Peca ou pecarei

Era errado e era impuro. Dentre todos os sentimentos, o mais descrente despertara em seu peito feminino. O observou, enquanto ele tomava longos goles de água e sentiu a própria pele se arrepiar, reagindo à presença tão masculina. Virou o rosto, tomando a resolução de ignorá-lo, porém a imagem ficava em sua mente. Atormentado e a tentando.

A cachoeira servia de cenário, enquanto o céu negro estendia-se com suas infinitas estrelas. Admirou-os por um tempo, necessário para que compreendesse a intensidade de sua sorte. Compartilhar tal lugar com a pessoa que mais desejava era uma dádiva.

Enquanto isso, os olhos dourados fixaram-se na figura feminina. Observou-a com atenção, prendendo-se a pequenos detalhes, como a pequena cicatriz que ela tinha sobre a sobrancelha esquerda ou o modo como os lábios pressionavam-se numa linha fina, quando ela se punha a pensar sobre algo. O coração bateu e as bochechas sensíveis tomaram a cor de seu haori. Sentiu-se quente, abafado. Não era a primeira vez que ela lhe despertava essas sensações, mas cada vez que as sentia, elas tomavam mais vontade. Os pensamentos na sua mente eram insanos.

Pecaminosos.

Oh, naquela situação, que mal haveria um pecado?

Ultrapassar a barreira que havia entre os corpos e terminar com todo aquele desejo?

- Kagome.

O nome perdeu-se no vento, enquanto as íris azuis se voltavam para ele e a boca avermelhada sorria, repleta de carinho.

- Sim?

O que poderia dizer? Que queria tanto tocá-la que suas mãos chegavam a tremer de dor? Ou que esse sentimento, recém-descoberto, era mais do que desejo do corpo. Era necessidade da alma. Era o famoso 'precisar'.

Vivera toda a sua vida imaginando que não precisaria mais de ninguém. Que depois da falecida miko, prender-se há alguém estava fora de cogitação. Afinal, era perder o coração para mais um humano. Raças volúveis e indecisas, que mudam de sentimento como mudam de roupa. Endurecera os olhos e prometera a si mesmo que a palavra "amor" não mais existiria em sua vida. Já o machucara demais. E não merecia mais a dura provação.

A jovem percebia que o hanyou debatia-se num dilema interno. Percebia isso porque suas pequenas orelhas estavam baixas, suas sobrancelhas tencionadas, formando um vergão entre elas. Desejou poder suavizar o rosto tenso, mas não ousaria tanto.

Não pecaria tanto.

Uma brisa refrescante alcançou o local, levantando os cabelos negros da colegial. O hanyou, encantado com o cheiro e com o movimento hipnótico, sentiu a boca secar e não pôde controlar que sua mão se erguesse e acariciasse os fios rebeldes. Os pôs atrás da orelha delicada, demorando-se sobre a bochecha que como a sua, atingia suaves tons de rosa. Aproximou-se timidamente, temendo assustá-la, mas no entanto, não pôde deixar de tocá-la. A maciez dos fios e da pele o enfeitiçavam.

Kagome respirou fundo ao sentir sua aproximação quase muda. Os dedos dele eram levemente ásperos e as unhas faziam cócegas. Abafou um sorriso leve, enlevada por aquele momento. Os olhos dourados arregalaram-se, como se ele houvesse descoberto algo intensamente novo. As orelhas fizeram um movimento quase que imperceptível e ficou tentada a tocá-las. Não o fazia há muito tempo. Talvez ele não apreciasse esse carinho.

Inuyasha desceu a mão pelo rosto delicado, contornando o nariz arrebitado. A cada toque, desprendia-se o cheiro inebriante da primavera, da chuva, da terra molhada. Os dedos tocaram de leve os lábios carmesins, provando a textura única. Um tremor sacudiu seu corpo, enquanto sua audição captava o coração dela batendo rápido. Ou seria o seu?

A jovem tomou a mão do hanyou entre as suas, quentes. Beijou-a levemente, sorrindo. Achegou-se ainda mais, fitando-o e observando a doçura daquela expressão confusa. Ela também não entendia muito daqueles sentimentos.

Amar...

Verbo complicado, não?

Ás vezes, era feito de uma carícia. Outra, de uma lembrança. Ainda, de ódio.

De qualquer maneira, era o que sentia naquele instante. O amava tanto e queria que ele entendesse e que não a visse apenas como sua segunda opção. Pois tinha certeza que na mente do hanyou, a lembrança de uma bela miko ainda assombrava-lhe os sonhos.

A mão calejada segurou o queixo feminino, aproximando o rosto do dela. Os olhos de Inuyasha desviaram-se para seus lábios e quando pensou que ele fosse beijá-la, a boca dele desviou-se para sua mandíbula. Apenas tocou. O bastante para fazer com que engolisse um seco. Seus olhos arderam, tentando entender o que se passava. Logo, os lábios dele voltaram para sua bochecha, beijando-a timidamente, como se quisesse guardar o sabor da pele na memória.

Tentadora doçura. Inuyasha sabia que estava indo longe demais. Seus instintos começavam a lhe avisar para se afastar, antes que fosse tarde e que ele cometesse uma loucura sem volta. Mas não conseguia parar de tocá-la. Era uma espécie de vício. Sua outra mão tomou a cintura delicada, fazendo com que seu corpo tocasse o dela. Uma corrente elétrica os atravessou. Pensou ver faíscas, mas devia ser apenas imaginação.

Afastou o rosto, fixando os olhos nos dela.

Os narizes se tocaram, fazendo com que as respirações se cruzassem também.

O dourado gritou pelo azul. Ambos os orbes pareciam se beijar, de tão profunda sua ligação.

A colegial estava à ponta de implorar por um beijo. Um só, um breve. Mas que valeria todos os anos que o esperara.

- O que estamos fazendo? - Perguntou, com a voz baixa. O hanyou corou intensamente, mas não fez menção de que iria se afastar.

- Pecando.

Não pode mais resistir. Suas mãos delicadas tomaram o rosto masculino e os lábios pressionaram-se sobre os dele, movendo-se sedutoramente. Percebeu que os olhos dele estavam muito abertos e surpresos. Porém, não se desvencilhou.

Logo, os lábios dele começaram a corresponder. Mordiscaram os seus antes de os tocarem com a língua, ávida por mais. Assim, ele pediu permissão dentre a boca da jovem, que gentilmente a cedeu.

Foi aí que a doçura deixou de existir, revelando o pecado. Inuyasha a pressionou ainda mais forte contra seu corpo, devorando-lhe a boca sem nenhum traço de gentileza. Só a pura fome. A pura luxúria.

Os lábios dele deixaram de beijar a boca delicada para ater-se ao pescoço esguio, traçando uma linha de mordiscadas até a base. O tecido de algodão o impediu de continuar. Por isso, enfiou as mãos por debaixo da blusa branca, acariciando o ventre e a cintura. Sentiu a pele delicada sobre os dedos e quis que ela tocasse-o também.

A deitou na relva esverdeada, tomando por uma ânsia que não soube explicar. Retirou a parte de cima do haori e pôs sob a cabeça dela, para deixá-la mais confortável. Depois, voltou a beijá-la, regorjeando-se dela corresponder com o mesmo desespero.

Tinha que fazê-la sua.

Naquele instante.

Ou ameaçava desmoronar, tamanho era a força de sua paixão por aquela garota.

Kagome pressionou os dedos macios contra a sua nuca, massageando-a lentamente, isso lhe foi o limite. Com a mão aflita, procurou os botões daquela estranha e adorável roupa. Os retirou rapidamente, sem nenhum protesto da parte dela. Assim que a livrou dela, começou a beijar-lhe o colo e o vale entre os seios. Os suspiros deliciados de prazer só o faziam ter certeza de que era o caminho certo.

A jovem sorriu com evidente fraqueza, enquanto ele intensificava as carícias e livrava-se da parte de cima do quimono. Lógico, havia a importuna insegurança. Em um instante, eram ariscos. No outro, começavam a se amar. Mas o tocou. O fez seu também. E apreciou a pele firme sobre a sua palma e sobre seus lábios.

- Peque.

- O fará também? - Ele perguntou, enquanto a mão deslizava pela perna torneada e os lábios beijavam o ventre.

- O quer?

- Mais do que tudo.

- Então assim será.

Puxou novamente a cabeça dele para perto da sua, tomando-lhe a boca com volúpia.

Logo, a saia pequena jazia no chão. Sentiu-se exposta diante dele, mas os olhos brilharam quando ele disse, com a voz mais amorosa do mundo.

- Você é linda.

Ele voltou a beijá-la, para depois murmurar, com a voz rouca.

- Eu não a mereço.

- Mas me tem.

- De corpo e alma?

- E de coração.

- Até quando?

- Até quando quiser.

- E seu eu quiser agora?

- Então queira.

As últimas peças de roupa caíram sobre os esforços das mãos resolutas. E logo os corpos se encontravam, pele nua com pele nua.

Não foi preciso dizer mais nada.

Os corpos gritaram por si, quando ele a fez sua.

-/-

- E agora?

- Como assim? - Ele perguntou, enquanto acariciava seus cabelos úmidos.

- Esquecerá disto?

- Como poderei?

- Então o que fará?

- A farei minha.

- Mas já o fez.

- Ainda não disse o que quero dizer.

- Diga, se assim o quer.

Ele respirou fundo, como se o ar lhe faltasse. - Chamaria de tolo aquele que teve o tesouro mais precioso em seus braços e só o enxergou quando o desejo assim o forçou?

- Não. - Ela sorriu. - Eu o chamaria de confuso.

- E o chamaria de tolo se ele dissesse que perdeu tempo demais com nada que valia, quando tudo que importava ele não via?

- O chamaria de sofredor.

- E o chamaria de tolo se ele lhe dissesse que a vida não tem mais sentido se não for em teus lábios, em teu corpo e tua alma?

- O chamarei de apaixonado.

- Eu a amo, então.

As lágrimas verteram dos olhos puramente emocionados. As limpou com a mão e deu um sorriso cheio de felicidade, entrelaçando ainda mais os corpos nus. - Também o amo.

- E faz muito tempo, não é?

- Não o bastante.

- E porque diz isso?

- Pois haveria de ter amar mais, para lhe apagar o sofrimento.

- O apagou quando minha se tornou.

- Bastou?

- Não.

Os olhos inflaram-se de paixão mal contida.

- Eu quero mais.

De algum modo, pecadores eram. Amaram muito, cada um a sua maneira. Ela, assumida, lhe entregara o coração desde o começo. Ele, tímido, descobrira o sentimento a pouco e só conhecera sua profundidade porque ela o permitira.

Pecadores eram pois suas almas pertenciam a mundos diferentes. Não havia união. Renunciariam a tudo e a todos? A o futuro que ela tanto amava e o passado que tanto repudiava, que necessitava para manter-se firme?

Talvez.

O som do corpos se chocando foi a prova de que... ambos escolheram pecar.

Fim!