Quando as luzes se apagarem

Se me perguntassem, eu seria uma mulher normal. Teria sonhos e fantasias como pessoas normais. Teria fraquezas, teria delírios. Mas não perguntam. Não se importam.
Já é tarde e as luzes do metro parecem oscilar.
Eu gostaria conhecer um segundo de paz sem essas malditas luzes no meu caminho. Acho que não se importariam em me deixar em um quarto escuro para sempre, mas ainda assim não faria diferença. As luzes continuam me incomodando, e eu realmente detesto quando isso acontece.
Essas luzes... é tudo tão mais fácil quando tudo é negro e sem cor...
Uma das muitas luminárias que pendiam no teto se apaga. Não faz diferença. Não agora que já não temo mais o escuro e até já aprendi a gostar dele. Não agora que já me fizeram viver tanto tempo dentro dele que não seria mais capaz de reconhecer brilhos vindos de qualquer direção.
Ouço um som distante. Ainda restam luzes acesas. O metro não ainda não parara de funcionar. Meus lábios se contraem num sorriso. Um doce sorriso triste. Mas é como dizem... mais triste que um sorriso triste é a tristeza de não saber sorrir. Tolice, na minha opinião.
Mais uma fileira de luzes se apaga. Está quase escuro agora. Um homenzinho rabugento surge de algum canto e diz muito rispidamente que já era hora de eu me retirar e que sentia muito por eu ter perdido o meu trem. Ridículo. Sei que ele não sente nada. Ironias de um velho tolo tentando salvar seu emprego ordinário em um daqueles metros das cidades dos trouxas.
Encaro-o de volta com a expressão impassível. Ele não vai me amedrontar. Posso ser uma mulher sozinha e já pode ser tarde da noite, mas esse homem não seria louco de tentar algo comigo. Ele não sabe com quem está mexendo. Ou talvez saiba pela expressão amedrontada que me lançou quando viu-me caminhando rumo as escadas que me conduziriam até a rua. Velho tolo. Eu faria as luzes se apagarem para ele, se eu quisesse. Mas não... ele não precisa pagar pelos crimes que não cometeu.
Posso ter perdido aquele trem. Eu sei que jamais me esperariam. Se me colocaram dentro daquela cela escura, é porque não queriam que eu saísse. Todo esse tempo eu fiquei ali esperando que fossem me buscar, esperando que me colocassem de volta na vida deles, no mundo deles. Isso não aconteceu. Foram embora para sempre dessa vez. E eu? Bem... Talvez eu não exista mais. Talvez nem se lembrem mais do meu nome. Ou da minha existência. Não faz mais diferença.
Uma ultima luz brilhante se apaga, permitindo enfim que a escuridão engula todo aquele mundo cretino do qual eu nunca mais farei parte. Subindo as escadas, meu sorriso triste agora se contrai em uma gargalhada gélida. O vento frio da noite finalmente toca o meu rosto, e eu posso-me sentir viva. Viva como não me sentia há anos trancafiados naquela maldita cela escura. Fecho os olhos lentamente. Mesmo com toda a claridade da movimentada rua daquela cidade suja, não havia mais luzes agora. E eles? Bem... Eles não perdem por esperar.