Presença
onde você está?
Os risos e sorrisos trancados a sete chaves e sete palavras que ele não queria dizer.
Ainda conseguia ver o irmão do outro lado dos espelhos. Todas as manhãs, ele estava lá. Sem rir ou falar, somente estava lá, porque Fred ainda existia. Ninguém morre totalmente. Ninguém vai embora quando alguém que o ama ainda está vivo. Fred vivia, pois George o queria vivo.
Era difícil olhar para os espelhos e ver Fred dentro deles. Ver o próprio reflexo e ver o rosto do irmão, ver o seu próprio rosto e ver o dele. Tão iguais. Assim era menos difícil fingir que Fred ainda estava ali.
Durante o dia ele não se despedia, não dizia oi não se cumprimentavam. Não dizia nada. Deixava o silêncio falar por ambos, ou só por ele, ou por nenhum dos dois. Das poucas vezes que sorria, era porque se pegava olhando horas para o espelho e fingindo que era Fred que o olhava, e ele ri, pois vivia na ilusão de que assim seria mais fácil viver.
Quando ia dormir ele se despedia dele mesmo, ou de Fred, ou de ninguém. Quando não ouvia a voz mais rouca que a sua dizendo que estava sem sono, ou quando acordava de madrugada e não ouvia o ressonar leve que só Fred tinha. Todas as noites eram despedidas, dele para ele mesmo. Para o mundo. Para ninguém.
Eram pequenas despedidas, pequenos atos que o faziam lembrar que Fred já tinha ido, e ele nem tinha conseguido se despedir. Ele se despedia dele mesmo, pois não teve como se despedir do irmão. Despedir-se de quem já se foi era mais fácil, mais simples, mais errado, como ele era. Como Fred também era...
Todas as manhãs Fred voltava, por detrás dos espelhos, nos barulhos das coisas que caíam no chão, nas músicas alegres que o rádio ainda tocava, nas piadas que contava para si mesmo em silêncio. Era como alguém que chegava todas as manhas e ia embora aos poucos, bem aos pouquinhos, para no dia seguinte estar ausente na sua presença. Sem existir permanecendo. Sem se despedir se despedindo Sem fazer silêncio calando. Fred se despedia em todas as noites. Para voltar nas manhãs, sem nunca mesmo voltar.
-x-
George ainda vivia. Fred só vivia menos, mas também vivia. Em cada chegada de um novo vento, ou quando George lembrava que um dia ele tinha existido. Ou ainda existia, em cada alvorecer, em cada sol, em cada minuto de silêncio. Fred vivia além dos espelhos, pois vivia em tudo em e em nada. Despedia-se sem dizer nada. Chegava dizendo tudo. Quem se despede é quem continua vivo, quem vai embora ainda existe, permanecendo em tudo que nos rodeia.
