Título: Até que a Morte nos Separe
Autoria: FireKai
Género: Geral, Romance, Humor, Mistério
Sumário: O que acontece quando se junta um casal idoso, uma rapariga solteira, uma empregada brasileira, um viúvo e uma coscuvilheira? Acontecem muitas peripécias. Acompanhem as histórias destas personagens e as suas aventuras do dia a dia.
Esta é a história de um casal idoso, que agora se dá mal, após vários anos de casamento. O casal vive com a sua filha e a empregada, num apartamento como tantos outros. Muitas coisas estão reservadas a esta família, entre surpresas e romances. Terá a história deste casal idoso um final feliz?
Até que a Morte nos Separe
Capítulo 1: Um Casal Idoso
Amílcar e Florência Barroso estavam à mesa da cozinha, a tomar o pequeno-almoço. Amílcar sempre fora baixo e um pouco anafado e agora que tinha 63 anos, não tinha mudado. Apenas tinha menos cabelo e o que lhe restava tinha-se tornado branco. Florência, por seu lado, era um pouco mais alta que o marido, usava o cabelo pintado de castanho avermelhado e tinha cabelo pelos ombros. Ambos tinham personalidades complicadas, principalmente Florência.
A empregada do casal, Marileia Jeropiga, uma jovem de 27 anos, com cabelo preto e longo e de origem brasileira estava nesse momento a arrumar os quartos e Verónica, uma das filhas do casal e a única que ainda vivia com os pais, apesar de já ter 35 anos, tinha saído para trabalhar. Verónica possuía longo cabelo castanho e olhos da mesma cor. Sendo assim, o casal estava a tomar o pequeno-almoço a sós, mas não sossegadamente.
O casal, Verónica e Marileia viviam num prédio com seis andares, no centro da cidade. Amílcar e Florência viviam lá à bastante tempo. Tinham lá criado os três filhos e agora dos três apenas Verónica ainda permanecia com eles. Marileia tinha sido contratada para trabalhar para eles, ajudando na casa, há quase dois anos e tinha um quarto seu, que em tempos pertencera a um dos filhos do casal. Nessa manhã, como era costume, Florência e Amílcar estavam na disposição de implicar um com o outro.
"Hoje estás com uma cara ainda pior do que o costume." disse Florência, olhando para o marido. "Parece que foste atropelado por um camião, morreste e voltaste à vida."
"E tu que não me criticasses. Não te deves andar a olhar ao espelho, com certeza. Esse teu cabelo parece que não é lavado há anos. É quase um ninho de ratos."
"Pois fica sabendo que eu sou muito lavadinha. Tomo banho todos os dias."
"Ah pois, isso sei eu! Tenho de estar imenso tempo à espera que tu saias da casa de banho, porque demoras imenso. Mas enfim, estás um bocado gorda, por isso tens mais para lavar."
Florência lançou um olhar frio ao marido, que pareceu indiferente, trincando uma torrada barrada com manteiga.
"Olha lá, tens o seguro de vida em dia?" perguntou Florência.
"Tenho. Paguei-o o mês passado. O meu e o teu."
"E até quando é que é possível termos os seguros de vida?"
"Até aos 65 anos."
"Então só podes ter o seguro mais dois anos. E se tu morreres depois disso, não recebemos nada."
"Não. Só se eu morresse antes."
"Então porque é que não morres de uma vez?" perguntou Florência, bebericando um pouco de café.
"Mas agora queres ver-me morto?" perguntou Almicar, zangado.
"Quer dizer, não é que deseje que morras mesmo, mas o seguro de vida dava imenso jeito, que eu no outro dia vi uns vestidos muito bonitos numa montra, mas não temos dinheiro para os comprar." respondeu Florência. "Já é difícil mantermos isto, mesmo com a Verónica a pagar o ordenado da Marileia. Podias bater as botas, eu recebia uma quantia generosa e ficava tudo bem."
"Tudo bem para ti, mas para mim não, que estava morto."
"Ora, estavas em paz."
Amílcar revirou os olhos, aborrecido com a conversa. Florência comeu uma torrada e voltou à carga.
"Olha lá, o seguro aplica-se se tu te suicidares?" perguntou ela.
"Não, obviamente que não. Também, para que é que eu me queria suicidar?"
"Sei lá, podia acontecer. Enfim, parece então que tinha de ser um acidente... talvez veneno no café..."
Amílcar, que estava nesse momento a beber um gole de café, cuspiu o café e levantou-se, sobressaltado. Florência riu-se.
"Calma, homem. Eu não te envenenei o café. Nem fui eu que o preparei, foi a Marileia." disse ela. "Senta-se e acaba de tomar o pequeno-almoço."
"Agora perdi a fome."
"Que susceptível que tu és. Eu nunca te ia matar. Tinha lá coragem para isso. E depois se tu morresses, com quem é que eu implicava?" perguntou Florência. "És mesmo alarmista. Já quando foi no nosso casamento, foi a mesma coisa."
"Não vamos falar disso outra vez..."
"Eu ainda me lembro, estava eu ali para dizer se aceitava ou não casar contigo e tu a tremer que nem varas verdes e antes de eu dizer alguma coisa, começaste logo a gritar que eu não ia aceitar, que a tua vida estava desfeita. Foi uma vergonha."
"Eu estava maluco."
"Ah pois estavas, a fazer aquele barulho todo."
"Estava era maluco porque quis casar contigo."
Florência empertigou-se, ofendida.
"Pois eu é que não devia ter dito o sim. Agora tenho de conviver com um velho rezingão."
"Bem, eu vou mas é dar uma volta." disse Amílcar. "Até logo."
"Vai pela sombra."
Amílcar saiu da cozinha, enquanto Florência terminava o pequeno-almoço.
"O seguro de vida dava jeito, mas se calhar também se podia arranjar alguma coisa para o seguro contra todos os riscos. Uma perna partida ainda podia arrecadar bom dinheiro. Ou isso ou ponho o Amílcar a vender pipocas ao pé do centro comercial, a ver se ganha algum dinheiro. Hum, vou pensar nisso."
Depois de ter terminado de tomar o pequeno-almoço, Florência foi sentar-se na sala e acabou por se esquecer dos seguros e de pôr o marido a vender pipocas quando a sua filha Verónica chegou a casa.
"Verónica, então mas já estás em casa?" perguntou Florência, surpreendida. "Não devias estar a trabalhar?"
Verónica, com um olhar desolado, foi sentar-se ao lado da mãe no sofá da sala.
"Devia, mas fui despedida." respondeu Verónica.
"Foste despedida? Mas o que é que aconteceu? Não me digas que a sapataria foi à falência?" perguntou Florência. "Hoje em dia vê-se as fábricas todas a fechar, mas as sapatarias não ou pelo menos não com tanta frequência."
"A loja não vai fechar, mãe. O patrão é que se irritou comigo e despediu-me."
"Então mas irritou-se porquê? Não me digas que te puseste outra vez a cantar no meio da loja. Já da outra vez te repreenderam por isso. Filha, tens de meter na tua cabeça que não tens voz para cantar."
"Não foi por causa disso, mãe. É que eu interpretei mal os sinais..."
"Verónica Sofia, tu explica-me lá isso bem. Sinais? Quais sinais? Que eu saiba não há sinais de trânsito dentro da sapataria."
Verónica suspirou. Estava bastante aborrecida por ter sido despedida e por ter o coração partido, mais uma vez.
"É que, há uma semana que quando o meu chefe se virava para mim, piscava-me o olho, mãe. E eu fiquei logo a pensar que ele estava interessado em mim. Por isso, hoje ele piscou-me outra vez o olho e eu agarrei-me a ele e beijei-o." explicou Verónica.
"Ah, já estou mesmo a ver! O ordinário aproveitou-se de ti e quando teve o que quis, despediu-te. Mas eu dou cabo dele! Marileia! Vem cá Marileia! Traz-me o rolo da massa, que eu vou partir os cornos ao ex-patrão da minha filha!" gritou Florência.
"Mãe, não é nada disso!" exclamou Verónica.
Por essa altura, a empregada brasileira Marileia Jeropiga apareceu, usando um avental e uma mini-saia, como era costume.
"Cê chamou dona Florência? Que é que a senhora quer?" perguntou Marileia.
"Marileia, não é nada. Podes ir. A minha mãe é que percebeu tudo mal." disse Verónica.
Marileia não pareceu nada satisfeita e saiu dali, murmurando que todos os portugueses eram malucos.
"Filha, explica-me então o que se passou. Se ele te andava a piscar o olho, porque é que te despediu por o teres beijado?" perguntou Florência, curiosa.
"Ele despediu-me porque está com um problema no olho. Uma questão de nervos e o olho põe-se para ali a piscar sozinho de vez em quando. Eu é que interpretei mal os sinais. Ele piscava-me o olho por causa desse problema e não por estar interessado em mim. Agora estou desempregada e não tenho ninguém interessado em mim. Sou uma infeliz!"
De seguida, Verónica começou a chorar copiosamente. Nunca tinha tido muita sorte no amor.
"Ó filha, pára lá de chorar que isso não resolve nada." disse Florência. "Pronto, arranjas outro emprego. E homens é o que não faltam por aí."
"Mas ninguém me quer! Quase todas as minhas amigas namoram. Algumas até têm dois ou três namorados ao mesmo tempo e eu, nada! Devo ser muito desinteressante..."
"Ó filha, mais vale estares só que mal acompanhada. Ainda me lembro daquele teu namorado, o Joca, que andava todo tatuado. Tu gostavas dele, mas depois veio cá a casa, roubou-me as jóias e ainda apalpou a Marileia! Estás melhor sozinha. Olha para mim, se fosse hoje não me tinha atrelado ao teu pai, que não me larga." disse Florência.
"Mãe, não digas mal do pai. Vocês já estão casados há tanto tempo..."
"Pois é. Tempo demais. Enfim, agora também não importa." disse Florência. "Mas deixa estar filha, que eu vou resolver o teu problema do teu trabalho."
"O que é que vai fazer, mãe?" perguntou Verónica, desconfiada, já sem chorar.
"Logo vês. Logo vês."
Enquanto isso, Amílcar, depois de ter dado um passeio, tinha decidido ir à casa do seu amigo Ambrósio Pêra, um viúvo de 65 anos, que Amílcar conhecia desde pequeno. Bateu à porta da casa e Ambrósio veio abrir.
"Amílcar, entra, entra." disse Ambrósio, deixando o amigo entrar dentro de casa. "Ainda bem que apareceste. Estava para te ligar."
"Porquê? Tens alguma novidade?"
"Ah pois tenho, Amílcar. Sabes, estou farto de estar sozinho. Pus um anúncio no jornal." respondeu Ambrósio, abanando a cabeça. "Para procurar uma companheira."
"Um anúncio no jornal? Não sei se isso é muito boa ideia."
"É sim senhor. Vais ver. Hão-de responder imensas mulheres e depois eu escolho a que achar melhor para mim." disse Ambrósio. "Ainda me caso outra vez."
"Outra vez Ambrósio? Já te casaste três vezes!"
"Pois, mas as minhas mulheres morreram todas, por isso tenho de arranjar outras. Agora, vou arranjar a quarta."
Algum tempo depois, de volta à casa da família Barroso, Florência estava pronta para sair. Verónica estava no seu quarto, a ligar a uma amiga que estava de férias e tinha tempo para ouvir os seus queixumes.
"Onde a senhora vai, dona Florência?" perguntou Marileia, curiosa.
"Vou até à sapataria onde a minha filha trabalhava." respondeu Florência, abotoando o seu casaco verde.
"Acho muito mal ela ter sido despedida." disse Marileia, abanando a cabeça.
"Ah, empregada brasileira dos diabos! Andaste a escutar as conversas outra vez." disse Florência, aborrecida. "Estás sempre atenta. És quase tão má como a Belmira. Bem, mas não importa. Vou à loja convencer o ex-patrão da minha filha a dar-lhe o emprego de volta."
"Ah, acho difícil, né? Como é que a senhora vai fazer isso?"
"Eu tenho os meus meios. E tu é melhor rezares para que corra tudo bem, porque era do ordenado da Verónica que pagávamos o teu, senão temos de te dispensar."
Mirelia arregalou os olhos e deixou cair no chão o espanador que tinha nas mãos.
"O quê? A senhora vai me dispensar dona Florência?"
"Não sei, mas se não tivermos dinheiro para pagar o teu ordenado, vai ter de ser." respondeu Florência, pegando na sua mala. "A não ser que queiras trabalhar de graça."
"De graça uma ova! Eu tenho de ter dinheiro para viver."
"Pois, bem, eu hei-de convencer o ex-patrão da minha filha a dar-lhe o emprego de volta. Até logo."
Florência saiu porta fora e foi em direcção à sapataria onde Verónica tinha trabalhado. Ao chegar lá, pediu para falar com o patrão.
"Mas qual é o assunto?" perguntou uma das empregadas, chamada Teresa Mangueira, uma mulher com cabelos castanhos e olhos escuros.
"É confidencial, mas muito importante." respondeu Florência. "Vá lá chamá-lo. Ou então leve-me até ele."
"Pois, mas não sei se será possível falar com o patrão."
"Olhe lá, já me está a enervar! A minha filha já trabalhou aqui. É Verónica. E eu quero falar com o patrão, senão começo a partir isto tudo!"
Florência lançou um olhar mortífero à empregada e ela apressou-se a desaparecer por uma porta, voltando pouco depois.
"Venha comigo. O patrão vai recebê-la."
Florência seguiu Teresa até um pequeno gabinete, onde estava sentado o patrão, Jonas Manjerico, um homem de trinta e nove anos, com cabelo loiro escuro e olhos verdes.
"Temos de falar, ó senhor patrão." disse Florência.
Teresa apressou-se a fechar a porta atrás de si e sair do gabinete.
"A Teresa já me disse quem a senhora é, mas se veio aqui pedir para eu readmitir a sua filha, pode dar meia volta e ir embora." disse Jonas. "Não vai acontecer."
"Ai é? Pois você não me conhece, ouviu?" perguntou Florência, vermelha de fúria. "Como é que se atreve a despedir a minha filha, por causa de um pequeno incidente?"
"Um pequeno incidente, se faz favor. Ela beijou-me!"
"E você, como homem que é, devia era ter ficado orgulhoso, seu cabeça de alho chocho! Mas não, despediu-a. Quero que a volte a readmitir e é já!"
"Nem pensar." recusou Jonas, abanando a cabeça. "Já disse que não."
"Ai é? Pois eu vou difamar esta loja e a você também! Vai ficar falado na cidade toda. Ah, vai ver quando eu contar que a minha filha foi despedida porque beijou o patrão. Vai começar a ser olhado de lado. Não se preocupe que eu faço questão de dizer a toda a gente que é homossexual."
"Mas não sou! É mentira!"
"Ai é? Pois deve ser, mas em que é que as pessoas vão acreditar? Em mim, é claro. E vou fazer uma mezinha para lhe começar a correr tudo mal! E vou arranjar homens para virem aqui declarar-se a si e envergonhá-lo! E vou contratar um gang para lhe dar porrada! E ainda vou descobrir onde moram os seus pais e contar-lhes umas mentiras! E depois, se o vir a atravessar a rua, atropelo-o!"
Jonas engoliu em seco, olhando para a mulher à sua frente. Um bocadinho para o gorda, mais baixa que ele, mas definitivamente ameaçadora e dava a ideia que iria cumprir tudo o que prometia.
"Er... pronto, se calhar precipitei-me, sabe? Pode dizer à Verónica que afinal não está despedida. Ela que volte amanhã, para recomeçar a trabalhar." disse Jonas.
"Ah, assim é que é." disse Florência, parecendo mais satisfeita. "E espero que não lhe desconte o dia, senão..."
"Claro que não vai ser descontado. Nem tirado do período de férias dela." assegurou Jonas.
"Óptimo. E por tudo isto, que feriu muito os seus sentimentos, ela merece um aumento."
"Um aumento?"
"Sim, um aumento, senão..."
"Está bem, está bem. Dou-lhe um aumento." disse Jonas, rendido.
"Óptimo. Bem, então como já está tudo resolvido, vou indo. Foi um prazer falar consigo."
Florência levantou-se e preparou-se para ir embora, mas depois hesitou.
"Mais uma coisa. Quero que a convide para jantar, ouviu?"
"O quê? Ei, mas isso já é fora do trabalho!"
"Olhe lá, mas você quer que eu cumpra as minhas ameaças?"
Jonas engoliu em seco e acenou negativamente.
"Está bem, eu convido a Verónica para jantar."
"Muito bem, assim é que é. Tem de ser obediente. Hum, dava um bom marido para a minha filha."
Florência foi-se embora, enquanto Jonas se recostava na sua cadeira. Aquela mulher era assustadora. Tirou um frasco de comprimidos duma gaveta e tomou um, pois o seu olho estava novamente a piscar involuntariamente devido aos nervos.
"Bolas, coitado do homem que a tiver como sogra." pensou ele. "E o raio do olho não pára de piscar. Vá lá que o médico me disse que mais três comprimidos e isto fica resolvido, senão ando aí a piscar o olho a toda a gente."
Algum tempo depois, Amílcar chegou a casa. Marileia estava a fazer o almoço e tinha uma cara muito pouco alegre, além de que o almoço estava com um aspecto esquisito.
"Marileia, o que é que se passa para estares com essa cara?" perguntou Amílcar.
"Foi a sua filha, que se atirou ao patrão, foi despedida e agora eu estou quase a perder o meu emprego." respondeu Marileia. "Eu não quero perder o meu emprego, senhor Amílcar."
"Tem lá calma e explica-me melhor essa história."
Marileia contou a Amílcar o que se tinha passado e por sua vez, Amílcar foi falar com a sua filha Verónica. Não ficou nada satisfeito com o que tinha acontecido.
"Esta não foi a educação que te demos, Verónica Sofia!" exclamou Amílcar, aborrecido. "A andar para aí a beijar toda a gente!"
"Pai, não beijei toda a gente. Foi só o meu chefe e porque pensei que ele estava interessado em mim." disse Verónica. "Eu tenho de arranjar um namorado! Não quero ficar encalhada como o Titanic."
"Deixa-te dessas ideias, Verónica. Se eu soubesse o que sei hoje, se calhar tinha ficado sozinho, em vez de andar para aqui a aturar a tua mãe." disse Amílcar. "E o Titanic não encalhou, foi mesmo ao fundo. Agora, ganha juízo."
Pouco depois, Florência chegou e sentaram-se os três para almoçar na sala de jantar, enquanto Marileia servia o almoço, com cara de poucos amigos, lançando olhares irritados a Verónica.
"Filha, consegui o teu emprego de volta." disse Florência, orgulhosa.
"A sério, mãe? Mas como?"
"Ora, mostrei ao teu patrão que tu fazias falta na sapataria." respondeu Florência. "Ele concordou comigo e deu-te o emprego de volta. Podes voltar ao trabalho amanhã. E vais ter um aumento. Tudo isto, graças ao meu poder de persuasão."
"Ou seja, chantageaste o coitado do homem." disse Amílcar, abanando a cabeça.
"Isso quer dizer que eu já não vou ser despedida e não tenho de ir viver para debaixo da ponte?" perguntou Marileia.
"Não. Continuas aqui a aturar-nos." respondeu Florência.
Marileia ficou tão feliz que começou a dançar, subindo para cima da mesa e depois começando a cantar. Verónica arregalou os olhos, surpreendida, enquanto Amílcar tentava espreitar para debaixo da saia de Marileia. Florência deu um murro na mesa.
"Sai de cima da mesa, Marileia!" gritou ela.
Marileia parou de cantar e desceu da mesa.
"Estão tão feliz que vou fazer um bolo!" exclamou ela, indo em direcção à cozinha.
Depois do almoço, Verónica foi ligar a uma colega e tocaram à campainha. Marileia estava ocupada a fazer o bolo, pelo que foi Florência a abrir a porta. Deparou-se com a sua vizinha do andar de baixo, Belmira Gervásio, uma velhota de 62 anos, de cabelo branco e que vivia com seis gatos. Nesse momento, trazia um deles ao colo. Um gato de pêlo todo branco.
"Olá vizinha. Ouvi barulho e vim cá ver o que se estava a passar." disse Belmira.
"Sempre à escuta, não é Belmira? Pois não se passou nada. Volte lá para a sua casa, para ao pé dos seus gatos." disse Florência, que não tinha paciência para a vizinha coscuvilheira, que queria saber a vida de toda a gente.
"Ó vizinha, mas logo hoje que eu até trouxe comigo o meu gato Bernardo Sampaio, que é tão sossegadinho. Pensei que pudéssemos falar por uns minutos."
"Pois, mas não. Eu ainda me lembro que na semana passada lhe disse que às vezes dava uns encontrões ao Amílcar e você disse a toda a gente que eu lhe dava porrada todos os dias. Vá, ponha-se a andar."
Florência fechou a porta na cara da vizinha.
"Quem era?" perguntou Amílcar.
"Era só a chata da vizinha Belmira."
"Eu ainda estou aqui e ouvi isso!" exclamou Belmira do outro lado da porta.
Irritada, Florência pegou num jarro de flores que estava ao pé de si, abriu a porta, tirou rapidamente as flores e lançou a água do jarro para cima de Belmira, molhando-a a ela e ao gato Bernardo Sampaio, que fugiu pelas escadas abaixo.
"Ai! Bernardinho, volta aqui!"
Belmira saiu dali rapidamente, enquanto Florência fechava novamente a porta.
"Pronto, acho que lhe deve ter refrescado as ideias, a ver se não vem cá mais chatear."
No dia seguinte, Verónica regressou ao trabalho e o seu patrão convidou-a para ir jantar.
"Jantar? Está a sentir-se bem?" perguntou Verónica, desconfiada.
"Estou. Fica marcado para amanhã à noite. Não falte." disse Jonas, regressando ao seu gabinete rapidamente.
"Oh, isto foi interessante." disse Verónica, ainda atordoada.
A sua colega Teresa aproximou-se dela.
"Ena, o patrão convidou-te para jantar." disse ela, abanando a cabeça. "Foste despedida, a tua mãe veio cá ralhar, foste readmitida e agora o patrão convida-te para jantar. Grande reviravolta."
"Sim."
"Se calhar com o beijo que lhe deste, ele agora apaixonou-se por ti."
"Será?" perguntou Verónica, corando subitamente. "O patrão, apaixonado por mim?"
"Pode ser. Olha, aproveita o jantar de amanhã à noite e ficas logo a saber as intenções dele."
"Sim, é o que vou fazer." disse Verónica, sorrindo, cheia de esperanças.
E assim termina este primeiro capítulo. Espero que tenham gostado. Até ao próximo capítulo!
