinham todas as casas do mundo para
morar. Essa era a tristeza de serem as únicas pessoas no mundo. Mas
isso é história para outra hora.
Havia um imenso jardim na
frente da casa. Com os mais variados tipos de fores. E naquele dia,
elas estavam exalando um ótimo perfume. No jardim também haviam
três pergolatos cobertos por lindas parreiras. E era em um deles,
que se encontravam duas meninas.
Ira e
Indolência estavam conversando sobre a vida. Algumas vezes,
Indolência caia no sono, mas logo a outra a acordava brava. As duas
eram as que mais queriam sair daquela vida...
-Mas não podemos –
falava Indolência – até por que já foram escolhidos os Anjos.
Nossa missão daqui a diante é esperar pelo Juízo. Elas me falaram
que você quer mudar. Que sonho de criança. – ria.
-Mas você
também quer. Por isso não ria.
-Sim, mas ta bom do jeito que
esta, não é? E outra, será que seria melhor para nós, sermos
Anjos?
-Não sei, mas eu vou descobrir. –levantou-se – Não
sei por que continuo dando idéias a você. – foi embora.
Naquele
dia, Ira chegou a pensar que não havia ninguém para ouvi-la naquela
casa. Ela arrumou uma das poucas malas e fugiu de casa. Não havia
mais ninguém com quem ela pudesse conversar. E então saiu naquela
manhã perambulando pela estrada aonde se localizava aquela
mansão.
Chegou na cidade um pouco depois. Estava deserta, claro.
Era ali que a humanidade havia chegado, ao nada. E feito nascer e
crescer todos os demônios.
Ela sentou-se à beira de uma
calçada e sentiu um vulto passar por ela. Um garoto alto, moreno, de
olhos claro como sua pele. Ele agachou-se e estendeu a mão pra ela
graciosamente.
-Precisa, de companhia!?
[Fim]
