Title: Crawler
A chuva ainda não tinha cessado quando se ouviram gritos do número treze de Hogsmeade. Ninguém na pacata vila sabia ao certo o que se passava naquela casa com o número do azar, mas já se começavam a inventar boatos de possíveis explicações para os estranhos barulhos que se ouviam todos os dias. Aquele dia tinha sido o pior de todos, ouvia-se o arrastar dos móveis pelo soalho e o barulho de gritos de horror e de fúria. Alguns comerciantes que acabavam de fechar as suas lojas apressavam-se em sair dali com medo de sofrerem alguma coisa com a situação.
Por fim a porta rangeu e abriu-se abruptamente, e um homem bastante encorpado e com as faces muito rosadas empurrou um pequeno rapaz para o lado de fora. O rapaz tentou debater-se mas as grandes mãos do homem envolviam todo o seu braço e apertavam-no com frieza.
Ouviu-se um ruído do lado de dentro, o homem voltou-se para trás e o rapaz aproveitou a sua distracção para lhe pontapear com violência nas partes baixas. O homem finalmente largou-o e o rapaz esgueirou-se pela casa, saltando por cima da mesa caída e das cadeiras espalhadas e partidas pelo chão.
Num dos cantos da casa estava uma mulher semi-nua, com um bebé no regaço e as pernas e braços estavam provavelmente partidos pois conseguia-se ver claramente o despontar dos ossos. O rapaz correu até ela e deslizou com os joelhos no chão para verificar se ela estava bem. Não, na realidade ela não estava bem, tinha o sobrolho aberto e a cara banhada em lágrimas e sangue, e estava num estado de imundisse extremo. Ela poisou uma das mãos na face pálida do rapaz e ele pôde sentir o coração dela bater muito rápido e descompassadamente.
- Leva o Tommy daqui. -suplicou com a voz arrastada e rouca de tanto soluçar.- Vocês não merecem ser educados nesta casa. -de seguida pegou no bebé do seu regaço e entregou-o aos braços do rapaz.- Por favor, não o mates como tentaste daquela vez, querido! Vocês são tudo o que eu tenho, eu vou procurar-vos quando a situação do vosso pai acalmar.
O rapaz olhou para o bebé que chorava e se contorcia nos seus braços com relutância, ele nunca gostara do irmão nem era agora que iria começar a gostar dele. Era feio, pequeno e despontavam da sua cabeça pequenos cabelos pretos encaracolados tal como o irmão e o pai.
O homem levantou-se e resmungou qualquer coisa incompreensível. A mulher, ao ver que tinha chegado a altura de eles fugirem, beijou a testa dos dois filhos e empurrou o rapaz para ele se ir embora. Ele ainda se deteve à porta, voltando-se para trás para ver o pai pegar numa das pernas de uma cadeira e utilizá-la para bater na mãe violentamente. Quando a mãe perdeu a consciência ou morreu, ele nunca soube o que acontecera naquela altura, o rapaz apercebeu-se de que tinha de fugir se ainda queria viver por mais um tempo. Apertou o bebé no seu peito e correu desastradamente pelas estradas lamacentas de terra batida, puxando por vezes o cabelo preto comprido para trás da orelha.
Estava de tal maneira molhado que não conseguia sequer distinguir se o seu corpo era água ou se era sólido. Precisava de encontrar urgentemente algum sítio seco e seguro para passar a noite sem que o seu pai o descobrisse e os trouxesse de volta a casa. Não havia ninguém na rua, e as pessoas que passavam diante deles não se importavam que uma criança e um bebé estivessem à chuva.
Era sempre assim desde que ele se lembrava, todos os dias quando o pai voltava a casa bêbado, batia na mãe. Já estava habituado à rotina, e se a tentasse defender acabaria ferido também. Mas nesse dia tinha sido diferente, ele estava fulo e fora de si porque achava que a mulher andava a sair com outro homem, o que na realidade era verdade, ele sabia que a mãe saía todas as manhãs com um jovem simpático que trabalhava no Flourish and Blotts. O rapaz deduziu que a esta hora a mãe provavelmente já estaria morta.
Uma brisa de ar quente proveniente do seu lado esquerdo fez com que ele parasse e olhasse para o lado. Era um beco sem saída e bastante estreito por sinal, situava-se ao lado de um restaurante e mesmo no fim do beco estava um forno gigante onde vários trabalhadores faziam pão. O rapaz não pensou duas vezes, entrou pelo beco e escondeu-se entre os dois caixotes de lixo que estavam perto da entrada. Pelo menos ali os pingos de chuva não eram tão fortes devido às telhas das duas casas quase juntas.
Tommy tinha-se debatido e chorado durante todo o caminho, ele estava habituado apenas aos braços da mãe, mas tinha de se habituar aos braços do irmão se queria ficar vivo. O rapaz tirou um naco de pão cheio de bolor do bolso das calças e partiu-o em dois, oferecendo uma metade ao bebé. Tommy pegou no pedaço de pão com agrado, mas depois atirou-o para o chão e deu uma risada para que o irmão brincasse com ele.
- Estúpido bebé! -gritou o rapaz, largando o bebé no chão de pedra e fazendo com que ele começasse a chorar descontroladamente.- Aquele pão era a única coisa que tinhamos para comer e tu atiras para o chão! Qualquer dia mato-te à fome para veres o que desperdiçaste.
Quando ele principiou a sufocar o bebé no pescoço, duas mãos envolveram a manta onde o bebé estava coberto e puxaram-na para cima. O rapaz olhou para cima e verificou pela farda que era uma mulher que trabalhava ali. Segundos depois já se tinham reunido todos os trabalhadores à sua volta, tentando verificar o que estava a acontecer.
- Saiam daqui, não há nada para ver, continuem a trabalhar no forno. -a voz da mulher era forte e tinha um tom autoritário, era provavelmente a que gerenciava os fornos.
Depois de vários sons de protestamento e de toda a gente ter voltado para o fim do beco, a mulher baixou-se e apanhou o pedaço de pão do chão, examinando-o com uma sombracelha erguida.
- Ainda bem que ele não comeu isto. -disse.- Se o tivesses feito comer ele não teria aguentado e tinha morrido certamente daqui a uns dias. A menos que o quisesses matar como te vi há pouco. -a mulher passou os olhos do pão para o rapaz com a mesma sombracelha erguida em sinal de reprovação.- Onde estão os teus pais, miúdo? Não devias andar a estas horas na rua com a tua idade.
- Eu não tenho pais, senhora. -respondeu, semi-cerrando os olhos pretos e brilhantes.
- Não tens pais? -repetiu a mulher, em tom de surpresa.- De onde vieste então? A cegonha trouxe-te?
- Não, eles morreram há pouco tempo. -mentiu, levantando-se do chão e enxugando o cabelo encharcado.- Tenho vivido na rua mais o meu irmão.
A mulher olhou com compaixão para o dois e despentiou os cabelos do mais velho.
- Como é que te chamas miúdo?
- Eilish, e ele é o Tommy. -disse, apontando vivamente para o irmão.
- Não tens sobrenome? Temos de inventar um então. E que idade tens, Eilish?
- Tenho cinco anos acho eu, não tenho a certeza. -ele falava num tom tão inocente que a mulher estava a fazer um esforço para não chorar.- O Tommy tem pouco mais que um ano.
A mulher confortou Tommy no seu colo e puxou Eilish para o seu lado. Pegou na sua mão imunda e fria e começou a andar em direcção ao forno, sorrindo afavelmente para Eilish.
- Fazes-me lembrar um falcão com esses olhos e esse nariz adunco. -declarou, olhando para a frente.- Chamemos-te Eilish Roddery então. Sou a Alicia, prazer.
- Roddery... -murmurou Eilish para ele próprio extasiado por ter conseguido ganhar um sobrenome.
Autor: Meryelde
Disclamer: Ideias pertencentes a J.K.Rowling
A chuva ainda não tinha cessado quando se ouviram gritos do número treze de Hogsmeade. Ninguém na pacata vila sabia ao certo o que se passava naquela casa com o número do azar, mas já se começavam a inventar boatos de possíveis explicações para os estranhos barulhos que se ouviam todos os dias. Aquele dia tinha sido o pior de todos, ouvia-se o arrastar dos móveis pelo soalho e o barulho de gritos de horror e de fúria. Alguns comerciantes que acabavam de fechar as suas lojas apressavam-se em sair dali com medo de sofrerem alguma coisa com a situação.
Por fim a porta rangeu e abriu-se abruptamente, e um homem bastante encorpado e com as faces muito rosadas empurrou um pequeno rapaz para o lado de fora. O rapaz tentou debater-se mas as grandes mãos do homem envolviam todo o seu braço e apertavam-no com frieza.
Ouviu-se um ruído do lado de dentro, o homem voltou-se para trás e o rapaz aproveitou a sua distracção para lhe pontapear com violência nas partes baixas. O homem finalmente largou-o e o rapaz esgueirou-se pela casa, saltando por cima da mesa caída e das cadeiras espalhadas e partidas pelo chão.
Num dos cantos da casa estava uma mulher semi-nua, com um bebé no regaço e as pernas e braços estavam provavelmente partidos pois conseguia-se ver claramente o despontar dos ossos. O rapaz correu até ela e deslizou com os joelhos no chão para verificar se ela estava bem. Não, na realidade ela não estava bem, tinha o sobrolho aberto e a cara banhada em lágrimas e sangue, e estava num estado de imundisse extremo. Ela poisou uma das mãos na face pálida do rapaz e ele pôde sentir o coração dela bater muito rápido e descompassadamente.
- Leva o Tommy daqui. -suplicou com a voz arrastada e rouca de tanto soluçar.- Vocês não merecem ser educados nesta casa. -de seguida pegou no bebé do seu regaço e entregou-o aos braços do rapaz.- Por favor, não o mates como tentaste daquela vez, querido! Vocês são tudo o que eu tenho, eu vou procurar-vos quando a situação do vosso pai acalmar.
O rapaz olhou para o bebé que chorava e se contorcia nos seus braços com relutância, ele nunca gostara do irmão nem era agora que iria começar a gostar dele. Era feio, pequeno e despontavam da sua cabeça pequenos cabelos pretos encaracolados tal como o irmão e o pai.
O homem levantou-se e resmungou qualquer coisa incompreensível. A mulher, ao ver que tinha chegado a altura de eles fugirem, beijou a testa dos dois filhos e empurrou o rapaz para ele se ir embora. Ele ainda se deteve à porta, voltando-se para trás para ver o pai pegar numa das pernas de uma cadeira e utilizá-la para bater na mãe violentamente. Quando a mãe perdeu a consciência ou morreu, ele nunca soube o que acontecera naquela altura, o rapaz apercebeu-se de que tinha de fugir se ainda queria viver por mais um tempo. Apertou o bebé no seu peito e correu desastradamente pelas estradas lamacentas de terra batida, puxando por vezes o cabelo preto comprido para trás da orelha.
Estava de tal maneira molhado que não conseguia sequer distinguir se o seu corpo era água ou se era sólido. Precisava de encontrar urgentemente algum sítio seco e seguro para passar a noite sem que o seu pai o descobrisse e os trouxesse de volta a casa. Não havia ninguém na rua, e as pessoas que passavam diante deles não se importavam que uma criança e um bebé estivessem à chuva.
Era sempre assim desde que ele se lembrava, todos os dias quando o pai voltava a casa bêbado, batia na mãe. Já estava habituado à rotina, e se a tentasse defender acabaria ferido também. Mas nesse dia tinha sido diferente, ele estava fulo e fora de si porque achava que a mulher andava a sair com outro homem, o que na realidade era verdade, ele sabia que a mãe saía todas as manhãs com um jovem simpático que trabalhava no Flourish and Blotts. O rapaz deduziu que a esta hora a mãe provavelmente já estaria morta.
Uma brisa de ar quente proveniente do seu lado esquerdo fez com que ele parasse e olhasse para o lado. Era um beco sem saída e bastante estreito por sinal, situava-se ao lado de um restaurante e mesmo no fim do beco estava um forno gigante onde vários trabalhadores faziam pão. O rapaz não pensou duas vezes, entrou pelo beco e escondeu-se entre os dois caixotes de lixo que estavam perto da entrada. Pelo menos ali os pingos de chuva não eram tão fortes devido às telhas das duas casas quase juntas.
Tommy tinha-se debatido e chorado durante todo o caminho, ele estava habituado apenas aos braços da mãe, mas tinha de se habituar aos braços do irmão se queria ficar vivo. O rapaz tirou um naco de pão cheio de bolor do bolso das calças e partiu-o em dois, oferecendo uma metade ao bebé. Tommy pegou no pedaço de pão com agrado, mas depois atirou-o para o chão e deu uma risada para que o irmão brincasse com ele.
- Estúpido bebé! -gritou o rapaz, largando o bebé no chão de pedra e fazendo com que ele começasse a chorar descontroladamente.- Aquele pão era a única coisa que tinhamos para comer e tu atiras para o chão! Qualquer dia mato-te à fome para veres o que desperdiçaste.
Quando ele principiou a sufocar o bebé no pescoço, duas mãos envolveram a manta onde o bebé estava coberto e puxaram-na para cima. O rapaz olhou para cima e verificou pela farda que era uma mulher que trabalhava ali. Segundos depois já se tinham reunido todos os trabalhadores à sua volta, tentando verificar o que estava a acontecer.
- Saiam daqui, não há nada para ver, continuem a trabalhar no forno. -a voz da mulher era forte e tinha um tom autoritário, era provavelmente a que gerenciava os fornos.
Depois de vários sons de protestamento e de toda a gente ter voltado para o fim do beco, a mulher baixou-se e apanhou o pedaço de pão do chão, examinando-o com uma sombracelha erguida.
- Ainda bem que ele não comeu isto. -disse.- Se o tivesses feito comer ele não teria aguentado e tinha morrido certamente daqui a uns dias. A menos que o quisesses matar como te vi há pouco. -a mulher passou os olhos do pão para o rapaz com a mesma sombracelha erguida em sinal de reprovação.- Onde estão os teus pais, miúdo? Não devias andar a estas horas na rua com a tua idade.
- Eu não tenho pais, senhora. -respondeu, semi-cerrando os olhos pretos e brilhantes.
- Não tens pais? -repetiu a mulher, em tom de surpresa.- De onde vieste então? A cegonha trouxe-te?
- Não, eles morreram há pouco tempo. -mentiu, levantando-se do chão e enxugando o cabelo encharcado.- Tenho vivido na rua mais o meu irmão.
A mulher olhou com compaixão para o dois e despentiou os cabelos do mais velho.
- Como é que te chamas miúdo?
- Eilish, e ele é o Tommy. -disse, apontando vivamente para o irmão.
- Não tens sobrenome? Temos de inventar um então. E que idade tens, Eilish?
- Tenho cinco anos acho eu, não tenho a certeza. -ele falava num tom tão inocente que a mulher estava a fazer um esforço para não chorar.- O Tommy tem pouco mais que um ano.
A mulher confortou Tommy no seu colo e puxou Eilish para o seu lado. Pegou na sua mão imunda e fria e começou a andar em direcção ao forno, sorrindo afavelmente para Eilish.
- Fazes-me lembrar um falcão com esses olhos e esse nariz adunco. -declarou, olhando para a frente.- Chamemos-te Eilish Roddery então. Sou a Alicia, prazer.
- Roddery... -murmurou Eilish para ele próprio extasiado por ter conseguido ganhar um sobrenome.
