Foi imediato.
Levantou o tronco, sentindo que o peito arfava loucamente e que seus pulmões inspiravam cada vez mais e contraindo cada vez mais o diafragma em busca de oxigênio. Não sentia suas pernas, estavam dormentes, mas ele conseguia ver pelas ondulações do lençol de seda de sua cama que elas tremiam de agonia pelo pesadelo. Suas mãos fincaram-se sobre as fronhas de seda e seus dedos apertaram o tecido com fervor. Como se aquilo fosse uma âncora para que ele não desfalecesse em cima da cama. Sua boca estava aberta e seca. Sua garganta parecia estar em carne viva e reprimia o grito de horror, seu coração palpitava descompassadamente, fazendo a ritimia ser esquecida e dar lugar aos batimentos frenéticos, seus orbes estavam arregalados e suas pupilas estavam dilatadas. As narinas inspiravam o ar soturno da madrugada e o orvalho da chuva fraca de verão.
A escuridão pairava pelo local. O aposento estava mergulhado nela e as ondulações e pequenas correntes de ar penetravam, furtivamente, pelas grandes janelas e pela porta da varanda que jaziam abertas. Alguns filetes daquela luz prateada e cândida da luz opaca entravam no quarto e fazia com que sombras bruxelantes dançassem pelas paredes. Mas os olhos do homem estavam fixos em um ponto singular do nada. Mas ele não via a parede ou o quadro de uma mulher e um homem na parede. Ele via eram cenas de um passado não muito distante...
Os orbes verdes escuros viam a escuridão. As trevas se apoderando de seu corpo debilitado e de seu coração sôfrego. Seus orbes viam as águas vermelhas cintilando sob a luz de estrelas sem brilho, seus orbes viam corpos espalhados pela terra batida e os filetes de sangue escorrendo de ferimentos abertos dos cavaleiros da luz e das trevas. A fênix dourada bordada no lado esquerdo do peito dos combatentes da luz era vista, me alguns mãos jaziam as varinhas soltas, outras possuíam espadas, adagas, bestas ou punhais, em outras eram vistas fotos de crianças ou de mulheres segurando bebes recém-nascidos.
Era tudo o horror. O horror da guerra. O horror da morte na frente de seus olhos, diante de suas mãos.
Girou os orbes para baixo e sentiu os filetes de sangue escorrerem pelos seus braços, pelas bochechas, pela sua barriga e pernas. Sua garganta estava seca, suas mãos meladas do sangue de pessoas inocentes. Suas mãos estavam meladas do sangue de comensais da morte, estavam meladas do sangue dele.
Vidas inocentes pagaram, mas ele viu a pele pálida coberta de sangue, os olhos vermelhos esbugalhados, as narinas sangrando e um a face assustada depois de receber a maldição imperdoável.
Seus joelhos cederam. A dor segara seus olhos e suas mãos tocaram em um baque surdo a terra batida e enlameada. Ele tossiu e um filete de sangue escorreu pelo seu queixo. O liquido quente fez uma onde de choques invadir o corpo frigido.
A risada dele ainda ecoava pelos seus ouvidos.
Harry colocou as mãos nas orelhas, como se impedisse que o som penetrasse em seu cérebro e que ele voltasse a sentir as agonias da guerra.
Mas ele vencera.
Harry puxou o lençol de cima de suas pernas e as palmas dos pés tocaram o chão frio de cerâmica. Os passos ainda eram trôpegos e ele se apoiava nos encostos das cadeiras ou nos moveis que se encontravam no caminho. As ondas frias de ar entravam em contato com a pele quente do homem, os olhos ainda tentavam enxergar mais do que podia ser concebido pela escuridão que o quarto mergulhava e foi quando ele chegou a porta branca ao lado de sua cama e ascendeu a luz que ficava em cima do espelho que viu.
Os cabelos um pouco maiores escondia os orbes verdes que pareciam duas jades de tão escuros, os cabelos negros ainda eram despenteados e a cicatriz em forma de raio era coberta pela franja negra. Os ombros estavam largos e a face mostrava as curvas grossas do homem de trinta anos. Os lábios firmes, os braços definidos de músculos contraídos, o abdômen definido, as pernas grossas pelos anos de treinamento de Auror, as mãos calejadas e os dedos médios. As bochechas ásperas e acinzentadas pela barba ainda para fazer, e os olhos fundos.
O quanto ele já tinha sofrido.
Uma linha alaranjada já ficava espessa pelo horizonte, o dia já começava a raiar. Ass trevas iam se dissipar do mundo. Pelo menos naquelas poucas horas que lhe restavam de paz...
Moscou era um novo país, um novo mundo para que Harry Potter conseguisse fugir de seus piores pesadelos, de sua culpa e das almas que jaziam em um purgatório. O peso que ele carregava em sua cruz de todas as famílias que perderam pessoas queridas, das crianças órfãs...
Ele sabia que seu destino era esse.
Estar só.
Ser só
Ficar só
Continua...
