AVISO IMPORTANTE:

Para quem está perdido, essa fic é o livro/temporada 2 do Templo das Bacantes. É a fic DOIS.

A fic um está em meu perfil, e não sei porque não aparece nos updates do site ¬¬

É extremamente recomendável que se leia a primeira fic, afinal é como uma série de livros, e vc caro leitor esta com o livro DOIS na mão.
Mesmo assim a fic pode ser lida de forma independente, mas já deixando avisado que alguns detalhes importante na formação da trama serão perdidos ;)

Esta fanfic é feita em parceria com mais duas autoras: Ivi Canedo e Juliana Yagami (rosenrot), como no ff. net não tem a opção de co-autoria, infelizmente todas as fics são postadas com o meu perfil.

Aviso legal

Saint Seiya (Os cavaleiros do Zodíaco) e todos os seus personagens pertencem a Masami Kurumada e a Toei e tem todos os seus direitos reservados.
Fanarts de nossa autoria ou retiradas da internet; todos os créditos aos seus criadores.
Personagens originais como algumas das Bacantes são de nossa autoria; é proibido o uso delas sem aviso prévio.
Essa fanfict também está sendo publicada no Social Spirits

Sinopse:
Após pouco mais de dois anos da inauguração do Templo das Bacantes, o Santuário de Atena ainda se vê à mercê da opressiva influência da poderosa máfia russa, a Vory v Zakone, com quem firmara uma aliança no passado a fim de driblar a crise econômica desencadeada pela Guerra Fria.
Desligado da corrupção que assola o Sagrado solo da morada da deusa Atena, Shaka de Virgem se vê envolvido em um dilema muito mais pessoal que irá balançar pela primeira vez os alicerces de seu sólido relacionamento com Mu de Áries. Saga de Gêmeos tenta fazer seu negócio crescer para livrar o Santuário e a namorada, Geisty de Serpente, das garras da máfia, mas uma surpresa fora de hora provoca uma reviravolta na vida desse casal, os levando a dar um novo e perigoso passo, enquanto Camus de Aquário, o segundo Vor da organização criminosa russa, sofre um atentado que mudará sua vida e, consequentemente, a vida de Afrodite de Peixes para sempre.

O Templo das Bacantes é uma história através do tempo, contando o que ocorreu no santuário pela visão de três casais ainda em formação:
Mu e Shaka
Camus e Afrodite
Saga e Geisty

Esta fanfic também é postada no nyah e no social spirit e cada capítulo tem uma imagem personalizada.

********************Cap 1 Lágrimas sobre o Baikal.***********************

Dois anos depois...

Santuário de Atena, Grécia.

Casa de Peixes, 01:12am

Afrodite desligou o telefone apreensivo. Do outro lado da linha, um Camus de voz muito abatida lhe pedia pra encontra-lo na Casa de Aquário dentro de duas horas. Um pedido trivial, não fosse pela exigência que viera junto dele.

Deveria ir vestido com roupas bem femininas e o mais discretas possível.

Preocupado, o guardião da Casa de Peixes sentou-se no canto do sofá branco de sua sala, joelhos unidos e semblante severo, enquanto roía a ponta da unha do dedo mindinho da mão direita e repassava a conversa com o namorado em sua cabeça.

Há dias Camus andava estranho, distante. Mal haviam se falado por telefone naquela semana, e quando conseguia que ele atendesse uma ligação sua trocavam poucas palavras, sempre com o francês lhe dando respostas curtas e subjetivas. Somado a isso, Camus dificilmente vinha à Grécia na calada da noite, ou mesmo na madrugada, tampouco lhe exigia que vestisse trajes femininos ou qualquer outro tipo de roupa.

— Por todas as lantejoulas de madrepérola da poderosa coroa de Dadá!... O que será que está acontecendo? — exclamou, depois cuspiu um toquinho de unha no chão — Ele estava com uma voz tão triste... Minha deusa, qual será o equê* agora? Por que eu tenho que ir vestido de amapô*? Será que... Não, acho que não.

Afrodite ainda matutou por mais alguns minutos sentado ali, então se levantou e apressado desceu as escadarias das doze Casas indo direto para o Templo de Baco.

Entrou pelos fundos, pois não queria ser visto, uma vez que tinha avisado a Saga e às bacantes que tiraria aquela noite de folga, já que seu namorado misterioso, que já havia pago por uma semana inteira de exclusividade, queria encontra-lo em outro local que não no bordel.

A desculpa de que o riquíssimo empresário misterioso que estava apaixonado pelo Santo de Peixes era um homem recluso e discreto e que, por isso, nunca avisava quando realmente iria ao bordel ver o namorado, vinha muito a calhar. Dessa forma, Camus tinha Afrodite sempre a sua disposição e podia encontra-lo também fora do Templo de Baco, já que a casa oferecia serviço de acompanhantes de luxo e atendimento domiciliar, por isso ninguém suspeitava das ausências de Afrodite, tampouco as de Camus.

Na verdade, nos dois últimos anos, desde que firmaram compromisso, Camus por mais que tivera tentado não conseguiu tirar o pisciano da prostituição, uma vez que todas as alternativas levantariam suspeitas e o denunciariam, porém conseguiu com que ele fizesse pouquíssimos programas pagando por todas suas noites e todos seus horários.

Muita da verba empregada para tal, aliás, era desviada da Vory v Zakone pelo próprio Santo de Aquário, que tirava proveito do acordo firmado com Saga na abertura do bordel, no qual exigia uma porcentagem dos lucros da casa, sem que a máfia soubesse, em troca de levar os clientes mais ricos e influentes para frequentá-la.

Gêmeos não tinha a menor ideia do que Camus fazia com o dinheiro, enquanto Dimitri Yurievich Volkov, o Vor máximo da poderosa organização criminosa russa, sequer imaginava que seu braço direito, e segundo Vor da organização, lhe escondia essa "contribuição", e também o seu desvio. Era assim que o ruivo conseguia custear a liberdade de Afrodite da prostituição, mesmo que parcialmente, e ter o namorado à sua disposição.

Assim, Afrodite somente fazia programas com os homens que negociavam pessoalmente com Saga de Gêmeos em troca de favores políticos, como o caso do Prefeito de Atenas, Praxedes, ou quando seus "serviços" eram a moeda de troca exigida pelos sócios de Saga que tinham alguma ligação com a máfia grega.

Sendo assim, como não tinha nenhum cliente para atender naquela noite, Afrodite achou por bem evitar ser visto perambulando pelo bordel naquela hora da madrugada e, de fininho, foi até o camarim.

Escarafunchou todas as araras de roupas e acessórios, aflito, procurando algo discreto e não muito chamativo em meio aquele acervo colorido de látex, couro, rendas, paetês e lycras, até que encontrou um vestidinho rosa bebê de tecido todo furadinho, sem decotes, mangas longas e saia curta rodada com rendas e babados. Analisou por um tempo, para ver se iria caber dentro da peça, mas não lhe restava muitas opções. Era aquilo ou um espartilho de couro e calcinha.

Suspirou desanimado, mas enfiou o vestido debaixo do braço, apanhou um par de scarpins de salto altíssimo todo coberto em strass, um laço em cetim preto e correu de volta para a Casa de Peixes.

Tinha menos de quarenta minutos para se arrumar, porém foi o suficiente para que, devidamente maquiado, vestido com aquele vestidinho rosa, o cabelo arrumado num rabo de cavalo alto e preso com o gracioso laço de cetim, que por sinal era bem maior do que imaginava, dando duas vezes o tamanho de sua cabeça, Afrodite se passasse por uma mulher sem deixar sombra de dúvidas.

Certificando-se de que não havia nenhum cavaleiro por perto, o pisciano desceu até a décima primeira casa e se pôs a esperar por Camus sentado no sofá da sala.

Suas mãos estavam frias como nunca, as pernas inquietas chacoalhavam incessantemente, o peito segurava firme o agito de um coração em pleno surto de ansiedade, então, quando ouviu o som da porta se abrindo, rapidamente se levantou do sofá para olhar em sua direção.

Foi quando o corpo todo do Santo de Peixes se calou.

Como se tivesse sido congelado pelo tempo, Afrodite deitou sobre Camus os olhos fulgurantes de espanto. As pernas não mais tremiam. As mãos frias jaziam imóveis penduradas em paralelo. A boca secara de súbito, e não devido à sua respiração agitada de momentos antes. O coração estranhamente se calara também e agora batia sem excitação.

Camus, que trazia uma grande mala em uma das mãos, a colocou no chão com cuidado e em seguida trancou a porta. Lentamente, enquanto corria os olhos ocultos por escuras lentes de um óculos de sol por toda a bela figura de Afrodite, aproximou-se parando à sua frente poucos passos.

— Olá... ma belle rose! — disse com voz embargada e trêmula.

Não houve resposta.

Afrodite estava chocado, surpreso demais para dizer qualquer coisa que fosse, pois no outro braço, seguro com todo o cuidado que lhe competia, Camus trazia uma criança, e era nela que os olhos aquamarines do pisciano se congelaram.

— Afrodite, esse... esse é Hyoga. — Camus agora segurava o pequeno garotinho de quatro anos com ambos os braços, o apertando contra o próprio peito como se tivesse medo de alguém o tirar de si — Eu o chamei aqui porque quero que o conheça... Agora ele... ele é toda a família que tenho na vida, Afrodite. Não tenho mais ninguém... ninguém...

— Fa... Família? — a voz do Santo de Peixes era somente um sussurro — Família? — repetiu ainda atônito, pois se Camus dizia que a criança era sua única família ele então seria seu filho?

Não estava preparado para aquilo. Não naquela hora, não daquela forma.

Camus ter um filho não mudaria em nada sua relação, mas se havia um filho, haveria também uma mulher? Uma esposa? Um casamento arranjado do qual o namorado nunca lhe falara?

Mesmo com todas essas perguntas ganhando forma numa velocidade imensa em sua mente, Afrodite não pôde deixar de notar, e priorizar, o estado em que se encontrava o amado.

Camus estava visivelmente abatido, a voz fraca e embargada denunciava que estava emocionalmente abalado, há dias até, já que pelo telefone ela não soava diferente. Depois, mesmo por trás dos óculos escuros podia ver lágrimas que escorriam pelas maçãs do rosto corado do aquariano.

Com extrema delicadeza, Afrodite levou ambas as mãos aos óculos que Camus usava e os retirou, revelando um par de olhos avelãs vermelhos e inchados pelo choro. Peixes então acariciou ternamente o rosto úmido do amado, enxugando com as pontas dos dedos finos uma nova lágrima quente que descia.

— Por Atena, Camus! — sussurrou o pisciano encarando os olhos do francês com pesar — O que houve com você? Quem é... Quem é esse menino? Ele é seu... filho?

Aquário baixou os olhos para o menino adormecido em seu colo. A farta franja dos cabelos dourados de Hyoga lhe cobria parcialmente o rostinho inchado pelo choro, no qual Camus depositou um beijo pleno de afeto.

Oui. Agora ele é. — respondeu após uma pausa e um suspiro longo — Hyoga na verdade é meu sobrinho. Filho da minha irmã Natassia, mas... Agora... Agora somos só eu e ele, Afrodite... A partir de agora ele será meu filho.

Os lábios do Santo de Peixe estremeceram.

— Nunca me disse que Natassia tinha um... um filho, e... O que quer dizer com "somos só eu e ele" ? Por Atena, Camus, o que houve? Natassia?

— Afrodite... a minha irmã... — Camus tentava falar, mas a voz lhe faltava. Todos os sentimentos que tanto reprimira dentro de si agora transbordavam incontroláveis, e o choro lhe afogava juntamente com o desespero, minando suas forças.

Percebendo o quão abalado estava o companheiro, Afrodite o amparou pelos ombros e o conduziu, com Hyoga no colo, até o sofá, onde o colocou sentado.

— Calma, respire... Coloque o bichinho aqui. — dizia o pisciano enquanto arrumava algumas almofadas ao lado do namorado — Deite-o aqui enquanto vou buscar um pouco de água para você.

Camus aceitou a oferta e logo que ajeitou o sobrinho entre as almofadas, Afrodite já retornava da cozinha com um copo cheio de água fresquinha.

— Toma, meu querido. Beba com cuidado para não se engasgar... Você está me deixando aflito, Camus. Nesses dois anos juntos eu nunca te vi assim. — entregou o copo ao namorado o ajudando a segurá-lo, já que o francês tinha as mãos muito trêmulas — Onde está a Natassia? Foi o tornozelo dela que deu problema de novo? Ela tá no hospital? Algum equê* entre ela e o suíno do Dimitri? O que houve com sua irmã?

— Natassia... a minha irmã... foi assassinada. — Camus disse entre soluços, entregando-se, finalmente, a um choro compulsivo e sofrido, o qual segurara há dias.

- Início do Flashback -

Uma semana antes.

A ilha Olkhon é um verdadeiro tesouro siberiano. Fica a 250 km de Irkutsk, a "capital" da Sibéria, e surgiu em meio ao lago Baikal, tido como o mais profundo do mundo e cujas águas frias sofriam degelo apenas durante alguns meses do ano.

Era lá que estava Camus, no último dia de folga de sua irmã, Natassia.

A bailaria havia viajado com o filho pequeno para a ilha após o fechamento da temporada de apresentações da companhia de balé, e Camus decidiu passar junto da irmã e do sobrinho o último dia daquelas férias fora de hora, apostando na calmaria do local e nas belas paisagens para dar um alívio à sua mente repleta de preocupações.

E o dia não poderia estar mais perfeito. Almoçaram juntos à beira do lago e a tarde ainda alugaram bicicletas para um passeio.

Natassia estava muito feliz. Não era sempre que podia usufruir um dia inteiro na companhia do irmão, sempre muito ocupado, além da alegria que sentia em vê-lo cada vez mais aberto e descontraído, o que julgava ser obra do amor que o ruivo nutria em segredo.

Ao findar do dia arrumaram a pouca bagagem que possuíam e se dirigiram até a balsa que fazia a travessia para o outro lado da costa. Lá, Camus alugaria um carro e levaria a irmã e o sobrinho até Irkutsk, onde pegariam um voo para Moscou.

E assim eles fizeram.

Tudo corria bem, porém um incidente mudaria tudo na vida daquela família.

Ao embarcarem o carro alugado na balsa, a jovem bailarina deu-se conta de que esquecera a carteira na pousada na qual estava hospedada. Não pensou duas vezes e alertou o irmão.

Camus, eu vou descer. — disse decidida a loira.

O que? — o aquariano disse surpreso.

Esqueci minha carteira na pousada. Fique com Hyoga, por favor. Eu pego a próxima balsa. — disse ela passando o filho aos braços do irmão.

Non, espere, Natassia. A temperatura está caindo muito depressa. Logo ficará muito frio até para você que está acostumada. Eu vou. — Camus disse resoluto, olhando nos olhos da bailarina — Fique dentro do carro com Hyoga e ligue o aquecedor. Eu pego sua carteira na pousada e os encontro do outro lado. — concluiu passando as chaves do carro para a irmã e fazendo um carinho nos cabelos loiros do sobrinho.

Está bem. Obrigada. — Natassia respondeu com um sorriso.

Como combinado, o cavaleiro desceu da balsa, e antes de seguir até a pousada virou-se para trás e acenou para ambos, que lhes acenavam de volta sorridentes de dentro do carro.

Camus então seguiu apressado até a pousada, mas poucos passos depois o estrondo forte de uma explosão lhe fez interromper a caminhada abruptamente.

A troada fez o aquariano virar-se para a direção da balsa imediatamente, então seu rosto todo se transfigurou numa expressão terrível de surpresa, aflição e desespero ao ver a embarcação na qual estavam a irmã e o sobrinho em meio às chamas.

Exasperado, Camus correu de volta ao píer usando o Cosmo para atingir a velocidade da Luz. Homens, mulheres e crianças, entre turistas, locais e funcionários, corriam e gritavam em desespero, acotovelando-se em meio ao caos instaurado pelo terror, enquanto, já distante, quase no meio da travessia, a balsa em chamas começava a afundar nas águas gélidas do lago Baikal.

— Natassiaaaaaaa! — gritou o cavaleiro em desespero, enquanto elevava seu Cosmo e congelava a superfície do lago criando uma trilha de gelo pela qual correu, tão rápido quanto um relâmpago que corta o céu, até a balsa em chamas.

Quando se aproximou do local, o calor do fogo, os gritos aflitos das pessoas que procuravam se apoiar em ferragens retorcidas, o choro horrendo de crianças que eram tragadas para o fundo do lago devido à pressão, fizeram o aquariano ter a sensação de que estava imerso em uma cenário dantesco de terror.

Enlouquecido, Camus nadava entre destroços, fogo, sangue, pessoas e a água que puxava severamente tudo para baixo, e tal qual um furacão que varre sem dó a planície, procurava pela família gritando em desespero o nome da irmã e do sobrinho.

Não os encontrando na superfície, mergulhou nas gélidas e profundas águas do Baikal, então tudo que mais temia desenhou-se diante de seus olhos, afundando num ermo infinito.

Natassia e Hyoga estavam presos dentro do carro alugado. A pressão da água havia criado um bolsão de ar que aos poucos se esvaia devido à velocidade com que a água entrava por uma rachadura no vidro dianteiro do veículo.

Camus nadou até eles tão rápido quanto um torpedo, mas ao chegar ao vidro dianteiro, e momentos antes de quebrá-lo, viu Natassia aos prantos lhe acenar de dentro da cabine em visível desespero.

A bailarina segurava o filho ao alto, e com os olhos arregalados cravados em Camus lhe disse apenas movendo os graciosos lábios, tintos em sangue vivo — "Cuide dele."

Ao ler os lábios da irmã, o cavaleiro de Aquário então desceu os olhos para seu corpo imerso em água até a cintura, e em completo horror viu o abdome de Natassia transpassado completamente por duas grossas vigas de metal. O sangue da bailarina circundava toda aquela piscina gélida que se formara dentro da cabine do carro, e ela só não sucumbira antes pelo filho, sustentada pela certeza de que Camus viria em seu auxílio.

"Cuide dele."

Ela repetia, já se entregando à debilidade da morte, mas encarando com firmeza e resignação os olhos atônitos do irmão atrás do vidro. Sabia que quando ele o quebrasse a água entraria de uma vez, inundando a cabine. E Natassia sabia que não sobreviveria aquela perfuração, sentia a vida lhe deixar aos poucos, mas Hyoga tinha uma chance.

A água já quase cobria todo seu torso e estava batendo na cintura do menino que chorava em desespero, então Natassia uniu as poucas forças que lhe restavam e gritou.

Um brado aflito, inflamado, e que tirou o irmão do choque em que ele entrara ao vê-la naquela situação.

SALVE-O, CAMUS... SALVE O HYOGA.

Camus não teve tempo, não teve escolha.

Os gritos abafados da irmã, o choro do sobrinho, a situação toda em si lhe provocaram uma descarga elétrica que lhe percorreu todo o corpo como rastilho de pólvora, então Camus fechou a mão, apertando fortemente os dedos, e criando uma fina camada de gelo sobre sua pele partiu o vidro ao meio com um só golpe.

Em nenhum momento foi capaz de tirar os olhos do rosto em agonia da irmã, e quando tomou Hyoga em seus braços e a água engoliu Natassia feito fera faminta, Camus disse adeus àquela que fora a única pessoa capaz de amá-lo e compreendê-lo incondicionalmente, desde que eram crianças.

Tão justa era sua dor...

Natassia ainda lhe sorria enquanto era tragada para o fundo do lago, despedindo-se e depositando nele toda sua confiança, e Camus desejou que pudesse parar o tempo ali, voltar minutos antes e ele ter ficado na balsa no lugar dela, mas o menininho em seus braços não podia esperar, e nem ele podia parar o tempo.

Por isso, elevando ainda mais seu Cosmo, o Santo de Aquário fez a única coisa que podia fazer por sua amada irmã, poupá-la de uma morte lenta e sofrida a envolvendo em gelo eterno, lhe dando uma morte indolor e tornando indelével seu último sorriso.

Feito, nadou como um relampado até a superfície onde já chegavam vários barcos e lanchas para resgatar os sobreviventes, sendo retirado da água com Hyoga por um deles.

O pequeno havia engolido muita água e estava inconsciente, mas Camus felizmente conseguiu reanimá-lo caindo em pranto logo em seguida, misto de dor e alívio.

Dor pela morte da irmã, alívio pela vida do sobrinho, que agora estava órfão, já que o pai de Hyoga fora assassinado pela Vory v Zakone devido um acerto de contas.

Acertos de contas...

Durante dias Camus amargurou um luto nefasto.

A nova realidade de seu sobrinho Hyoga, órfão com apenas quatro anos, somado ao modo como se deu o "acidente" que fatalizara Natassia devastaram o aquariano.

Inconformado e imerso em uma dor sufocante, Camus começou a desconfiar que aquela explosão na balsa não fora um simples acidente, afinal, uma embarcação simples, numa ilha remota da Sibéria onde vão poucos turistas não sofreria uma explosão de tão grande magnitude se esta não tivesse sido induzida.

Era para ele estar naquela balsa!

Ele era um membro influente dentro do mundo do crime. Ele era odiado e temido por muitos, não Natassia, não Hyoga.

Os dias que se seguiram foram cruéis e terríveis para aqueles dois, tio e sobrinho. Hyoga, ainda muito pequeno, estava aterrorizado devido ao trauma, tinha pesadelos e chorava dia e noite chamando pela mãe. Camus, cego pela dor, só pensava na possibilidade de terem sido vítimas de sabotagem e buscava incessantemente, junto a pericia que fizera a acareação do acidente com a balsa, provas que o levariam até o autor do atentado.

Sendo a Vory v Zakone uma organização possuidora de uma forte inteligência ligada à espionagem, não tardou para que Camus e seus homens mais próximos provassem, infelizmente, que o aquariano estava certo.

Ele tinha sido vítima de um atentado, mas Natassia morrera em seu lugar.

Uma bomba havia sido plantada na cabine da balsa, e sua potência era tamanha justamente para não haver a possibilidade de sobreviventes.

Tão justa era sua dor... Tão certa sua vingança!

Camus adiou várias idas à Grécia, deixando Afrodite muitas vezes agoniado, porque sua vida do dia para a noite resumiu-se a investigar todos os pormenores do acidente, torturar pessoas afim de lhes fazer entregar nomes e endereços, até chegar ao nome do mandante do atentado.

Evgeniy Razumíkhin.

Um membro do alto escalão da Vory que não o aceitava na família por Camus ser francês, e não de origem russa.

Matando Camus, além de higienizar a "família" da vergonha de se ter um Vor de sangue estrangeiro, Evgeniy poderia culpar uma facção inimiga e subir de cargo por sua "boa ação".

O homem jamais imaginou, no entanto, que Camus sobreviveria ao atentado, tampouco que descobriria sua traição, e numa manhã calma de quinta-feira, quando abriu a porta da frente de sua casa na periferia de Moscou para apanhar o jornal, Evgeniy deu de cara com o cavaleiro de Aquário e temido segundo Vor da organização.

Que sublime instante para o cavaleiro do gelo!

Trajando um terno negro ainda todo sujo do sangue do delator que entregou o nome de Evgeniy, Camus apontou a arma ao homem parado à porta e o mandou entrar.

- Fim do Flashback -

— Evgeniy matou a minha família, e eu matei a dele. — disse Camus trincando os dentes, com os olhos injetados fixos ao nada sentido o calor do ódio ainda lhe queimar por dentro — Eu... eu os matei, Afrodite. Matei a todos. Estão mortos, todos eles. E não só os homens, mas as mulheres e crianças também.¹

Afrodite estava estático.

Com os olhos estatelados cravados no rosto afogueado do aquariano, Peixes ouvia todo o relato sem nem ao menos piscar ou mover um músculo sequer. Solitária e quente uma lágrima caiu de um dos olhos aquamarines contornados em kajal negro e escorreu pelo contorno do rosto delicado.

Em sua mente via toda a terrível cena relatada pelo namorado e imaginava o desespero, a dor e a agonia que Camus, Natassia e também o menino sentiram. Seu coração se comprimia cada vez mais dentro do peito e ele não conseguia ao menos esboçar uma reação.

Sabia o quanto Natassia representava para Camus e o que a morte horrenda dela desencadeara no namorado, o tornando um homem ainda mais frio, fechado em si mesmo e violento.

Absorto por tudo que acabara de ouvir e também pelo que sua mente formulava, foi trazido de volta pelo sutil e delicado chiado de Hyoga que se remexia entre as almofadas enquanto dormia um sono conturbado.

Afrodite então olhou para o menininho e sentiu a garganta sufocar.

Novas lágrimas agora escorriam por seu rosto quando voltou a encarar os olhos avelãs perturbados de Camus.

— Eu... eu não posso acreditar... — Peixes sussurrou.

— Foi minha culpa. — Camus disse em baixo tom com o olhar vidrado.

— Não. — retrucou Peixes enfático.

— Sim, foi! — o ruivo repetiu transtornado — Era para eu estar naquele carro, era para eu estar naquela balsa... Depois... Depois eu não pude salvá-la... eu não pude.

— Não! — Peixes se levantou num salto do sofá e ajoelhou-se diante do amado, tomando as mãos dele nas suas — Camus, olha para mim. Olha para mim... Não vou deixar você fazer isso. Não vou deixar você se culpar. Você protegeu sua família todos esses anos, tanto que eu nem sabia que você tinha um sobrinho! Camus! Escuta!... Não faça isso com você, meu amor. Você fez o que pôde...

— Eu não a salvei... Não a tirei de lá...

— Nem que tivesse tirado, querido. Pelo que disse a própria Natassia sabia que não dava mais para ela... Então ela fez o que toda mãe faria em seu lugar, a escolha de toda mulher, Camus, os filhos em primeiro lugar. — disse Afrodite, mortificado pelo sofrimento do companheiro.

Camus olhou para o pisciano que lhe acariciava as mãos com afeto, sentindo as dele trêmulas e frias pela emoção, então levou uma mão ao rosto de Afrodite e fez uma terna carícia.

— Eu senti tanto sua falta nesses dias... tanto... — Camus disse em lágrimas — Pardon, ma belle rose... Mal atendi a seus telefonemas, mas é que... estava doendo tanto, e ainda está.

— Por Dadá, quem liga para telefonema vivendo um pesadelo desses, mon amour, eu só não entendi por que... Bem, por que me pediu para vir vestido de...

Súbito, Afrodite fora interrompido por uma voz infantil e chorosa que chamava pelo pai no idioma francês, a língua que Hyoga se comunicava com Camus e Natassia, apesar de também falar russo fluentemente.

Papa!

Camus ergueu a cabeça e olhou para o garotinho sentado entre as almofadas. Apressou-se a enxugar as lágrimas com os punhos da camisa e enquanto Afrodite se levantava o aquariano já ia até o menino, o pegando no colo.

Shii... Estou aqui. Não precisa ter medo.

Onde é aqui, papa? — perguntou Hyoga assustado.

Aqui é a outra casa do papa, lembra? A que fica na Grécia. Lembra quando falei para você que tinha uma casa aqui?

Hyoga acenou que sim com a cabeça, olhando curioso para Afrodite que devolvia o mesmo olhar de curiosidade ao menino.

Onde mola sua amiga. — disse o esperto garotinho de olhos tão azuis quando o céu siberiano.

Exato, onde mora minha amiga especial. Vamos conhecê-la?

Camus então caminhou lentamente até onde Afrodite estava, de pé, com o semblante mais assustado e confuso de toda sua vida.

Hyoga, essa é a Afrodite. — Camus disse encarando os olhos aquamarines do pisciano, os quais lhe fitavam com incredulidade — Ela é a amiga especial do papa, e de quem eu lhe falei a viagem toda. Lembra?

Enquanto Afrodite entreabria a boca numa nítida expressão de surpresa e espanto, Hyoga deitava os olhos curiosos sobre aquela figura belíssima de cabelos num tom de azul exótico, olhos grandes e luminosos, e um gigantesco laço de cetim preto sobre a cabeça.

Então, você se lembra? Se lembra que falei dela? — Camus repetiu a pergunta e Hyoga afirmou com a cabeça que sim — Que bom! Afrodite, esse é Hyoga. Meu filho.

Ainda boquiaberto e atônito, Afrodite não reagiu, até que Camus o tomou pelo braço e o puxou para mais perto, sussurrando em seu ouvido.

— Por favor, colabore. Depois te explico tudo. — foi o que o aquariano disse ao companheiro.

Afrodite então reestabeleceu sua postura, puxou fundo o ar para dentro dos pulmões aflitos e abriu um largo e lindíssimo sorriso direcionado ao garotinho no colo do namorado. Deixaria as perguntas para depois, mas era óbvio que as faria!

Olá, Hyoga. Você é... você é muito bonitinho, sabia?

Tímido e ainda muito traumatizado pelo acidente e a perda recente da mãe, Hyoga retraiu-se no colo de Camus levando alguns dedinhos à boca, mas sem tirar os olhos daquela figura exuberante a sua frente.

Não precisa ter vergonha dela. Afrodite é muito legal. Depois, nós vamos passar mais tempo aqui, nessa casa do papa, então tem que se acostumar com as pessoas que vivem aqui. — disse Camus ao garotinho.

Sim! Você, é... você vai gostar de brincar aqui, Hyoguinha. — disse o pisciano meio atrapalhado, estava absurdamente nervoso, além de surpreso com aquela situação — Tem muitas... escadas e... e casinhas diferentes... e tem um homem gigante e outro com pintinhas na testa... e tem um relógio de fogo, e a gente pode brincar bastante de... de subir escadas.

Peixes sorriu sem graça, enquanto Hyoga o ouvia atento, grudado ao pescoço de Camus.

Aos olhos da criança, Afrodite era uma figura tão diferente e tão bonita que o hipnotizava. Somado a isso, a amiga especial do tio Camus, agora seu pai, tinha um cheiro delicioso de flores que o acalmava, mas brincar de subir escadas não lhe parecia muito divertido, por isso Hyoga continuava calado, analisando Afrodite com os olhinhos curiosos.

— Ele está curioso, ma belle. É o seu cabelo, e esse laço exagerado. Ele nunca viu uma mulher tão... Digamos que, exuberante! — Camus disse em grego mesmo, correndo os olhos pela roupa cheia de furinhos que o pisciano usava — Mas, acho que ele gostou de você, caso contrário já estaria chorando de novo. Não é, Hyoga? Gostou dela? Gostou da Afrodite?

Hyoga encarou o pai sem tirar o dedinho da boca e depois olhou para a "moça" novamente. Fez que sim com a cabeça voltando a se encostar no ruivo.

— Afrodite, eu disse a Hyoga que eu tinha uma amiga especial na Grécia. Que ela era muito bonita e que iria adorar conhecê-lo.

— Por... Atena!... Por que, Camus? — Peixes perguntou chocado.

Camus então olhou para Hyoga.

Filho, por que non mostra o Dudu para a Afrodite? Ela está louca para conhecê-lo. — o ruivo colocou o menininho no chão e lhe apontou a mala — Vá buscá-lo. Ele está na bolsa externa da mala. Só abrir o zíper.

Assim que Hyoga se afastou minimamente, Afrodite pegou no braço de Camus e o puxou para perto de si, encarando seus olhos com vigor.

— Que brincadeira é essa, Camus? Você disse a essa criança que eu sou uma mulher? Pelos anéis de conchas de Dadá, por quê? O que pretende com isso? Quando me pediu para vir encontrá-lo usando roupa de amapô* eu achei que... Sei lá, pensei até que traria algum cliente especial e que tivesse que estarvestido assim para um programa, mas nunca ia imaginar uma loucura como essa.

— Eu jamais arranjaria um programa para você, Afrodite. Ficou doido? — sussurrou o francês dando uma espiada no garotinho que abria a mala — Me perdoe por tudo isso, mas preciso que faça isso por mim, por ele. Amanhã comprarei roupas melhores para você usar. Non pode se vestir como uma prostituta. Eu disse a ele que você é a amazona de Peixes, uma mulher muito distinta e elegante.

— ALÔCA! — Peixes deu um grito, chamando a atenção de Hyoga que olhou para eles assustado.

Non grite! Dieu!... Olha, eu sei que parece loucura, ma fleur, mas o que eu poderia fazer? Hyoga passou uma semana chorando sem parar me pedindo pela mãe... Ele morava com Natassia, eram só os dois, agora ele non tem ninguém, Afrodite, ninguém. Só tem a mim... e aquele bando de mercenários, assassinos, viciados, estupradores e corruptos da Vory v Zakone.

— Atena, isso não está acontecendo! — Afrodite baixou a cabeça esfregando o rosto nervosamente.

— Nunca me imaginei pai, mas agora eu sou, e tenho que pensar no melhor para ele. Non quero meu filho crescendo exclusivamente no meio daqueles animais. Entrar para a máfia vai ser inevitável para ele, assim como foi para mim. Ele non terá escolha como eu também non tive, mas eu tenho o dever, como pai, de lhe apresentar o lado bom, o lado justo, correto e amável da vida também... E esse lado eu só conheci com você, Afrodite. Nesses dois anos juntos você foi a pessoa que me ensinou a amar e me permitir ser amado. Hyoga merece isso.

— E para isso eu tenho que ser uma mulher?

— O que você acha?

— Isso é... isso é uma loucura! Não vou enganar essa criança, Camus.

— O que você queria que eu fizesse? Heim? Te apresentasse a ele como o meu namorado? Dimitri é padrinho do Hyoga, Afrodite. Ele fez questão de apadrinhar esse menino quando ele nasceu, ele tem ligação direta e afetiva com ele. Você queria que Hyoga dissesse a Dimitri que na Grécia o pai dele tem um namorado? Que o viu beijando outro homem? Abraçando outro homem? Sabe que Dimitri vai sondar esse menino até non poder mais para saber da minha vida aqui no Santuário.

— Não... isso não está acontecendo... É o meu coágulo! Isso! É o meu coágulo que está latejando e produzindo toda essa charufinácea*. — Afrodite deixou-se cair sentado sobre a poltrona enquanto olhava atônito para Camus.

Non vai ser por muito tempo, eu... Eu te prometo, mon amour. Assim que ele for grande o suficiente para entender e saber guardar segredo lhe contaremos a verdade. Agora non podemos arriscar, ma fleur. Veja o que aconteceu a Natassia... Eu preciso... eu preciso proteger essa criança e non posso fazer isso sozinho... Por favor... Por favor, Afrodite, eu preciso de você.

Enquanto Camus aguardava, ansioso e temeroso, uma resposta de Afrodite, Hyoga aproximou-se de ambos trazendo consigo um patinho amarelo de pelúcia nas mãos. Segurava o brinquedo com extremo zelo, e para a surpresa de Camus dirigiu-se, decidido e audaz, até a poltrona onde Afrodite estava sentado.

O momento era tão crítico que o Santo de Aquário, sempre tão frio e calculista, não pode evitar que novas lágrimas escorressem de seus olhos, e sentado à poltrona o Santo de Peixes também não conseguia contê-las, especialmente quando viu aquele menininho de semblante tristonho esticar os bracinhos e lhe mostrar sua estimada relíquia.

Afoditi, essi é o Dudu. — disse timidamente.

Peixes sentiu um aperto no peito tão grande ao olhar para aquela criança que percebeu que jamais iria conseguir lhe negar nada. Absolutamente nada. Com um suspiro resignado, enxugou o rosto com as pontas dos dedos trêmulos e abriu um largo sorriso.

Então esse é o Dudu! — disse com voz chorosa, curvando-se ligeiramente para frente para aproximar-se do pequeno — Seja bem vindo, Dudu.

Você tá cholando? — Hyoga perguntou preocupado.

Eu? Não! — Peixes respondeu meio atrapalhado, então ajoelhou-se no chão para ficar no campo de visão do menino e poderem se conhecer melhor — Foi só... um ovo que alguma varejeira botou aqui nos meus olhos... Mas, nossa, como o Dudu é bonito! E ele viajou com você?

Foi.

Ele veio quietinho? Não quis voar dentro do avião não, né? Ele tem uma cara de bagunceiro, esse Dudu, não é Camus? — olhou para cima divisando o rosto comovido do aquariano.

Afrodite tinha feito sua escolha, e Camus lhe agradecia com lágrimas nos olhos, emocionado, lhe lançando o olhar mais grato que Peixes já vira em toda sua vida, além de um "merci" mudo que saiu de seus lábios entreabertos.

Apresentações feitas, amizades seladas, em poucos minutos Hyoga e Afrodite conversavam e sorriam um para o outro como se já fossem bons amigos.

O pequeno garoto russo apresentou ao pisciano todos os brinquedos que trouxera consigo de Moscou, e após brincarem Camus disse ao filho que fosse lavar as mãos e colocar o pijama para tomar um copo de leite e se deitarem, pois já era altas horas da madrugada.

Assim que Hyoga seguiu para o quarto de Aquário, Camus e Afrodite foram até a cozinha preparar um breve lanche.

— Obrigado, mon amour. — disse o aquariano ao se ver finalmente sozinho com o namorado, aproveitando para puxá-lo para um abraço terno — Ele non ficava feliz e nem sorria assim há dias. Eu non tenho o menor jeito com crianças, mas você o conquistou rapidinho.

— Ainda estou abilolado* com tudo isso, Camus. — disse Afrodite apertando o corpo do francês contra o seu — Eu não sou uma mulher, nem sei me portar como uma, como você bem sabe... Dadá, isso é uma loucura!... O que a gente não faz por amor?... Eu estava com tanta saudade de você...

— Eu também estava com saudades, ma fleur. Non imagina o quanto eu desejei estar com você nesses últimos dias.

— Como vai ser agora, Camy? — sussurrou dando um beijo no rosto do aquariano enquanto encarava os olhos avelãs fixos aos seus.

— Eu non sei. — o ruivo respondeu apreensivo — Non tenho a mínima ideia do que fazer agora. Só sei que non podia deixá-lo lá, sozinho, ou sob tutela de algum pau mandando do Dimitri. Eu precisava tirá-lo de lá. As lembranças da Natassia estão ainda muito presentes, e a dor ainda é tão grande... Aqui ele está seguro, ele pode se distrair vendo outros lugares, outras pessoas. Depois, tem você. Eu sei que você fará bem para ele.

— Nossa... Que responsabilidade! — Afrodite suspirou nervoso.

— Se tivesse alguma dúvida de que você non seria uma boa influência para ele eu jamais teria lhe dado essa... essa missão? — Camus abraçou novamente com força o namorado, afundando seu rosto na curva de seu pescoço — Eu só tenho vocês dois agora. Vocês são minha única família... Fica comigo essa noite? Sinto tanto sua falta.

Camus tinha aguentado firme os longos dias após a morte da irmã, sem chorar, sem fraquejar, buscando força onde não havia para cuidar do sobrinho sem desmoronar. Mas, diante de Afrodite, a única pessoa no mundo com quem podia ser ele mesmo, Camus deixava a máscara de homem frio e inabalável cair finalmente.

Afrodite por sua vez, acolhia o amado nos braços com afeto e devoção, mas não podia negar que sentia muita falta dele, dos beijos, dos toques. Assim, buscou os lábios de Camus para saciar sua saudade, mas antes mesmo de conseguir trocar um breve beijo com o amado, foi interrompido por Hyoga que entrava na cozinha aos prantos.

PAPA, PAPA, O ZEZÉ SUMIU! — gritava o menino em desespero.

Camus de pronto apartou-se do abraço do pisciano lhe pedindo desculpas e foi até o filho.

Ei, calma! Ele não pode ter sumido. Ele veio junto com o Dudu e os outros.

Não! Não! Ele sumiu, papa, ele sumiu! O Zezé foi embola junto com a mamá! — disse o choroso garotinho russo.

Ouvir aquilo fez o coração de Camus sangrar mais uma vez, então o aquariano pegou o filho no colo e o abraçou com força.

Não, Hyoga. Não foi. Ninguém mais vai embora. Ele está aqui. Vamos procurá-lo no quarto onde deixei sua mala?

Afrodite ficou a observar com os olhos marejados o companheiro sair da cozinha levando o menino consigo. Chorou mais uma vez, mas nem sabia bem o motivo.

Estava triste pelos dois, estava com pena do menininho, e principalmente estava confuso e com medo do que viria pela frente, do que o futuro reservava para os três. Tinha aceito se passar por mulher para preservar o segredo de Camus e a integridade de Hyoga.

Em momento algum pensou em si, apenas neles.

Sabia que não seria uma tarefa fácil, tinham os outros cavaleiros, tinha muita coisa envolvida naquela mentira protetora, mas não podia dizer não. Simplesmente não podia. Camus há muito tempo se tornara parte vital de sua existência, e ali, naquele instante, tinha certeza de que aquele garotinho loiro também se tornaria.

Enxugou mais uma vez os olhos e foi até o quarto ajudar a procurar o pinguim de pelúcia de Hyoga, e quando chegou lá encontrou Camus revirando o aposento todo e o loirinho de pé aos prantos, inconsolável.

Chegou perto de Hyoga e estendeu a mão para ele, assumindo o semblante brincalhão e descontraído que sempre cativara a todos.

Você não sabe onde ele está, mas eu sei. — disse dando uma piscadinha marota para o pequeno — Ele não foi embora. O danadinho me disse que ia se esconder para você procurá-lo. Acredita nisso? Eu falei para ele que você é um menino muito esperto e que não adiantaria ele se esconder que você ia achar ele fácil, fácil! Mas, ele é teimoso, né Camus?

Ah... Sim, ele é muito teimoso! — Camus respondeu curioso.

Venha, Hyoguinha. — pegou na mão do loirinho e devagar o conduzia de volta à sala — Eu acho que sei onde o Zezé se escondeu, aquele danado! Enquanto isso, você gosta de mágica? Sabia que eu sei fazer mágica?

Capturado pelo jogo do pisciano, Hyoga o seguia já sem mais chorar, apenas soluçando e enxugando os olhinhos.

Você sabe mesmu? — perguntou curioso.

Sei.

O Dudu gosta de mágica. Papa sabe fazê gelinho.

Que legal! Quer ver a minha mágica?

Sim.

Afrodite então ajoelhou-se na frente de Hyoga e enxugou seu rostinho com as pontas dos dedos. O menino fechava os olhinhos apreciando aquele toque delicado e aprazível que lembrava muito a maneira como sua mãe lhe confortava quando chorava.

Então lá vai! Olhe bem. — disse Peixes abrindo ambas as mãos na frente do rosto do garotinho, e afastando bem os dedos ativou seu Cosmo e criou uma rosa vermelha flutuante, que dançava nos ares exalando perfume e espalhando pétalas pelo chão.

Hyoga olhava encantado para a flor flutuante. Os olhos arregalados e a boquinha aberta em surpresa.

Essa rosinha vai te mostrar onde o Zezé está escondido. Siga ela.

Fascinado pela flor dançante, e sem conseguir tirar os olhos dela, Hyoga a seguiu pela sala em expectativa, até que ela parou em cima de uma grande almofada que estava sobre uma das poltronas.

Levante a almofada. — Peixes disse ao menino que de pronto executou a ordem encontrando o pinguim de pelúcia que ele mesmo havia deixado ali quando mostrou seus "amigos" a Afrodite.

ZEZÉ! — gritou de alegria ao agarrar o brinquedo.

Feliz, Hyoga virou-se para trás e abriu os braços, e entendo seu desejo de pronto, Afrodite se agachou e abraçou o menininho com força.

Obigado, Afoditi. Você é muito legal. — o pequeno agradeceu dando um beijo no rosto do pisciano, que pela primeira vez naquela noite sorriu de alegria.

Ah, você também é muito legal, Hyoguinha. — disse o Santo de Peixes — Deixa te falar uma coisa. Mesmo que a gente não consiga ver com os nossos olhos, quem a gente gosta está sempre perto nós! — deu um beijinho na bochecha do menino e fez a rosa levitar lentamente até a mão dele, que a apanhou no ar maravilhado.

No batente da porta, Camus os observava sentindo seu coração aliviado pela primeira vez em semanas. Não errara em seu julgamento, Afrodite era tudo o que ele e Hyoga precisavam.

Depois de tomarem um lanche leve, exausto Hyoga adormeceu no colo de Camus e este o levou até sua cama o deitando bem ao centro.

Um pouco mais afastado, Afrodite finalmente pode tirar aquele laço gigante da cabeça e os scarpins de salto que já começavam a incomodar seus pés, já que eram um número menor do que calçava.

— Pelos calos de Dadá, uma criança dá mais canseira na gente que três suínos numa noite só! — desabafou enquanto se sentava no divã próximo à janela — Tô todo cagado.

— Afrodite!... Vai ter que maneirar esse seu vocabulário. Hyoga ainda non fala grego fluentemente, mais já conhece bem a língua e logo vai falar com fluência. — repreendeu Camus — Lembre-se, a amazona de Peixes é uma mulher distinta e recatada.

— Ah, sim, e também é uma farsa, né Santa? — Afrodite olhou para o francês com apreensão — Eu aceitei o truque, Camus, mas isso não significa que eu concordo com ele. Não me sinto nada bem enganando esse anjinho.

Non temos escolha. — o aquariano respondeu com voz cansada e abatida — Non podemos correr o risco de ele falar o que non deve ao Dimitri. Ele é muito novinho, mas entende algumas coisas já. Expliquei a ele que você é uma amiga especial e que é um segredo nosso. Ele é muito esperto e entendeu que non deve falar a ninguém de mim e você, mas jamais arriscaria a segurança dele apenas cofiando em palavras. Sabe o quanto Dimitri sabe ser... persuasivo, quando quer... Non precisa vestir-se como uma mulher o tempo todo enquanto ele estiver aqui no Santuário, sei que tem os seus afazeres em comum com os outros cavaleiros, então apenas use umas peças mais femininas, use as joias que eu te dei... Aqui em casa, quando estivermos só nós três, pode usar as roupas que comprarei para você. Ele vai morar em Moscou comigo, na minha casa. O levarei para lá assim que estiver menos abalado e a casa preparada para recebê-lo. Você pode continuar indo para lá quando quiser, como sempre fez, mas te peço que já vá vestido como uma mulher. Realmente non podemos arriscar... Eu te prometo que será por pouco tempo, ma fleur.

— Hum.

— Vem cá. — Camus sentou-se ao lado do pisciano no divã e o puxou para um abraço, acariciando-lhe as madeixas azuis — Natassia se foi faz sete dias, desde então, mesmo me esforçando ao máximo, non consegui tirar um só sorriso dele. E olha que desde que Hyoga nasceu somos muito unidos. Ele já me chamava de pai antes mesmo do... do atentado que levou a minha irmã. E hoje... aqui, com você, ele voltou a sorrir.

— Será que estamos fazendo a coisa certa, Camus?

— Eu... eu non sei. — o francês respondeu com o rosto em agonia — Tudo que sei é que passei dias tentando animá-lo sem sucesso, e então eu me dei conta de que eu mesmo nunca havia sorrido antes, e quem conseguiu colocar um sorriso genuíno em meu rosto pela primeira vez foi você... Você, Afrodite... Você é delicado, é amável, carinhoso... Você é tudo que eu e ele precisamos.

— É sério que pensa tudo isso de mim? Logo eu? — Peixes o questionou verdadeiramente surpreso, já que no início do relacionamento Aquário tinha uma visão totalmente diferente de si.

Camus então segurou o rosto do pisciano com ambas as mãos o encarando nos olhos.

— Sim. É isso que penso de você. — afirmou Camus — Eu lhe sou tão grato, Afrodite. E Dieu, como eu o amo!

Finalmente puderam trocar o beijo pelo qual tanto esperaram desde o reencontro. Enquanto as línguas ávidas exploravam as bocas febris e saudosas, as mãos passeavam pelos corpos quentes e vicejantes de ambos, até que, afogueado, Afrodite segurou Camus pelos ombros e o empurrou ligeiramente, apartando os corpos e as bocas.

— Hum... Espera, mon amour... Melhor não atiçar o fogo jogando gasolina na fogueira porque se ela acender você vai ter que dar um jeito de apagar, e o Batman não está podendo usar a batcaverna hoje, não é mesmo? — disse o sueco recobrando o fôlego, conseguindo arrancar um sorrisinho tímido do aquariano.

Então, mais uma vez Hyoga despertara assustado. Havia tido mais um pesadelo com a explosão na balsa e agora gritava aterrorizado chamando pela mãe, capturando a atenção dos dois cavaleiros que rapidamente levantaram-se do divã para ir até a cama confortar o pequeno.

Shii... Papa está aqui, filho. Está tudo bem. — disse Camus deitando-se ao lado do menino.

Mamá! Eu quelo a mamá! — Hyoga dizia choroso, partindo o coração de Camus e o deixando aflito.

Afrodite, que se deitava do outro lado deixando Hyoga no meio, apressou-se a arrumar os travesseiros para deitar a cabeça bem perto do menininho. Então, segurou em sua pequena mão e chamou sua atenção.

Ei, Hyoguinha. Quer que o... que a Di cante uma musiquinha para você dormir? — perguntou com ternura na voz.

Hyoga olhou para o pisciano desconfiado e curioso. Estava exausto, e tinha muito medo, mas estranhamente aquela bonita moça amiga do papa lhe transmitia carinho e paz, tudo que ele mais precisava no momento.

Era a mamá que cantava pá mim.

É mesmo! Ela devia ser muito legal. — Afrodite acariciou a fronte do garotinho que com as pálpebras pesadas olhava para si curioso — Olha, eu acho que não sei cantar tão bonito quanto sua mamá, mas eu sei cantar um pouquinho. Se você quiser eu canto para você dormir.

Hyoga apenas acenou com a cabeça que sim, então se lembrando de uma canção antiga que a mãe cantava para si quando era criança, como se viesse direto de seu coração, Afrodite cantou, ora olhando para os olhinhos azuis que lentamente se fechavam, ora olhando para o rosto sereno de Camus que o acompanhava sem nem piscar.

Como pode o peixe vivo

Viver fora da água fria

Como pode o peixe vivo

Viver fora da água fria

Como poderei viver

Como poderei viver

Sem a tua, sem a tua

Sem a tua companhia

Sem a tua, sem a tua

Sem a tua companhia

Os pastores desta aldeia

Já me fazem zombaria

Os pastores desta aldeia

Já me fazem zombaria

Por me verem assim chorando

Por me verem assim chorando

Sem a tua, sem a tua

Sem a tua companhia

Sem a tua, sem a tua

Sem a tua companhia

Peixes e Aquário olhavam para o menininho dormindo entre os travesseiros que agora tinha um sono tranquilo, bem diferente dos dias anteriores.

Camus esticou o braço e pegou na mão de Afrodite, a levando até o rosto para dar um beijo pleno de gratidão e admiração.

Era estranho para ambos ter aquela pessoinha ali, dormindo no meio deles. Sabiam que aquela noite seria um marco em suas vidas, pois dali para frente tudo mudaria. Mesmo assim confiavam mais uma vez que o amor sublime que os unia os guiaria em mais essa batalha.

NEGRITO – TRADUZIDO DO FRANCÊS

¹ - Referência à frase dita por Anakin Skywalker em "Star Wars Episódio 2", usada aqui para homenagear a cena em que ele vinga a morte da mãe.

Dicionário Afroditesco

Abilolado – louco, confuso.

Amapô – mulher.

Charufinácea – palavra de significados múltiplos - coisa errada, porcariada, coisas inúteis, bobeira.

Equê – problema, confusão.