Custava a acreditar...desde que dissera as palavras, aqueles meses foram maravilhosos...
Oh,
pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu
olhar
Que a
saudade é o pior tormento
É pior do que o
esquecimento
É pior do que se entrevar
-Quer saber?! A verdade é que eu sempre amei você! Tá satisfeito agora?!-Gritara em um ataque de raiva, sem medir as conseqüências.
Os olhos do outro se arregalaram momentaneamente e ele, calmo, respondeu, sorrindo:
-Sim, agora estou. Sabe, Escorpião, a verdade é que eu gosto de você também.
Oh,
pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus
sinais
Que a
saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E
evita atracar no cais
Eles passaram a andar mais colados ainda. Seus sorrisos tão doces eram, para si, nada raros.
-Kamus, olha aquela flor! É pleno inverno e ela ainda está lá, de pé.-Dissera Milo, incrédulo, segurando a mão do outro e o levando para mais perto da bela raridade.
-É, impressionante mesmo.-Disse o outro, gentil.-São raros os seres que convivem com a frieza e não perdem o esplendor.
Milo corou, pois o outro dissera aquilo olhando para si.
Oh,
pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto
teu
Que a
saudade é o revés de um parto
A saudade é
arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Fechou os olhos, deixando as lágrimas escorrerem sem pudor.
Por quê? Por que tivera de ser assim?
-Mentiroso.-Murmurou.
Oh,
pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há
de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma
fisgada
No membro que já perdi
Milo tinha seis anos e Kamus era um pouco mais velho que si. Acordara suando, com lágrimas misturadas.
-Que foi, Escorpião?-Resmungara o seu frio companheiro de quarto, com o sotaque carregado pelo francês.
Milo fungou.
-Nada que te interesse, francês.-Disse, pois não queria que o outro o visse como um fraco.
-Teve um pesadelo novamente? É natural. Considerando o que você presenciou.
Estava se referindo a chacina de seus pais, que comentara com o ruivo, outro dia.
Milo ouviu a cama do outro ranger, quando este se levantou.
-O-o que você está fazendo, seu louco?-Murmurou, sem entender.
Deu graças aos deuses por estarem no escuro, pois corara furiosamente quando o mais velho o abraçara.
-Se quiser pode chorar no meu ombro. Quando quiser.-Disse e, apesar do tom indiferente, o caçula notou uma nota de carinho.
-Foi estranho o jeito como ficamos amigos, né?-Disse Milo, tentando fugir ao assunto. Kamus assentiu.
Milo se metera numa encrenca e o francês havia ido em seu socorro. Ficara todo machucado, pois os agressores eram maiores, mais velhos e mais fortes. Quando o louro perguntara ao outro por que o fizera, recebeu como resposta: "Porque senti que precisava de mim". Desde então, nunca mais se separaram. Enquanto soluçava nos braços do outro, ouviu-o dizer:
-Não se preocupe. Eu estarei sempre aqui, cuidando de você.
-Promete?-Perguntou.
-Prometo.
Oh,
pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos
meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não
quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus
-Mentiroso.-Lamentou mais uma vez e depositou no túmulo um vasinho contendo a única flor que não murchava no inverno.
