Not Enough

Oh, oh, oh
All the memories
That we're losing
All the time that I spent with you everyday
I think it's running down the drain
.

(Avril Lavigne – Not Enough)

Poderiam ter tido tudo; o mundo, aquela casa velha, uma família, um amor que os manteria unidos e vivos até o fim dos tempos. Eles poderiam ter tido um ao outro, mas algo no percurso impedira. Fora ela? Ela com seu militarismo cego, suas razões, sua indecência...? Ou fora ele? Ele e seus jogos, seus amigos, sua vidinha mundana, todas as suas convicções. Provavelmente aquela seria uma das milhares de coisas que simplesmente acontecem, como o destino, ou a vida, ou as relações que nasceram condenadas ao fracasso. Eles nasceram condenados ao fracasso, a maledicência, a fins que levam a sangue, dor e morte. Eram seus caminhos, era aquilo que eles tocavam, era o seu sangue. Aquele sangue maldito, aquele sangue de ambos, aquela família que ao invés de toque de ouro trazia apenas a infelicidade.

Infelicidade que havia levado a mãe a queimá-lo da tapeçaria e a transformá-la naquele monstro. No monstro que o mataria e consumiria sua carne com prazer. No mesmo monstro que o amava, e que ele correspondia com tanto fulgor e raiva. Em que ponto aquilo se transformara tão bruscamente? Quando, em todos aqueles anos, a menina se tornara uma sombra ameaçadora e ele apenas um vassalo podre e sem vida? Quando o amor acabara? Ou nunca acabara?

Ele via nos olhos de sua Bellatrix o desprezo, o julgamento errado que fazia de suas atitudes, de suas companhias, de sua vida. O ódio puro que condensava em suas palavras e afiava como facas contra ele. E ela sentia absolutamente a mesma coisa em Sirius, só que de um jeito estranho ele jamais soara como um risco a sua vida, algo do qual ela deveria se proteger.

Oh não, houve um tempo que ela achou que ele a protegeria. Que seria ele a arrastá-la daquela casa e mudar seus pensamentos, abrindo as janelas e deixando a luz inundar sua alma, porém, quando seu fiel cavaleiro chegara, as trevas em seu coração eram densas demais, impermeáveis. Até mesmo pra ele.

E Sirius jamais fora pessoa de se deixar mudar, aprisionar, convencer... Se fossem mesmo estrelas, todos aqueles Blacks, Sirius mais parecia o Sol, sempre cheio de luz em sua grandeza, e todo o resto, oh, todo o resto apenas flutuava ao seu redor. Ela flutuava ao seu redor, com medo demais de chegar perto e não suportar aquela luz, aquele sentimento, aquela bondade que ela repudiava.

A vida dos dois era difícil demais para que, do nada, se acostumassem assim a seguir o caminho do outro. Por isso não dera certo. Não por eles, mas pela vida, pelo caráter e personalidade que lhes fora impostos. Nem toda a sorte e amor do mundo teriam mudado alguma coisa, nem mesmo a pura vontade de coexistir um ao lado do outro, sem a destruição de ambos, sem a alteração daquele estado de euforia no qual se encontravam após um toque, uma lembrança, um cheiro que recordasse o outro em suma.

Agora era diferente, diferente de uma forma que não agradava, que não unia, que não se destacava. Mesmo que ela se recusasse a ser atingida pelo brilho ofuscante do sol, ele jamais pararia de brilhar, e ela jamais pararia de fazer parte de sua órbita. Nem que tentasse, ou que fosse essencial.

E por ultimo, havia o fato de que, se Sirius era mesmo o Sol, ela sempre seria como a Lua. Trazia o frio, a escuridão, a luz pálida e prateada. Podia ser fruto de lembranças boas ou ruins, afinal, os pesadelos começam assim que a Lua aponta no céu, não? E jamais, de qualquer forma, Lua e Sol poderiam coexistir sem destruir a si mesmos e a todo o resto, todo aquele mundo que existia atrás deles, por eles, a partir deles. Simplesmente porque o destino tomava conta destas coisas, simplesmente porque o que tinham nunca fora o suficiente. Nunca seria.