Aviso legal: propriedade intelectual de Masashi Kishimoto.
Anata
por Geropi
#1
Estava escuro quando ela o chamou de querido pela primeira vez.
Naquele dia, sua voz feminina – que se transformava num sussurro, numa prece e num conforto – pareceu nunca chegar. Ele estava tendo uma péssima noite de sono, revirando-se na cama madrugada adentro conforme o pesadelo de longa data – um conhecido nebuloso e incômodo – povoava seus sonhos.
Na época, fazia alguns meses que não precisava se preocupar com a ideia de acordar no meio da noite suando, ofegando e percebendo os dedos fechados em punho, duros como uma rocha, completamente irritado com o grito não feito agarrado na garganta, estrangulando-a.
Cada segundo continuava doloroso como sempre o era, sendo destruído enquanto dormia, mesmo que se agarrasse no som longínquo que chegava aos seus ouvidos como se fosse uma tábua de salvação, refúgio para a perseguição interna.
Sakura chamou o nome do Uchiha por diversas vezes, ligando a luz do abajur, tomando seu rosto entre as mãos – aflita e confusa. Ele era um ninja. Naturalmente, o menor barulho já deveria despertá-lo, e não somente porque o moreno sempre tivera um sono sensível.
Sendo franca, não entendia. Não estavam viajando há tanto tempo juntos, era a segunda vez que ficavam numa pousada desde que iniciaram a jornada e a primeira que o via de tal maneira. Seu coração se apertou.
— Sasuke-kun.
As pálpebras responderam com um tremor, nada mais. Sakura sabia de tudo. De toda injustiça, crueldade e cicatrizes que ele colecionava; embora o Uchiha nunca parecesse demonstrar vontade de dividi-lo, o fardo a machucava também, coisas que só podia imaginar.
Tentou tirá-lo daquele inferno pessoal, sacudindo-lhe os ombros quase grosseiramente. Sasuke nunca a prevenira sobre os pesadelos. Ele sinceramente pensou ter alcançado aquela pequena coisa que todo pecador arrependido busca: misericórdia. Se ela tinha, no entanto, isso não impediu aos seus fantasmas de roubaram-na tão devastadoramente numa noite comum como tantas outras.
Mas quando é que esse tipo de coisa marca hora para chegar, afinal?
A culpa era dele, quem sabe? Havia se permitido relaxar, pois todos os dias eram, de fato, felizes... e talvez tenha sido por isso que, uma vez despertado, abriu os olhos injetados de transtorno, se sentindo pior do que se lembrava ou, indo além, pior do que em qualquer outra ocasião em que isso se repetira e se repetira.
Mesmo quando sozinho.
Não. Estar só tornava tudo mais fácil. Como pudera esquecer essa sensação?
A pior parte da redenção era essa. Ele havia se desacostumado com a dor. E essa desintoxicação era angustiante, a mais violenta das abstinências.
No entanto, alívio percorreu por Sakura quando o brilho rubi e lavanda do sharingan e do rinnegan surgiram, a pupila desnorteada do rapaz procurando desesperadamente um ponto de fuga pelo quarto. A kunoichi tentou tocá-lo, mas como se não estivesse realmente consciente, Sasuke buscou afastá-la com o único braço.
Sua cabeça doía.
Ele nunca se lembrava perfeitamente do que via em seus sonhos, mas aquela torturante aflição e o desespero de ter o coração arrancado fora era indescritível e persistente.
Viva como a morte fungando em sua nuca, o hálito podre. O mundo ao seu redor deixando de existir.
A médica resistiu, segurou-lhe o pulso, afastando a franja que cobria um dos olhos do rapaz, obrigando-o a olhá-la com atenção. "Sou eu", dissera. Repetira. "Sou eu". A testa do Uchiha estava coberta por uma película de suor e Sakura franziu as sobrancelhas, tomada por um sentimento de pesar.
Aos poucos, Sasuke voltou a si. Estava num local seguro com uma pessoa segura.
— É você.
Os dedos dele desprenderam-se da palma – machucada pelas próprias unhas –, controlado, ainda que sua respiração continuasse profunda. Procurou pelo rosto da esposa, seguindo o som frágil de seu alento.
Ela prendia os lábios entre os dentes e seus cílios estavam úmidos. Uma leve ruga de preocupação na testa. Ele nada disse para confortá-la, acalmá-la ou o que diabo fosse, tão amargamente frustrado que, maldição, não podia dizer nada.
Então, ela tinha visto. A pequena parte adormecida.
A sua fraqueza.
Procurou se sentar, libertando-se de Sakura, que, apoiada sobre os tornozelos, o permitiu fazê-lo, atenta. Sasuke jogou as pernas para fora da cama, apoiando os pés descalços no chão frio, de costas para ela. Esticou o braço e apagou a luz do abajur, em silêncio. Ela já tinha vislumbrado o suficiente daquela sua figura patética... ele também.
Quando tudo pertencia à escuridão, era melhor assim. Habitat natural. O Uchiha sentiu-se mais à vontade enquanto seus dedos ainda oscilavam insistentemente.
— Sasuke-kun, — Sakura sussurrou, agora ao seu lado, firme e angelicamente. Ouviu um farfalhar e soube ela estava pronta para se levantar — quer que eu busque um pouco de água?
— Não — Sasuke respondeu, procurando a esmo e repousando a mão sobre o joelho feminino, para mantê-la por perto. No fim, ela absolutamente não poderia se afastar agora. — Não.
A rosada hesitou, mas entendeu a segunda negativa e permaneceu onde estava, a sua mão repousando sobre a dele.
— Volte a se deitar, então — ela disse, complacente. Sasuke calou-se. Um silêncio pesado, não daqueles que existem quando nenhum som é proferido, mas quando o assunto o incomoda ao ponto que se dispensa palavras. Sakura se adiantou: — Não vai acontecer de novo.
O Uchiha permaneceu imóvel. Ela não poderia saber. Sakura, no fim de tudo, não conhecia esse lado. O moreno nunca conseguira retomar o sono perdido. Refugiava-se em caminhadas exaustivas ou em treinos na madrugada, pois tinha consciência que qualquer tentativa de fingir que nada acontecera seria infrutífera ou desastrosa.
A kunoichi, no entanto, engoliu em seco sem desistir, puxando-o para si. O Uchiha, milagrosamente, acompanhou-a numa relutância ínfima. Se saísse para perambular agora por aquela vila estranha – e Deus sabe como ele estava tentado a isso – tinha certeza que Sakura o seguiria para se assegurar de que ele estava bem, como se precisasse de todos esses cuidados que pareciam um excesso para ele e para ela vinham tão, tão fáceis.
A médica o acomodou junto a si nos travesseiros, pressionando a cabeleira negra contra o peito num abraço quase sufocante.
— Você está gelado. — O corpo de Sakura ficou mais próximo, Sasuke sentiu, depois que, com uma mão, ela ajeitou o cobertor melhor sobre ambos. Podia ouvir o coração dela pulsando sob sua orelha, batidas dóceis e serenas. Ela sussurrou: — O q... o que você vê, Sasuke-kun? Nos seus sonhos. — Um estremecimento sutil dele. Nenhum retorno. — Se prefere não dizer...
— Eu não me lembro — Sasuke respondeu, enfim, mais seco que pretendia. Era algo que vinha e deixava sua impressão claustrofóbica. Às vezes pensava nos flashs que recolhera ao longo dos anos, sucateados. Talvez nem fosse mais o mesmo sonho, só... Estava trancado, disso tinha certeza, o ar sempre bolorento, jutsus não funcionavam. E havia tantas, tantas, tantas vozes e gritos. Era perseguido e perseguia.
— Nada?
O Uchiha balançou a cabeça, negando.
— Não é importante, você está exagerando. — Sakura não se convenceu.
— Não acho que você esteja certo. É importante.
— Hn.
Uma das mãos de sua esposa puxava os fios de seu cabelo para trás, a segunda deslizando pela franja naquele emaranhado aconchegante de braços e pele. Sasuke não viu forma alguma de sair dali sem parecer o mínimo grosseiro. Ficou, portanto, quieto e imóvel. Ocupando a mente com coisas completamente triviais, como aquele aroma conhecido enterrado nas narinas ou as espirais mecânicas de fios negros num indicador.
— Quando éramos gennins, isso...?
— Às vezes — Sasuke respondeu amargurado e se enfadou, cerrando as pálpebras. — Olhe, Sakura...
Ela suspirou.
— Não vou continuar perguntando.
Os minutos seguiram-se arrastados. O Uchiha acomodou-se melhor, convencido de que, apesar dos olhos fechados, não conseguiria dormir. No entanto, Sakura percebeu-o voltar, aos poucos, ao normal. O sopro vindo dos pulmões dele fazia cócegas na pele.
Na quietude e escuridão, garantiu docemente, tocando os lábios no princípio da testa masculina, movendo-os sobre ela:
— Vai ficar tudo bem, anata.
E, então, a palavra – tão pequena – distraiu-o. O Uchiha abriu os olhos.
— Que disse?
Sakura piscou.
— Oh, você não estava dormindo? Era... só disse que vai ficar tudo bem.
— Não isso.
— Uh. — Com um sorriso fraco nos lábios, consciente de que estava ligeiramente vermelha — Anata?
— Aa.
— Bem, eu... sempre quis...
— Hn.
Contendo um bocejo que o pegou de surpresa, Sasuke interrompeu-a silenciosamente. Não sabia se eram as espirais em seu cabelo ou se aquela posição estava muito confortável, mas uma preguiça e um adormecimento nos membros estavam surgindo, persistentes o suficiente para que ele só conseguisse erguer o braço e circundar a cintura feminina sem muita firmeza.
Sakura percebeu a aproximação sutil e seu o sorriso ganhou força, ele não havia feito nenhum comentário, nenhum resmungo. Para ela, era óbvio: anata. Poderia usá-lo, se quisesse.
Logo os os dedos tremulando e a pele fria desaparecem por completo. A única sequela presente eram as meias-luas na palma da única mão.
E, como nunca antes, Sasuke voltou a dormir – sem sonhos ou interrupções.
Os pesadelos, é claro, voltaram depois de algumas semanas, sem o menor incentivo, quando acamparam perto de Kirigakure.
A partir daí, contudo, vieram pouco frequentes, ao menos, ao longo dos outros meses. E, principalmente, as reações tornaram-se mais apáticas, ainda tendo como companhia a mesma dose de preocupação e os mesmos cuidados de sua esposa quando, enfim, os sonhos desapareceram em fumaça, sem Sasuke poder divagar realmente o porquê.
No entanto, sabia que, naquela noite escura, Sakura não voltara a adormecer, não pôde fazer nada a não ser confortá-lo com suaves sussurros, um aperto quase incômodo (oh, quase perfeito) e um tecer nas mechas negras como uma guardiã.
Céus, vai ficar tudo bem.
Tudo bem.
Nos braços de um anjo, voe para longe daqui: deste frio e escuro quarto de hotel e da imensidão que você teme. Você foi arrancado das ruínas e de seu devaneio silencioso. Você está nos braços de um anjo, que você encontre algum conforto aí – Sarah Mclachlan.
De todos meus clichês, esse, com certeza, é o meu favorito, estava morrendo de vontade de escrever sobre isso, então eu dedico esse texto a inteiramente a uma pessoa maravilhosa e estupenda: EU! heuheuehu. Se algum leitor ler e quiser saber: haverá mais? Sim. Se eu abandonei Tsumetai? Nãaao, só pensam no pior. Logo será atualizada. Até e nhacs! -Geropi.
