Pequeno ensaio sobre memórias e constatações
ou
Das coisas que Sam recorda
Sam se lembra de uma cama que servia como berço, de um urso de pelúcia e de uma fralda encardida que ele carregava pra lá e pra cá. Lembra-se do cheiro de mofo dos quartos em que ficavam e também do cheiro de suor, óleo e pólvora que cobria o corpo do pai.
Também se lembra das noites escuras em que o pai chegava de alguma caçada e do choro contido do irmão quando ele pensava na mãe, acreditando que ninguém o escutava.
Lembra-se de uma promessa, de um sorriso e de um abraço depois de um pesadelo. E a imagem de um menininho loiro de olhos claros é bem viva em sua mente – seja nos momentos em que estavam sozinhos sentados em algum sofá de molas vagabundo, seja dividindo um banco quando o pai os colocava no Impala e dirigia sem parar.
E ele se lembra do amor – das palavras nunca pronunciadas, mas contidas nos gestos; da sensação do irmão mais velho acompanhando-o como um anjo da guarda.
E de como, tempos depois, tudo isso o irritava profundamente: as lamúrias, o desejo de vingança, o pai, a vida nômade, os amigos esquecidos, as coisas que deixava de aprender, a presença de Dean. Ele se lembra de ter desejado que o irmão sumisse junto com o pai – e também se lembra de ter chorado de arrependimento logo depois.
Sam tem vagas lembranças de uma jaqueta de couro que era grande demais para qualquer um dos dois usar, mas que Dean insistia em colocar no corpo quando o pai saia sem dar explicação descente. Mas ele se lembra muito bem do calor do corpo do irmão com aquela jaqueta – e do cheiro de coisa velha e sonhos divididos que ela tinha.
Na sua lembrança, ainda dói a surra que levou de Dean – a mais violenta de todas; aquela em que seu nariz sangrou, seu lábio se partiu e seu olho inchou. Ele ainda consegue ver o irmão limpando seus curativos depois, abraçando-o com força logo em seguida.
Ele se lembra das toalhas macias, do olhar cansado do pai e do cheiro da colônia do irmão nas primeiras vezes em que ele se barbeou. Também se recorda da frustração de perceber que Dean já estava cansado dele. E então, as brigas.
Sam se lembra do Natal em que ele mandou o irmão se ferrar e disse que odiava ser chamado de Sammy. E também se lembra que o irmão parou de chamá-lo de Sam por muito tempo depois disso.
E Sam se lembra do vazio, da dor e da incompreensão de estar crescendo e de não se encaixar nos propósitos da família. Mas também se lembra das noites em que dividia a cama com o irmão e do tom baixo da voz enquanto conversavam sobre o que queriam ser e sobre o que fariam dali pra frente. Sobre planos e futuro.
E Sam se lembra de Dean quando criança, de Dean quando adolescente, de Dean quando jovem adulto. Dean. Dean. Dean.
Apesar de tudo que ele consegue lembrar, a única sensação vívida que ele tem é a da presença constante e garantida do irmão.
