O chapeleiro andou em direção às portas do castelo, com a espada em mãos e uma decisão. Estava pronto para tudo.

Andando lentamente, só pensava em uma coisa: Alice. Sua preciosa Alice. Faziam meses, anos, séculos, mas ele não ligava. Amaria-a para sempre. Queria poder parar, queria poder deixar isso de lado, mas era impossivel para sua mente, que reconhecia nela coisas que não reconheceria em mais ninguém. Ela era o fruto de seu amor. Impecavel, corajosa e linda.

Abriu a porta e entrou. O castelo estava vazio, o que era estranho, mas todos deveriam apenas estar admirando uma partida de croquete mal jogada e aplaudindo, feito idiotas que nada mais podem fazer do que isso e, pobres deles, ai se não fizerem.

Como amavam a rainha de copas.

Claro. Este amavam foi no sentido irônico.

O Chapeleiro andou mais um pouco e foi subindo as escadas. O lugar era enorme e confuso, porém não tão confuso quanto sua mente naquele momento. Eram muitos pensamentos... Estava terrivelmente cheio lá. Cheio de amor e cheio de ódio.

Derrubou quadros, revirou mesas, apenas por pura raiva. Raiva de seu amor não correspondido. Raiva da rainha e raiva dos seus súditos. Raiva de seus amigos que não apoiaram sua decisão e raiva de onde mora. Um lugar que não possibilita para ele ficar perto de Alice, sua Alice.

Entrou em uma sala que descobriu ser a sala do trono. Atravessou e olhou tudo. Os tapetes, cadeiras, mesas, colunas, enfeites, tudo, tudo era vermelho. Lembrava-lhe sangue. Todo o sangue que vira em sua adolescência...

Disseram-lhe uma vez que o tempo ali não passava como passa no mundo de fora. Olhou-se em um espelho que ali tinha. Ele não podia ter mais de vinte e quatro anos, era o que o espelho dizia. Deveria ter vinte e dois, no máximo.

Numa raiva louca, o Chapeleiro quebrou o espelho e chorou. Quantos séculos teria? Não queria nem saber.

- Ora a senhora estava esplêndida esta tarde – ouviu uma voz feminina dizer – Esplêndida, vossa majestade – ele olhou para os cacos do espelho, mas não ligou e se escondeu atrás do trono. Esperou os súditos entrarem, o que aconteceu logo em seguida.

- Obrigada, querida – disse a rainha – Eu sou talentosa para essas coisas, obviamente – sentou-se no trono e enquanto os súditos riam, o Chapeleiro pegou e puxou sua espada para mais perto.

- Ouviram alguma coisa? – parou-os a rainha e olhou para os lados. O homem foi rápido.

- Ouviram sim, vossa majestade – respondeu, saindo de trás do trono – O SOM DA SUA CABEÇA ROLANDO – e então, com um golpe, arrancou a cabeça da rainha de copas fora, bem em frente dos seus súditos. A cabeça rolou no chão e acabou caindo aos pés da mulher que antes tinha falado que sua rainha era ótima em croquete. Uma risada maníaca cortou o ar e os olhos da cabeça foram para o chapeleiro. O mesmo andou lentamente até a rainha e tirou a coroa de sua cabeça. Era grande, proporcional a sua cabeça. O homem a jogou pela janela e olhou para os súditos de novo. Estava louco, mas não o louco habitual, que era de costume e sim um louco mortal um tipo de loucura que só os apaixonados tem chances de provar, as vezes uma, as vezes multiplas vezes em suas vidas, e sobreviverem. A loucura do cíume e a loucura da saudade. Aquele homem era mortal.

- Agora vocês servem a mim – e, sentando no trono, o chapeleiro deu as devidas ordens e fez questão de que qualquer pessoa que tivesse algo contra seu reino fosse morta. As pessoas daquela sala não se opuseram ao reinado e fizeram exatamente como faziam com a rainha: puxaram seu saco, elogiaram ele e disseram-lhe o quão perfeito era, na esperança de que um dia fossem livrados daquele tormento.