Devia passar da meia-noite, mas ele não estava se importando. Deu um gole na cerveja, recostando-se melhor no capô do Impala, os olhos verdes analisando o céu salpicado de estrelas. Não se lembrava exatamente quanto tempo havia passado, mas aquela data nunca sairia de sua cabeça. 2 de novembro de 1983. Quase 30 anos e ainda assim, não conseguiria se esquecer por nenhum dia.

Tinha apenas 4 anos naquele dia, mas lembrava-se com clareza digital todos os momentos com a mãe, como num filme. E lembrava todas as vezes que precisava de um apoio. Como se ela estivesse ao seu lado, o amparando, e era o que ainda o mantinha de pé. Apesar de não querer voltar à Lawrence, não precisaria de tanto. Só precisaria se lembrar dela o colocando para dormir, cantando Hey, Jude.

A ti que me diste tu vida, tu amor y tu espacio

A você que me deu sua vida, seu amor e seu espaço

A ti que cargaste en tu vientre dolor y cansancio

A você que carregou em seu ventre dor e cansaço

A ti que peleaste con uñas y dientes

A você que lutou com unhas e dentes

Tinha que agradecer à Castiel as vezes que o levara ao passado. Poder vê-la, ficar tão próximo como antes, era uma coisa inexplicável. Respirou fundo o ar gelado da madrugada e fechou os olhos por um instante. Sorriu levemente. Ela nunca tinha o deixado sozinho, como John ou Sam. Não, ela sempre estivera ao seu lado, em todos os momentos. Sentia um imenso orgulho ao saber que ela também tinha sido uma caçadora, e aquela vida que seguia tinha um peso menor depois que descobrira.

Dean Winchester reabriu os olhos, mal reparando no céu escuro à sua frente. Deu mais um gole na cerveja e seus lábios se curvaram num sorriso ao sentir uma mão em seu ombro. Não precisava olhar para saber quem era, com aquele toque gentil. Ainda assim, fitou a mulher ao seu lado e suspirou, sorrindo para Mary.

Valiente en tu casa y en cualquier lugar

Valente em sua casa e em qualquer lugar

A ti rosa fresca de abril

A você, rosa fresca de abril

A ti mi fiel querubín.

A você, meu fiel querubim.

Sabia que era apenas, mais uma vez, uma alucinação, mas não se importava. Ficar ao lado de Mary, só aproveitando o silêncio e a presença dela, era mais do que suficiente. Deu alguns goles na cerveja, notando que ela também observava o céu, e esboçou um sorriso cansado, pousando a mão livre sobre a dela que estava em seu ombro, recostando a cabeça no ombro da mulher, escondendo o rosto entre os cabelos dourados e macios.

Não queria falar nada. Não precisava falar alguma coisa. Bastava ela estar ali, como sempre, o amparando, lhe dando forças. Sentiu as lágrimas começarem a escorrer, silenciosas, por seu rosto, mas não as reprimiu. Deixou-as correrem, aliviando a dor e o peso em seu coração por alguns instantes. Mary era um verdadeiro anjo, não como os anjos que conhecera. Se tivesse conhecido uma santa, diria que ela era sua mãe.

A ti te dedico mis versos, mi ser, mis victorias

A você eu dedico meus versos, meu ser, minhas vitórias,

A ti mi respecto, señora, señora, señora

A você meu respeito, Senhora, Senhora, Senhora

A ti mi guerrera invencible

A você, minha guerreira invencível,

A ti luchadora incansable

A você, lutadora incansável,

A ti mi amiga constante de todas las horas.

A você, minha amiga constante de todas as horas.

Todas aquelas caçadas, todas as pessoas que salvou, sempre foi por ela. Cuidara de Sam porque sabia que era o que a mãe desejaria. Todas as noites, quando se deitava, ele pensava no que Mary diria, e isso deixava seu coração mais leve o suficiente para dormir em paz. Ela não precisava estar viva para saber que estava orgulhosa. Tinha que admitir: sentia raiva toda vez Sam ou John o deixava para trás, mas logo passava. Nunca estaria sozinho.

Eles poderiam dizer o que quiser. Não importava. Mary sempre esteve ao seu lado e sempre estaria. Não importava o que acontecesse, ela sempre estaria ali, cuidando dele, o protegendo da melhor forma possível, e isso era o suficiente para ajudá-lo a se levantar todos os dias.

Tu nombre es un nombre

Seu nome é um nome

Común como las margaritas

Comum como as margaridas,

Siempre en mi boca presencia,

Sempre em minha boca está,

Constante en mi mente

Constante em minha mente

- Mãe... – Suspirou.

Era tão bom estar ali, com ela, que nem parecia que todos aqueles problemas haviam existido, algum dia. Eram raros esses momentos de paz, e adorava desfrutá-los o melhor tempo possível, sem se importar se Sam estava preocupado, se estava atrás dele feito louco. Naqueles momentos, que Sam e o resto do mundo fossem para o inferno.

Sem cerimônia, aconchegou-se contra o corpo quente de Mary, como quando era pequeno, e voltou a observar o céu escuro, contando, distraidamente, as estrelas. Sentiu os afagos da mãe em seus cabelos e sorriu levemente, erguendo os olhos para fitá-la, recebendo um sorriso gentil e lindo em troca.

- Eu amo você, mãe...

Y para no hacer tanto alarde,

E para não fazer tanto alarde,

Esa mujer de quien hablo

Essa mulher de quem falo,

Es linda mi amiga gaviota

É minha linda amiga gaivota,

Su nombre es mi madre.

Seu nome é minha mãe.

- Eu também amo você, meu anjo.

- O que eu devo fazer? – Dean suspirou, enrolando delicadamente os dedos entre os cabelos da mãe, sentindo as lágrimas voltar a escorrer por seu rosto. – Eu estou com tanto medo... De estar errado.

- Você sempre confiou em si mesmo. O que aconteceu, meu anjo?

- Experiências ruins. – O loiro sorriu entre o choro. Sabia que a mãe conhecia tudo o que passara no inferno, mas não queria se lembrar. Respirou fundo, permitindo que ela enxugasse as lágrimas de seu rosto. – Tenho medo. Mas... – E sorriu para a loira. – A senhora está aqui comigo, sempre... É isso o que importa pra mim.

A ti te dedico mis versos, mi ser, mis victorias

A você eu dedico meus versos, meu ser, minhas vitórias,

A ti mi respeto señora, señora, señora

A você, meu respeito Senhora, Senhora, Senhora

Y para no hacer tanto alarde, (tanto alarde)

E para não fazer tanto alarde, (tanto alarde)

- Não se esqueça de Sam. – Mary lembrou-o. Dean acabou soltando um resmungo baixo e suspirou, voltando a fitar o céu escuro.

- Ele não é o mesmo Sammy de antes, mamãe. E é dele que eu tenho medo.

Sabia que nunca diria aquilo para o irmão, mas não era Sam que estava ali com ele. Era sua mãe, em quem podia confiar a sua vida. Esboçou um sorriso triste e respirou fundo, voltando a se sentar no capô do Impala melhor, apenas repousando a cabeça no ombro da loira, sentindo os afagos da mãe em seus cabelos, assim como os dela faziam cócegas em seu rosto. Sorriu levemente e ergueu os olhos para o céu ao ouvir um trovão cortar o ar.

Esa mujer de quien hablo (de quien hablo)

Essa mulher de quem falo (de quem falo)

Es linda mi amiga gaviota,

É minha linda amiga gaivota,

Su nombre es mi madre

Seu nome é minha mãe.

As primeiras gotas de chuva começaram a cair sobre ele, e Dean respirou fundo, não se importando. Sentiu um afago em seu rosto e se ergueu para fitar a mãe, sorrindo tristemente. Recebeu um beijo longo e quente na testa e teve que sorrir abertamente dessa vez. Não importava que, mais uma vez, Mary sumisse, mas não se sentia sozinho. Sabia que apenas não a estava vendo. Ela sempre estaria ali.

Era a sua mãe. Nunca o abandonaria.

(Mi madre, mi madre, mi madre,

(Minha mãe, minha mãe, minha mãe,

mi madre, mi madre, mi madre)

minha mãe, minha mãe, minha mãe...)

Não importava como, quando ou onde. Sempre estaria seguro, pois tinha sua mãe, seu verdadeiro anjo, do seu lado.

"It's okay baby, it's all okay... Angels are watching over you."