Carcaça


História escrita para a Semana Shun de Andrômeda, um desafio promovido pela comunidade Saint Seiya Super Fics Journal.


Horas. O sol já tinha percorrido mais da metade de seu arco diário, e a claridade, tão forte na ilha de Andrômeda, começava a ceder. Não que Shun realmente se importasse com o tempo. Estivera parado desde que acordara, com os olhos focados na janela aberta, esperando. O sol acordava, subia no horizonte, produzia o calor infernal, descia e ia dormir, circulando um vazio. Todos os dias, de todas as estações. E isso era bom. Era prova de que eles tinham vencido Hades.

Seiya tinha recebido um enorme enterro. O choro de Seika ainda ecoava em seus ouvidos. Imaginava, pela dor de Ikki, como seria perder o irmão caçula que tanto protegera. Devia ser tão duro quanto perder um filho. Ele sabia como era perder um pai, desde a morte de Daedalos.

Supostamente deveria sentir-se feliz. Ganharam. Foi uma vitória difícil, e eles mereciam comemorar. Só que, quando tentava dizer qualquer coisa animada, palavras mudas morriam no ar sem alcançar qualquer ouvido. Mais difícil que vencer era festejar. Se Seiya ao menos estivesse ali... Ele tinha sido seu melhor amigo desde que se tornaram cavaleiros. Se estivesse ali, certamente arrancaria um sorriso de todos com seu jeito engraçado de ser.

O único som era das ondas, num leve e charmoso beijar-e-fugir. Prestando atenção, ele tentava encontrar uma onda igual à outra, mas todas eram diferentes. Cada uma possuía a sua própria forma e alcance. Algumas duravam mais, outras menos. Mas todas se esticavam preguiçosas sobre a terra no fim de suas existências.

Perdera tanto. Restara ruínas. Guerras iam e vinham. Rasgavam por dentro, magoavam, traíam, matavam, clamavam o ódio, a carnificina, e riam dos homens, e riam de tudo, pisavam em tudo, nadavam no sangue, comiam entranhas, cagavam cadáveres. Devastavam-no. No fim, restara-lhe um invólucro oco.

As águas voltavam. Shun desejou que não retornassem. Mas vinham, por quantas vezes o infinito permitia, molhando tudo, desmanchando castelos de areia, escurecendo o solo, sem que ninguém pudesse impedi-las. Observava as ondas há... Horas.

Alguém se sentou ao seu lado. Shun não se virou. Era June.

"Shun. Fale comigo, por favor."

...

"Shun."

...

"Shun..."

Abraçou-o, com força. Ele tinha prometido voltar vivo. Mas ali não existia mais vida. Só ruínas.

"Só uma palavra, por favor..."

...