Título: Sonata

Ship: Edmund e OC

Tipo: Long-fic


Disclaimer: As personagens pertencem exclusivamente ao escritor C.S. Lewis.


Nota da Autora: Minha primeira long-fic de Nárnia. Espero que gostem!


Alexandra

Ela cortava o grande campo de margaridas que ficava a leste do reino, sentindo como o frescor da chuva da noite anterior havia feito bem para a terra. A grama úmida estava fofa e exalava um cheiro delicioso de natureza, um dos cheiros preferidos dela. O vento cortava o seu rosto um pouco, mas Alexandra não dava muita importância a esse fato, gostava demais de passar seu tempo cavalgando com sua égua Kiara, e gostava ainda mais quando sabia que teria o dia inteiro para fazer isso.

Ela puxou com delicadeza a crina clara de Kiara e a égua desacelerou o passo, quase parando em meio ao campo de flores. Alexandra sorriu e deitou-se no lombo da égua, fazendo os cabelos longos e negros contrastarem com o pelo creme claro do animal. Não usava sela. Sabia que Kiara se sentia mais livre quando estava sem o equipamento, e quando Alexandra a montava, eram apenas um ser. Igualavam-se quando estavam correndo, e ela sabia que não precisaria de um projeto de banco para ficar segura no lombo do animal.

Respirou fundo, sentindo novamente o cheiro da grama úmida. Os olhos violetas correram livremente pelo campo percebendo pela primeira vez uma silhueta pequena se aproximando vagarosamente. Franziu o cenho.

Alexandra acariciou o pescoço de Kiara e a égua atendeu-a prontamente, começando a andar de forma calma pelo campo verde. Ela se aproximou da silhueta, percebendo pela primeira vez que era Sarabi a caminhar em direção a ela.

Sarabi era a criada do castelo onde vivia. Uma bela mulher negra com seus quarenta anos, quadris largos e lábios carnudos. Possuía os olhos negros característicos de sua raça e um mistério que carregava dentro deles, que fazia com que todos se sentissem atraídos por ela. Alexandra sabia que Sarabi tinha um segredo que carregava em sua alma, mas nunca tentou arrancá-lo da mulher. Sorriu quando Kiara parou ao lado dela.

- Seu pai está lhe chamando.

O sorriso de Alexandra morreu. Achou que teria a tarde só para si, mas ao julgar pela fisionomia de Sarabi, seu pai iria fazer uma cena se ela não atendesse ao pedido dele. Revirou os olhos, a criada sorriu.

- Não vou demorar, Sarabi. Obrigada!

Agradeceu antes de puxar a crina de Kiara novamente. A égua deu meia volta e se afastou de Sarabi, que já estava voltando pelo caminho mais fácil até o castelo. Alexandra observou-a se afastar, sorrindo. Adorava todo mundo ali, e nunca tratava criados de modo ruim, como se fossem bichos. Havia lido diversas histórias sobre escravidão apenas pela cor da pessoa. Que tipo de ser poderia achar que era superior ao outro apenas pelo seu tom de pele?

Deu de ombros. Para ela, aquilo não existia. Respirou fundo, quase desistindo de ir ao encontro do seu pai. Mas sabia que iria arrumar mais confusão para si se não o fizesse. Recomeçou o trote mais forte, e logo depois já estava cavalgando rapidamente.


Já passava do meio dia quando Alexandra entrou no salão principal do castelo. A barra do seu vestido claro estava parcialmente suja de terra e grama, mas ela já estava acostumada demais com esse tipo de coisa para que isso lhe causasse desconforto. Estava levemente ofegante, havia demorado mais do que poderia e menos do que desejara, mas ainda assim estava tranquila.

Um cheiro delicioso de comida invadiu o olfato dela e Alexandra sentiu seu estômago roncar. Havia comido apenas uma maçã antes de sair para cavalgar. Infelizmente sentiu o cheiro de carne também, mas sabia que mesmo que não comesse aquele tipo de alimento, todos do castelo apreciavam um gordo javali assado.

Sarabi veio de encontro à garota, as mãos belas e negras juntas ao corpo, um jeito característico da mulher andar. Sorriu para Alexandra no momento em que a viu, apontando com os olhos negros o lado esquerdo do castelo.

- O almoço está servido.

Ela assentiu para a criada e cortou o salão principal, caminhando para a grande sala de jantar. Seus pais estavam a esperando, a comida intocada e meticulosamente arrumada diante dos dois. Alguns pedaços do infeliz javali estavam cortados em grossas fatias, ela conseguiu ver um encorpado de cebolas e um pequeno pote com molho de abacaxi. Havia legumes de todas as cores e formas para Alexandra, e dois jarros de sucos diferentes. E água.

Alexandra se sentou e foi logo servindo um copo de água, bebendo-o por inteiro com goles rápidos e grandes. Aurora olhava para a filha com paciência. Era uma bela mulher na casa dos quarenta anos, cabelos loiros e lisos, olhos azuis claros, tão diferentes dos da filha. Borges era o tipo de pai adorável, vivia de bom humor e sua barriga fazia jus à fama de grande apreciador das cozinhas de diversos reinos.

Alexandra os amava mais do que tudo naquele mundo.

- Achei que iria fugir com Kiara hoje.

Ele disse de forma calma. A garota sorriu, ao mesmo tempo em que se servia de legumes e do encorpado de cebolas. Deu de ombros.

- Só voltei porque Sarabi disse que vocês queriam conversar comigo.

Não era tanto verdade. Ela iria voltar cedo, a fome já estava deixando-a tonta e Kiara precisava de um pouco de descanso. Aurora sabia de tudo isso. Com apenas um rápido olhar em sua filha, conseguia decifrá-la totalmente. Alexandra achava isso irritante, mas a rainha adorava esse seu dom.

Um silêncio estranho percorreu a mesa, apenas o som dos talheres arranhando o prato foi ouvido por alguns minutos.

- Alexandra, querida, você está passando da hora de se casar.

A comida entalou na garganta dela no momento em que escutou o que seu pai lhe disse. Quase se engasgou, se não fosse o reflexo de beber um gole de água para ajudar a empurrar o legume. Não respondeu de imediato, ficou olhando por alguns segundos o prato para depois dizer algo.

- Caso quando eu quiser.

- Olhe como fala comigo.

Ele disse, mas não em um tom nervoso, e sim em um tom ameno e tranquilo. Borges era o tipo de pessoa que sempre era paciente com todos. Principalmente com Alexandra. Nunca brigou com a filha e achava que aquele modo era o melhor modo de tratá-la. A garota poderia se tornar um problema quando contrariada por causas bobas.

O rei lembrou-se de um bilhete deixado por debaixo da manta de Alexandra, quando ela ainda era bebê e apareceu no reino apenas dentro de uma cestinha de palha. Mas não se dedicou muito tempo a pensar naquelas palavras. Mesmo que não fosse aconselhado a ter paciência com a filha, ele iria fazer isso. Era de sua natureza ser amável.

- O reino de Nárnia dará uma festa enorme essa temporada.

Aurora disse, tentando mudar o assunto. Alexandra voltou a comer, dando de ombros ao mesmo tempo em que enfiava o garfo na boca. Não se importava muito com Nárnia. As únicas lendas daquele reino que despertavam interesse na garota eram as lendas dos animais falantes. Seria fascinante conversar com um animal, entender o que ele via e como ele via o mundo. Isso para alguém que tinha a natureza como religião seria uma experiência única.

- Mandarei você e sua mãe para Nárnia, Alex.

A notícia a pegou desprevenida. Ela olhou desconfiada para os dois. Sua mãe continuava a comer calmamente, mas Borges parecia um pouco preocupado.

- Por que vai me mandar junto?

- Tenho assuntos sérios a tratar com os reis de Nárnia. Preciso de vocês lá.

Alexandra não acreditou naquilo, continuou fitando os dois e percebeu os pais trocarem olhares cúmplices, o tipo de olhar que fazia Alexandra temer e ter vontade de rir ao mesmo tempo.

- O que vocês estão aprontando?

Aurora voltou a comer e Borges remexeu a comida no prato, tomando um gole de suco e fazendo um barulho com a língua, como se tivesse apreciando o sabor das frutas batidas.

- O rei Edmund ainda não se casou...

Jogou a ideia no ar e esperou o pior. E não se surpreendeu quando Alexandra largou os talheres e desistiu de almoçar. Ela jogou o corpo na grande cadeira em que estava sentada e olhou para o pai com os olhos violetas raivosos, como se fosse uma criança de dez anos fazendo birra e chantagem.

- Eu não vou me casar com ninguém, pai.

- Edmund é um bom partido. Apreciaria muito uma união sua com ele. Pelo bem do reino e de nossa família.

- Eu tenho dezenove anos, pai.

Ela falou, tentando fazer com que ele visse que ela era nova demais para se casar. Não queria se prender a ninguém, principalmente a um rei. Reis eram pessoas mesquinhas e que achavam serem os donos de tudo, como se não bastasse os inúmeros hectares de terra e os diversos criados ajoelhando-se várias vezes durante o dia para que eles se achassem soberanos. Não, Alexandra não iria para Nárnia. Não com esse intuito.

Sabia que seu pai estava certo em alguns aspectos. Quem não os conhecesse, diria que era mais um rei vendendo a filha, mas sabia que ele nunca iria fazer isso com ela. Se ele estava insistindo nesse assunto, era porque prezava o bom casamento e estava preocupado – mesmo que não demonstrasse – com a felicidade da filha.

Mas Alexandra poderia facilmente escolher o homem que passaria o resto de sua vida ao lado.

Ela se levantou calmamente.

- Eu não vou.

Borges levantou-se da mesa com mais rapidez, a barriga levando junto um pedaço da toalha rendada da mesa.

- Você vai.

Ele disse, convicto. Alexandra reconheceu naquele tom, o tom que ele usava quando estava mais perto de ficar impaciente, e sabia que não seria prudente e inteligente de sua parte contrariá-lo agora. Assentiu minimamente com a cabeça, olhando para a mãe de canto de olho.

- Vocês partem pela manhã.

Ela apenas permaneceu quieta, mas logo depois pediu licença para ir ao quarto. Seus pais terminaram o almoço e deram licença à filha, eles mesmo deixando a mesa logo depois e caminhando para a sala que ficava ao lado. Aurora gostava de ouvir música depois de almoçar, já Borges tirava o seu cochilo antes de voltar a tratar de assuntos do reino.


Alexandra entrou no seu quarto, fechando a grande porta de madeira atrás de si. O cheiro de flores lhe engolfou, deixando-a confortável depois da conversa tensa que havia tido durante o almoço com seus pais. Pallas veio em sua direção no mesmo momento, passando perto da garota até ganhar um afago.

Pallas, a pantera de Alexandra, era um animal tão grande e feroz que faria medo até aos cavaleiros mais destemidos, mas o felino era quieto, e parecia ser racional demais para atacar qualquer um. Permanecia ao lado da garota desde que ela chegara naquele reino dentro de uma cestinha. Aurora percebeu que o filhote estava dormindo ao lado da cesta quando a achou, e quando os olhos amarelos fitaram os olhos azuis da rainha, ela entendeu que aquela pantera foi mandada junto com o bebê para protegê-lo, e adotou-a do mesmo modo que adotou a criança que viria a ser sua filha.

Alexandra se jogou na cama grande de dossel, não se importando com o vestido sujo encostado no cobre leito de seda. Pallas subiu na cama também, deitando-se ao lado dela e pousando a cabeça na barriga da garota. Ela começou a acarinhar o animal, no mesmo momento em que seus pensamentos tomavam um rumo: Nárnia.

Não sabia o fascínio que as pessoas tinham quando ouviam as histórias dos quatro reis de Nárnia, filhas de Eva e filhos de Adão andando pelas terras mágicas e mudando o rumo de todos os reinos. Ela sabia que Peter Pevensie já tinha uma companheira, e se perguntou se as rainhas de Nárnia também já seriam casadas. Pensou em Edmund Pevensie, o outro rei, e soube de imediato que ele não saberia que Alexandra estava indo para lá mais como pretendente do que como uma convidada.

Um barulho na porta chamou a atenção dela, mas a garota não se deu o trabalho de ver quem era. Apenas uma pessoa entrava no seu quarto dando aquelas duas batidinhas antes. Pallas levantou a cabeça em alerta, mas quando viu quem era voltou a se deitar. Aurora entrou no quarto da filha, caminhando até a cama e tirando o rabo da pantera de perto para conseguir se sentar perto da garota.

Olhou-a atentamente, e quando conseguiu a atenção dos olhos violetas, respirou fundo.

- Vá de coração aberto para Nárnia, filha. O rei Edmund pode ser uma boa pessoa para você. Seu pai não lhe quer mal...

Alexandra apenas acenou, não querendo mais discutir. Aurora era o tipo de pessoa que passava tranquilidade, e começar controvérsias e desentendimentos com ela era praticamente inaceitável. A rainha via sempre o lado bom das pessoas, e Alexandra a achava boa demais para criar irritações com ela.

Aurora se levantou da cama e passou a mão delicadamente na cabeça de Pallas.

- Sarabi virá até aqui depois para que vocês comecem a fazer as malas.

- Por que precisamos ir tão cedo?

- A festa de Nárnia será daqui a dez dias. Perderemos três dias apenas para chegar até lá.

Alexandra não conseguiu deixar de se perguntar o que faria durante a semana naquele reino. Concordou com a mãe.

- Posso levar Kiara?

- Claro que pode, mas avise seu pai.

Aurora sorriu para a filha. Ela nem precisaria perguntar se Pallas poderia ir. Se a pantera não a acompanhasse, ela não iria. A rainha ficava mais tranquila quando o animal estava ao lado da filha, então Alexandra não precisaria pedir a ela permissão.

Quando sua mãe saiu do quarto, ela se levantou e caminhou para a varanda que ficava em frente à cama, sendo acompanhada por Pallas. Ela sentou-se em um banco comprido que havia ali perto, olhando para os campos floridos e percebendo como iria sentir falta daquele lugar. Suspirou.

Sarabi entrou duas horas depois. Pallas olhou para ela e Alexandra passou a mão na cabeça da pantera, acalmando o animal.

- Está tudo bem. Sarabi vai me ajudar a fazer as malas.

Pallas voltou a se deitar e Sarabi olhou para a garota.

- O que vai colocar na mala?

Alexandra pensou um pouco antes de responder.

- Vestidos. Muitos vestidos. Os mais bonitos que eu tiver. Mas pode colocar os mais simples também para que eu possa cavalgar. Vou levar Kiara.

Sarabi sorriu, animando-se no mesmo momento. Alexandra não estava animada. Voltou-se novamente para fitar os campos do seu reino, se perguntando se iria embora de Nárnia logo quando a festa terminasse.

Afinal, sete dias não eram muita coisa. Eram?