A história já traduzida; vou postar em três partes. Pretendo atualizar mais ou menos dia sim, dia não. As reviews serão traduzidas para a autora, que, além de ser uma ótima escritora, é uma pessoa maravilhosa.
Título:
Cláusula e Efeito
Autora:
Kalena
Tradutora:
Ptyx
Casal:
Snape/Harry
Resumo:
Harry convence um relutante Snape a ajudá-lo a preparar a
festa de Natal.
Classificação:
K+
Cláusula e Efeito
23 de
dezembro de 2009
Manhã
— Vou fechar a loja nos feriados. A partir de agora.
Perdendo as esperanças de que Harry Potter houvesse adquirido um razoável embora improvável talento para o comércio de varejo, Severus continua a esmagar as pétalas de jasmim entre seus dedos. Não ergue os olhos.
— Há alguma razão para decidir fechar as portas nos dois melhores dias para o comércio em todo o ano?
— Quero dar uma festa no dia de Natal, e preciso de tempo para preparar tudo. Além disso, a loja do Beco Diagonal vai ficar aberta. — Harry toca nos cabelos como se, caso estivessem soltos, fosse passar os dedos por eles, em um gesto inabitual de embaraço. Ser dono de um negócio de sucesso deu-lhe uma confiança que ele jamais tivera enquanto destruía lords das trevas. — É uma atividade de trabalho, na verdade. Um jantar de trabalho.
Severus ergue os olhos, enfim.
—Nada de Natal com os Weasleys?
Harry estremece.
— Eles... não têm sido muito simpáticos desde o divórcio.
— Eles são seus amigos desde que você era criança! — Uma mostra do quanto ele está à vontade é o fato de que fala sem pensar. Santo Deus, ele está defendendo o homem, como se Harry Potter precisasse de sua proteção. Cinco anos não fazendo nada além de cuidar de apenas um idiota o haviam transformado em uma sombra de seu antigo eu. — A situação não seria tão delicada se O Profeta não houvesse publicado na primeira página uma notícia alegando que você é homossexual. — O artigo ironizava sórdidos encontros, fazia vagas alusões a amantes do passado e detalhava a descoberta melodramática de Ginny.
Aquela leve punhalada às costas, pensa ele, foi um tanto extrema mesmo para uma esposa rejeitada, embora ele tivesse de conceder-lhe pontos pelo estilo. Na época, ele se preocupara que Harry pudesse querer mandá-lo eliminar a garota. Pessoas que ele conhecera haviam sido mortas por muito menos. Em alguns casos, ele mesmo fizera o trabalho.
Não tinha nenhum interesse em fazê-lo de novo.
A história picante também despertara uma indesejável percepção em Severus que ele tentara arduamente sufocar desde então. Na noite em que a lera, ele acordara tendo a experiência mais deliciosa da vida — que então se tornara a mais solitária — murmurando "Harry. Harry." Limpara-se do sêmen, livrara-se da cueca manchada e ficara sem dormir o resto da noite, as pálpebras apertadas contra os braços nus e o desejo. A lembrança ainda ardia dentro dele.
Foi assim também que o primeiro nome de Potter se insinuou no vocabulário de Severus. Ele parecia incapaz de evitar tanto isso quanto as fantasias que lhe invadiam as defesas. Não conseguia mais pensar em Harry como "o garoto". Em suas fantasias, não havia nada de infantil em Harry, exceto o ar travesso de seu sorriso.
Pelo menos ele sabe que Harry nunca o pegou devorando com os olhos a curva de seu traseiro. Isso não teria passado sem um comentário, jamais.
Constrangido, Harry vira-se para o lado, olhos vazios mirando uma mancha púrpura na parede mais distante.
— Fui eu que deixei vazar essa notícia para eles. Não queria que Ginny levasse a culpa na imprensa. O fato de eu ser... de gostar de homens... foi uma idéia "picante", e impediu que eles continuassem fuçando em tudo... na vida de Ginny. — Seus ombros pendem, depois se aprumam outra vez ao olhar para Severus. — Eu fiz a glória de Skeeter este ano — acrescenta, com certa amargura. — E além disso, é verdade. Não me envergonho disso — conclui, em tom de desafio, mas a voz falha.
Harry parece mais uma criança se preparando para ser esbofeteada do que uma bicha orgulhosa de sua condição.
Vinham trabalhando juntos há quase cinco anos; aquilo era o mais próximo que já haviam chegado de ter uma conversa de verdade. Agora que ele sabe que Harry cresceu em um armário e tem vivido dentro do armário desde então.
Os segredos mudam um homem. Severus entende isso. Ele deveria... dizer algo. Dizer a ele.
Então ele afasta aquele pensamento ridículo com um bufo. Encontrará um modo de usar isso em seu benefício, em vez disso. Então Harry caçava homens pelas ruas, não é? Visões dos homens com quem Harry trepara surgiram-lhe diante dos olhos, nus e lambuzados de esperma na cama de Harry. Eles haviam tido o que Severus deseja, e ele não gosta disso nem um pouco. Está decidido: será um deles. Encontrará um jeito de ter um pedacinho daquela bunda bem torneada para si mesmo.
Ombros ainda eretos, Harry está calado. Seu rosto passou de ansioso a fechado.
— Então eu devo sumir do mapa. — Uma coisa de que Severus não precisa nos feriados é de uma oportunidade extra de olhar pela janela para as multidões de famílias festivas e sorridentes andando pelas ruas à procura de bebidas e presentes. — Tudo bem. Vou para a Martinica. Já era tempo de tirar férias.
— Oh! — Harry fica visivelmente consternado, mas contra-ataca. — Sinto muito, Severus, mas você não está liberado ainda. Preciso da sua ajuda para preparar a festa. E quero que você participe do jantar também! Além disso, não tenho como pagá-lo por todo o tempo extra que você vêm trabalhando. — Isso, sem dúvida, é para ser uma brincadeira. — Não é minha culpa que você nunca tire férias! Você tem direito a quatro semanas por ano. É mais do que a maioria dos escravos assalariados recebem — diz ele, diante do olhar fulminante de Severus.
— Eles não estão trabalhando para obter sua liberdade. — Cada hora passada pesquisando, experimentando e pulverizando florzinhas inocentes significa mais lucro para a linha de perfumes que Harry insistiu em desenvolver. Harry tinha razão a respeito da demanda por prazeres pessoais. Nesses anos de pós-guerra, tais bugigangas vendem como pão quente. O alto preço não parece deter ninguém. Até as bruxas pobres gastam seus galeões para atrair um parceiro, e os bruxos compram presentinhos para as amantes.
Severus não faz gastos desse tipo. Ele já conseguiu poupar quase a metade dos galeões necessários para comprar o negócio. Poderia pedir demissão assim que seus contrato se encerrasse, se quisesse; vem recebendo outras ofertas de emprego há anos. O fim da restrição que aplicaram ao uso da varinha não irá demorar.
No entanto, ele não fará isso. Se fizesse, ainda não teria nada verdadeiramente substancial.
Ele até mesmo passara a gostar do trabalho. Afinal, a criação de aromas é precisão e arte em partes iguais. Ele não arrolha mais muitas mortes, mas se tornou conhecido em toda a Europa como o Mestre do Perfume. Finalmente, ele engarrafou a fama.
— Verdade. Eu sinto muito, mas é só por alguns dias. Está no seu Contrato, lembra-se?
Ele não se esquece de nada.
Com certeza não daquela tarde em que o Salvador do Mundo Mágico bateu à porta surrada e desgastada de Spinner's End.
30
de janeiro de 2004
Tarde
Só o desespero o levara de volta àquele monte de estrume. As vidas interligadas de um homem cruel, sua desafortunada esposa e infeliz menino haviam por muito tempo sido apenas uma má lembrança de que usar aquilo como um lugar para se esconder não era o mesmo que morar ali. As coisas eram diferentes agora. Não era uma casa de verdade, com certeza não um lar — não um local para passar a vida, apenas um ponto de parada.
Ele não havia se importado com o fato de Pettigrew e Bellatrix Black terem estado ali. Eles eram mais desprezíveis do que o pó sob seus pés. Até mesmo Narcissa era alvo de sua pena. Mas com aquela batida, com o Grande Harry Potter à sua porta, Severus olhara ao redor de seu antigo lar e realmente o vira. Vira a sujeira, as teias de aranha, sentira uma vez mais o medo e a raiva daquela criança patética. Tinha doze anos novamente. Uma vergonha rubra devorou-lhe a visão.
Andou em passos largos até a cozinha e começou a bater panelas e estilhaçar xícaras como se o barulho fosse dispersar os fantasmas do passado. Não conseguiu sequer sufocar as batidas.
Tomado de fúria, escancarou a porta rangente e rosnou:
— Vá embora. Deixe-me em paz!
O garoto encarou-o com firmeza.
— Tenho uma proposta a lhe fazer.
— A resposta é não. — Tentou bater a porta na cara do garoto. A porta o empurrou para trás, apesar de seus esforços, e Harry Potter entrou.
— Preciso da sua ajuda.
— Você sempre precisou da minha ajuda. Eu, todavia, não preciso mais dá-la a você.
— Você precisa de dinheiro. — O garoto fez questão de não olhar ao redor da sala. — Preciso de um homem de talento. Posso torná-lo rico.
A Guerra acabara, os últimos confetes celebratórios estavam ficando marrons nas sarjetas do Mundo Mágico. Haviam passado da celebração da vitória ao luto pelos mortos, do festejo à punição dos vilões. Potter e os membros remanescentes da Ordem da Fênix retornaram ao redemoinho da vida social assim que o último Comensal da Morte vivo foi enviado a Azkaban.
Podia ter sido muito pior para ele, que tinha um pé em cada um dos lados. Ele não se juntou a nenhum dos grupos. Ele ainda tinha essa escapatória. Falando tecnicamente, poderia trabalhar, desde que alguém se dispusesse a contratá-lo. Só os galeões cimentados nas paredes do porão, a salvo dos olhos e feitiços de espiões, o haviam sustentado naqueles últimos meses.
Suas reservas estavam se esgotando.
— Sente-se.
Potter lhe expôs a idéia de uma farmácia.
Era um plano sólido. Hogsmeade, a única vila inteiramente mágica no país, não possuía nenhuma. Isso não tinha nenhuma importância para ele enquanto ele estivera em Hogwarts, mas por que deveriam os habitantes locais irem a Londres para comprar um chá de ervas ou um remédio contra febre se poderiam comprar ali pertinho? Uma loja lá atrairia consumidores das vizinhanças a uma centena de milhas de distância. A habilidade dele atrairia negócios de ainda mais longe.
Severus não era estúpido a ponto de recusar uma ligação vantajosa agora, mesmo com aquele filho da mãe irritante.
— Eu vou preparar poções das oito às cinco e quero receber em dobro pelas horas extra. — Ele passara sua vida adulta se revirando de um lado para o outro na cama, nunca sabendo quando poderia ser chamado de sua cama quentinha para atender aos horrores de Voldemort, aos pedidos adoçados com chá de Dumbledore, ou às trivialidades de uma horda de crianças manhosas. — Um mês de férias remuneradas por ano. Nada de contato com clientes. Sessenta por cento do lucro sobre as poções que eu inventar. Alojamento decente. Direito de preferência na opção de compra dos negócios a um preço fixado por um avaliador independente, enquanto eu estiver trabalhando para você.
Então Severus propôs um salário que certamente provocaria indignação, se não gargalhadas.
— Tudo bem.
Quando seu queixo caiu, tudo o que ele pôde fazer foi manter a boca fechada.
Sabia que Potter seria um péssimo negociador. Não esperava que um Contrato Mágico surgisse do nada diante de seus olhos, levantando a poeira da mesa da cozinha.
— Com certeza você não é idiota a ponto de fazer isso sem ajuda profissional. — Ele quase tremeu de desprezo. — É óbvio que você necessita de toda ajuda que possa obter. — Desejou ter mordido a língua. Se Potter insistia em ser tolo, e aparentemente essa condição não melhorava com a idade ou a experiência, era melhor que fosse Severus a pessoa a se aproveitar disso.
— Não. Pra mim está bem assim.
Pela primeira vez, Severus estudou o garoto. Seu cabelo outrora rebelde havia sido domado pelo comprimento, fazendo-o parecer mais velho do que ele era e menos com James do que Severus se lembrava. Em suas têmporas, havia um leve brilho de um glamour que não devia estar visível. Concentrando-se em um ponto atrás da orelha de Potter, sua visão periférica captou o que havia por baixo do disfarce. Ele parecia... envelhecido, quase tão desgastado quanto Severus se sentia. Havia finas rugas ao redor dos olhos que jovens de vinte e quatro anos em geral não possuíam.
Noites demais festejando com sua esposa de risinho afetado e seus amigos idiotas, pensou.
Inclinou-se para examinar o Contrato e encontrou a mina enterrada no texto.
— 'Outros serviços caso necessários'? Você está brincando! — Severus teria destruído a coisa na cara de Potter se pudesse, mas não podia. Um feitiço lançado de sua varinha o poria para apodrecer na cadeia pelo resto de sua miserável vida. Se ele cometesse um crime sob as ordens de Potter será que as circunstâncias do Contrato lhe garantiriam uma suspensão da execução?
— Por favor, meritíssimo, eu estava apenas seguindo as ordens do Garoto Que Sobreviveu!
Aquele pergaminho não era nem mais nem menos do que um pacto com o demônio.
— Preciso de alguém que possa fazer mais do que mexer um caldeirão. Você é a pessoa mais dura e astuciosa que conheço. Eu tenho inimigos; se trabalhar para mim, quero saber que você não é um deles. Preciso saber que estará do meu lado se algo acontecer.
— Algo? Acontecer? — Potter era o demônio. — Nunca se sabe quando precisará envenar alguém, é isso, Potter? Ou será que está interessado em promover algumas torturas?
Seu estômago se revirou. Quaisquer que fossem as ordens, o Contrato destilaria sua mágica até que fosse cumprido, ou até que Potter se acalmasse. Um Contrato Mágico não era a base de emprego em trabalhos normais.
O garoto estava sentado em sua cozinha oferecendo-se para torná-lo rico. Ele já passara por tudo aquilo, embora não em relação a nada legal. A verdade era que, com ou sem Contrato, Potter trancafiaria Severus em Azkaban antes que o sol se pusesse, caso assim quisesse. Harry Potter não precisava de um motivo. No entanto, se ele assinasse, Potter seria o seu dono. Sua garganta se elevou, sufocando-o com o rancor.
— Eu... — iniciou Potter, mas Severus se pôs em pé em um instante.
— Saia da minha casa. SAIA! — Estendeu a mão para Potter, cada dedo como uma garra. Cada fibra de seu ser vibrava com a vontade de sacudir aquele cretino insolente até que aquele pescoço pálido se quebrasse.
— Pare.
Uma palavra e, com o poder por trás dela, congelou Severus como uma pedra.
— Você precisa desse emprego. Sem um emprego supervisionado, você não pode usar a varinha durante cinco anos. Vai ficar aleijado. Ninguém em sã consciência contrataria o assassino de Dumbledore. É pegar ou largar. Posso encontrar outra pessoa com quem trabalhar.
Atordoado, Severus afundou na cadeira.
—Por que... está fazendo isso?
Com certeza havia algo ali que ele não conseguia decifrar.
O cansaço na voz de Potter combinava com seu verdadeiro rosto.
—Quero algo para mim. É tão difícil assim de entender?
Para alguém que havia exaurido sua vida para servir a dois lados em uma batalha de gigantes, e estava aponto de entregar mais cinco anos de servidão por contrato, "algo para mim" era tão distante e irresistível quanto o Sagrado Graal.
— E daí?
— Daí que... — Potter olhou para a miserável cozinha com o linóleo gasto, sujeira incrustada e cacos de xícaras quebradas — até mesmo você merece mais do que isso.
Potter rabiscou seu nome com um floreio ao pé da página.
Sem falar, Severus assinou sob ele.
— Você quer ver seus novos alojamentos esta noite? Você vai morar em cima da loja.
A arrogância naquelas poucas palavras era desconcertante, mesmo vinda de Potter.
— Eu deveria agradecer por você não ser nem um pouco arrogante. — No entanto, ele aceitara trocar por uma prisão forrada em pele de visom a liberdade da miséria. A decisão já estava tomada. Era melhor que colhesse os benefícios o mais rápido possível. — Muito bem.
Potter estendeu a mão.
— Ótimo. Venha comigo.
Preparando-se para lutar contra a esperança, Severus segurou-lhe a mão. Não entendeu por que se surpreendeu ao achar o contato quente e firme.
Continua...
