Eu agi totalmente por instinto ao pedir para ir com ele. Estava meio perdida aqui neste palácio labiríntico, cheio de fumaça. Mas a fumaça não me impedia de ver e ouvir com clareza. Não sou daqui, vejo as coisas com os olhos do lugar de onde vim.
Vi os olhares que me comparavam com a primeira esposa. Ouvi a pessoas murmurando sobre o que achavam que sabiam de mim e da minha vida.
Henriette da Inglaterra, a bela, a elegante, aquela diziam ter sido muito íntima do rei. Só depois de ver um retrato dela na parede, pude compreender o olhar desolado que o Duque teve ao bater os olhos em mim, sobre aquela velha ponte.
O Duque não parece ser uma pessoa simples.
Sophie de Clermont disse que ele sentia ciúmes dela, o que me pareceu meio incompreensível.
Mas todo ele me parece oscilar entre o incompreensível e o incompreendido.
Ele disse que o nosso casamento será anulado. Se ele disse, deve saber, porque dentro de si já decidiu. Não há o que eu possa fazer. As qualidades que possuo, eu as possuo de verdade; entretanto, elas não parecem ter grande serventia neste lugar.
A inteligência das mulheres daqui é colocada à serviço do poder.
Eu fui orientada a achar que a educação é o poder. O poder de dominar a mim mesma. O poder de acatar o que nos foi imposto pelo destino, mas não passivamente. Sempre dialogando, modificando, tentando extrair algo de bom, mesmo que seja apenas experiência.
Do meu casamento com o Duque eu tentarei aprender alguma coisa. Ainda que ele seja anulado e eu mandada de volta para casa.
Minha mãe foi repudiada por meu pai. Dirão que dela eu não herdei a beleza, mas sim a falta de habilidade em ser uma boa esposa.
O rei aceitou a minha companhia. Mesmo que eu volte para casa terei tido a experiência de cavalgar, de falar com liberdade sobre a caça e a natureza com o rei da França.
Ele perguntou sobre o casamento, mas eu deixei que ele pensasse que estava tudo bem. É a intimidade de alguém, além da minha própria intimidade. Deve ser duro ser irmão do rei. Eles são tão parecidos, mas o Duque tem uma expressão entre suave e angustiada que me diz que ele sofreu mais na vida.
O dia está muito lindo. O bosque é encantador. É bom saber que a natureza tem o poder de nos consolar em todos os lugares.
O passeio terminou mais cedo porque encontraram o cadáver de um pobre homem, o jardineiro real. O rosto do rei se transtornou de tristeza. É marca de sensibilidade, deve ser um homem gentil, pelo menos com aqueles que o servem fielmente.
Se eu ficar, se eles quiserem que eu fique, será por força do destino. Pois, ainda que eu queira ficar, sei que eu sempre destoarei, ainda que aparentemente integrada. Se fossem mais observadores, perceberiam que nós, as noivas estrangeiras, sempre destoaremos de alguma forma.
Se for o meu destino ficar, em algum tempo me olharão com a condescendência com que olham para a rainha. Sim, a rainha é uma flor, uma pérola, algo de silencioso e suave, mas que eles só apreciam da superfície.
Amanhã darei um passeio sozinha. Irei a cavalo. Poderia dormir olhando para esse céu. Um céu que me agasalha mais do que qualquer palácio.
FIM
