Andromeda Black
Liberdade
O conceito de liberdade é, como qualquer outro, relativo, mutável, capaz de moldar-se de acordo com a situação e o tempo. Andromeda Black sempre havia se considerado livre, pois, em sua condição de sangue-puro, encontrava proteção contra qualquer problema que pudesse atingir os outros. Além disso, ela já possuía por direito natural uma posição privilegiada. Afinal, ela era uma Black.
É claro que havia normas que ela deveria seguir, mas por que isso seria um problema, se ela nunca conhecera motivos fortes o bastante para fazê-la abandonar as regras que constituíam o seu mundo? Tudo estava bem dessa forma, portanto, não precisava julgá-las como certas ou erradas, pois eram simplesmente a única realidade que conhecia.
Foi nessa realidade que Andromeda acreditou durante boa parte de sua juventude. Ela tinha orgulho de ser quem era, e sabia que não havia nenhum problema nisso. Seguiu as convenções por opção, sem nenhum esforço. Talvez por vezes, quando o controle de sua curiosidade escapava-lhe repentinamente, tivesse se perguntado por que o mundo funcionava daquela forma, o quê exatamente a fazia melhor. Mas esses momentos eram breves, e, de qualquer forma, sua mentalidade sonserina não abriria espaço para questionar aquilo em que acreditava tão fortemente.
Porém, ela o fez. E era por isso que, naquele momento, ela caminhava em passos rápidos, mas silenciosos, em direção à saída da casa de seus pais – de sua casa. Sem mais nenhuma possibilidade de voltar.
Não importava o quanto ela quisesse pensar o contrário; sabia que era definitivo. Conhecia bem demais a própria família para saber que, na manhã seguinte, quando todos acordassem e finalmente percebessem o que havia feito, ela não seria mais uma deles.
Apesar de tudo, antes de abrir as portas da mansão e fazer o que sabia que deveria ser feito, Andromeda sentia-se como se uma parte dela estivesse sendo deixada entre aquelas paredes. Pois ela ainda era parte daquela família, mesmo que a idéia de importância atrelada ao seu sobrenome não estivesse mais tão presente em si. Talvez, já não estivesse presente de forma alguma. Ainda assim, doía-lhe deixar definitivamente tudo o que um dia havia sido seu maior motivo de orgulho. Antes disso, porém, o mais difícil era deixar as pessoas que estavam ali. Ela sentiria falta de seus pais e de suas irmãs; mesmo após todas as brigas recentes, em que eles se opuseram às suas escolhas, deixando claro que, dependendo de quais fossem, ela deveria deixar de se considerar uma Black.
Isso quando ela ainda nem havia mencionado que realmente se casaria com Ted.
Refletindo melhor, Andromeda percebia que, se o tivesse feito antes, não estaria mais ali – provavelmente seu pai já a teria dado um ultimato. O que impedia o rompimento do frágil fio que ainda a ligava à sua família era o fato de que preferiam acreditar que tudo não passava de um momento absurdo de rebeldia, completamente inacreditável, mas que em alguma hora ela iria esquecer o garoto sangue-ruim e tudo voltaria a ser como antes.
Ao final, tudo aquilo se resumia a uma pura questão de orgulho. Era o orgulho próprio dos Black que fazia com que ninguém a aceitasse quando ela provava não ser o que eles esperavam. Que fazia com que seu pai exigisse que ela voltasse ao "caminho correto"; que sua mãe a chamasse quase todos os dias para conversar – pois Druella sempre soube articular as palavras melhor do que Cygnus – e pedisse repetidamente que ela reconsiderasse, que voltasse a agir de acordo com a sua posição, que não os deixasse e, acima de tudo, honrasse sua casa e seu nome. Era essa a força que fazia Bellatrix dirigir-se a ela em um ódio atípico até mesmo para seu temperamento errático; enquanto Narcissa ora agia exatamente como a mãe, apenas de forma mais fria e distante, ora simplesmente a olhava de longe, quando não havia mais ninguém por perto, em um misto de tristeza e indignação velado pelo silêncio. Mas esse mesmo orgulho também estava presente na decisão firme de Andromeda, na forma com que ela mantinha-se fiel às próprias escolhas. E, justamente por possuir o orgulho de uma Black, mas canalizado de outra forma, ela não voltou atrás em sua escolha de casar-se com Ted Tonks.
Ela percebia que, antes de ir, não tinha nenhum arrependimento. Acreditava também que não deixava questões pendentes, mesmo que sua despedida tivesse que acontecer daquela forma – silenciosa, obscura, brusca. Só agora ela via claramente que tudo já estava resolvido antes desse dia acontecer. Quando se nasce com valores de pureza e superioridade tão fortes, se deve apenas segui-los – o que ela se acostumou a fazer por muito tempo – sem espaço para questionamentos. A partir do momento em que se pergunta se eles são certos ou não, se desperta a dúvida sobre si mesmo e sobre a realidade à sua volta. Quando se vai em frente nessa pergunta, chega-se a um momento em que é impossível ignorar a própria consciência, voltar atrás e ser exatamente como antes. E Andromeda sabia disso.
Ela também sabia que a semente de sua mudança não havia surgido do nada. Aconteceu naturalmente: começou com sua improvável amizade com Ted, no último ano deles em Hogwarts. Ela nunca havia notado que ele sempre estivera ali, mas o tempo fez com que essa amizade se desenvolvesse em algo mais, até que, após certa resistência, ela simplesmente deixou acontecer. É claro que não foi fácil – o conflito entre o que sentia e a ideologia à qual sempre fora fiel às vezes tornava-se insuportável – mas ela nunca realmente chegou a pensar em desistir de tudo – por teimosia, por orgulho, e, antes de tudo, por amor. Pois, desde o início, não foi o amor entre ela e Ted que desencadeou aquela situação? Andromeda nunca se considerara uma pessoa exatamente romântica, mas sabia distinguir o que era real do que não era. E ela sabia que aquilo era real pela maneira com que seus antigos valores se dissipavam enquanto seu amor tornava-se mais forte; pela forma com que Ted a fazia se sentir leve, livre do peso e da responsabilidade de ser quem era. Pela facilidade que só ele tinha em fazê-la sorrir.
Ainda assim, ela teve medo perante a reação de sua família, mesmo que já soubesse o que viria. Mas, se para Ted era tão simples ser ele mesmo, por que para ela também não poderia ser? A primeira coisa que admirou nele foi a coragem de não se prender a regras e convenções. E o que os faziam ainda mais próximos era o fato de que essa coragem estava agora também presente nela, muito mais forte do que nos últimos meses. Pois estes foram feitos de novas possibilidades, mas a decisão que tomava era definitiva.
Ao olhar em volta, Andromeda ainda conseguia enxergar os contornos elegantes do interior de sua casa, apesar da pouca luz que escapava por trás das pesadas cortinas. Não conseguia evitar o constante sentimento de nostalgia ao saber que era a última vez que estaria ali. Era racional o bastante para saber que era melhor assim; não queria estar ali para ver mais pressão e mais discussões, e, mesmo que não esperasse mais do que algumas horas para que sua família estivesse furiosa e tia Walburga a queimasse da tapeçaria dos Black, ainda preferia que tudo se acabasse de uma só vez. Há tipos de rompimento que não podem acontecer de outra forma.
Se o conceito de liberdade molda-se de acordo com a situação e o tempo, o de Andromeda havia mudado irremediavelmente. Pois Ted Tonks a fez ver que liberdade não era uma questão de posição social, era uma questão de escolhas. Ela já havia feito a própria, e nada a faria mudá-la. Portanto, após olhar pela última vez a sala que guardava tantas de suas lembranças e finalmente fechar a porta, tendo apenas à sua frente as árvores antigas e escuras que delineavam o caminho para longe dali, Andromeda, pela primeira vez, sentiu-se verdadeiramente livre. Mesmo que as imagens de seus pais, suas irmãs e de tudo o que ela não teria mais ainda permeassem a sua mente, ela sabia que, aos poucos, isso deixaria de ser um problema, pois havia segurança e certeza na decisão que tomara. No momento em que ela aparatou para longe da mansão dos Black e se viu perto de Ted novamente, ela soube que havia valido a pena.
XXXXX
N/A: Então, esse é o primeiro capítulo da primeira fic que eu já escrevi. Eu sempre quis escrever sobre a família Black, mas essa idéia só veio na minha cabeça há algumas semanas atrás. Como diz o sumário, serão quinze one-shots sobre cada membro da família (não todos eles, é claro, mas de fato eu acho que irá passar por muitas gerações). Espero que vocês gostem, e, a propósito, o próximo capítulo deve estar aqui provavelmente na próxima semana.
