Harry Potter™, personagens e lugares, não me pertencem.
ÚLTIMOS MINUTOS
A
mulher de cabelos acinzentados presos em um coque fechou a porta
atrás de si. Assentiu. As duas pessoas que aguardavam nos sofás em
frente ao quarto se entreolharam e após uma decisão silenciosa, o
garoto levantou-se rumo ao recinto que a enfermeira deixara. Um
turbilhão de sensações o invadiu ao tocar a maçaneta fria.
Angústia, medo e uma incômoda impressão de liberdade. Fechou
momentaneamente os olhos e adentrou o cômodo parcialmente
iluminado.
Deitado sobre uma cama aparentemente confortável,
Lucius Malfoy se restringiu a abrir os olhos e fitar o filho. Não
sorriu. Sabia, tão bem quanto qualquer outro, da gravidade de seu
estado. O menino sentou-se, numa poltrona à beira do leito, tentando
concentrar-se e definir a luta que se travava dentro dele: o ódio ou
o perdão? Sim, ele era seu pai, de fato, e em momentos como esse o
sangue deveria falar mais alto. Sangue, sempre o sangue. Puro, ruim,
traidor. Jazia aí o outro lado da batalha: estava à sua frente o
homem inescrupuloso que o ensinara a julgar e desprezar pessoas com
determinada genealogia, com determinado sangue. O homem que quase o
privara dos sentimentos mais sublimes da vida, como o amor.
- Olá,
pai. - Foi tudo o que ele conseguiu pronunciar. Não houve resposta.
A maldição, destinada a Remo Lupin, que atingira Lucius por
acidente causava - mesmo após todas as tentativas de amenizá-la -
uma intensa falta de ar e uma dor incalculável. Acreditava-se
inclusive que ele não seria capaz de assimilar por completo o que
lhe fosse dito. Draco pareceu tirar dessa impossibilidade a coragem
para dizer ao pai tudo o que desejava. - Eu sinto muito. -
Prosseguiu, com sinceridade.
O silêncio voltou a reinar.
Aparentemente a intrepidez do jovem esvaíra-se. Ele agora brincava
com os dedos, buscando acalmar-se.
- Sabe, pai, eu estou feliz. -
Ele disse, de repente. - Conheci uma garota. Uma garota, não; uma
mulher. Ela é linda. Corajosa. Muito mais corajosa do que eu possa
ser um dia. - "Ou do que o senhor já chegou a ser", ele
pensou. - E quando estou com ela... - Ele se calou, reticente.
-X-
-
O que houve? - Ela perguntou, genuinamente preocupada.
Fazia frio.
Ele achava-se sentado sob uma árvore, brincando com alguns gravetos,
o rosto abaixado numa vã tentativa de esconder sua dor. Como se
fosse possível esconder algo dela. Olhou-a, os olhos cinzas já
adquiriam uma coloração avermelhada, assim como o rosto alvo. A
garota sentou-se ao seu lado, sem importuná-lo com mais
indagações.
- Meu pai. - Ele disse. - Está muito mal.
Pôde
ver os olhos castanhos entristecerem. Estampada no rosto dela estava
a prova daquele amor tão improvável. Amava-o tanto que chegava a
abalar-se com a possível morte de um Comensal somente porque esta o
afetava.
- Eu sinto muito.
Ela disse, segurando forte a sua mão
e o abraçando por fim. Ele se permitiu chorar, pela primeira vez
desde que recebera a notícia. Ela o aninhava, sem dizer mais nada,
compreendendo a importância daquele silêncio. O garoto acalmou-se,
depois de alguns longos minutos.
- Eu tenho tanta sorte de ter
você, Hermione. - Ela sorriu, aquele sorriso tranqüilizador só
dela. - Promete que não vai me abandonar? - Ele perguntava, como uma
criança pergunta à mãe após um pesadelo.
- Nunca.
Ele
sorriu e deitaram-se na grama, as mãos ainda unidas, indiferentes ao
inverno e à neve que logo cairia do céu.
-X-
-
Ela tem me apoiado tanto... Eu já a conhecia, na verdade. Desde o
primeiro ano. Mas nós nunca havíamos trocado nada além de
insultos.
Lucius continuava imóvel, os olhos fechados. Draco
parou para observar o luxuoso lugar onde se encontrava. Típico dos
Malfoy. Mesmo nos últimos instantes de vida, a arrogância e
prepotência reinavam. A mãe que providenciara o quarto, mas ele não
a culpava: esses valores estavam impregnados de tal modo que já não
se pensava neles e sim os seguia.
- Foi assim com você e a minha
mãe? - Ele perguntou, tendo consciência do tom infantil da
indagação, mas desta vez sem medo do ácido julgamento do homem que
lhe trouxera ao mundo. - Ela sempre esteve lá e eu mal a notava, se
o fazia era para criticá-la. E agora eu fico me perguntando como eu
consegui viver esse tempo todo sem ela. Isso soa bem patético, não?
Num momento eu a odiava e no momento seguinte...
-X-
-
Cale a boca, Malfoy! - Ela gritava, a planos pulmões, como resposta
a um insulto aos Weasleys. - Eles são muito mais dignos do que você
e a sua família imunda.
A garota deu as costas para um Draco
Malfoy estático, e no momento seguinte voltou em sua direção, os
punhos fechados, prontos para deferir-lhe um soco, quase como fizera
cerca de quatro anos antes. Draco, por sua vez, apenas impediu o
golpe, segurando o braço da morena com força.
- Jamais se atreva
a falar da minha família, Granger! - Ele dizia, pausadamente, o ódio
que sentia por ela quase se tornando sólido.
- Por que? Vai fazer
o que pra me calar se eu disser que não passam de um bando de
covardes? Chorar e chamar a mamãe?
- Cale a boca, Granger!
-
Vem calar!
Ele a olhou fundo nos olhos. Aqueles olhos castanhos
intimidadores. Segurou o braço dela com mais força e pôs fim aos
poucos centímetros que os separavam. Os lábios se tocaram. Os
lábios finos e frios dele; os lábios quentes dela. A mão que não
segurava o seu braço dirigiu-se instintivamente à cintura e o loiro
a puxou para mais perto de si aprofundando o beijo. Ela
correspondia.
- Me larga, seu idiota! - Ela o empurrara com força
e limpara a própria boca com as costas da mão.
O garoto sorriu
cinicamente e ainda pôde ver o Potter e o Weasley em choque com a
cena que acabavam de presenciar. Pelo menos a sangue-ruim beijava
bem, ele constatou.
-X-
- Ela conseguiu me enlouquecer. Com uma facilidade espantosa. Eu a beijei a força, durante uma discussão e de repente, a qualquer descuido, estava pensando dela. Eu a desejava quase que insanamente. "Um Malfoy sempre alcança o que deseja", não é o que você sempre me dizia?
-X-
-
Ora, ora, o que faz fora da cama, Granger? Desse jeito serei obrigado
a descontar 10 pontos da Grifinória.
- Não me amola, Malfoy.
Você sabe muito bem que hoje é o meu plantão na monitoria dos
corredores.
Ele sabia. Obviamente. Um barulho interrompeu a briga
que sequer começara. Havia alunos fora da cama. Os dois seguiram
maquinalmente em direção aos sons e acabaram por encontrar um casal
de namorados - ela, da Corvinal; ele, da Lufa-Lufa - se beijando
dentro de um armário de vassouras.
- O que está havendo aqui? -
Ela repreendeu-os, com o seu melhor tom autoritário.
Os dois
coraram e se desculparam.
- Dez pontos a menos para cada casa. -
Acrescentou.
Os garotos partiram, visivelmente irritados, deixando
o casal de monitores para trás e batendo a porta ao sair. Draco
dirigiu-se a ela e girou a maçaneta.
- Não quer abrir!
- Como
não? - Ela perguntava contrariada, empurrando-o e realizando
inúmeras tentativas de solucionar o problema. - Não abre mesmo. -
Concluiu. - Teremos que esperar amanhecer e gritar para alguém nos
soltar!
Ele achou graça do desespero dela.
- Ora, Granger, já
que ficaremos sozinhos, podíamos continuar o que começamos esses
dias. - Sua voz esbanjava malícia.
- Só sob o meu cadáver. -
Disse, com firmeza. Ainda que no fundo não tivesse detestado o beijo
por completo.
Sentaram-se. O sono começara a se fazer sentir.
Assim como o hálito de menta dele e o cheiro de frutas exalado pelos
cabelos dela. O calor dos corpos incitando o desejo mútuo.
Ele
não saberia definir quem dera o primeiro passo, nem mesmo qual fora
ele, mas alguns minutos depois o sonserino e a grifinória se
beijavam vigorosamente. As mãos dele na cintura dela. As dela, em
seus cabelos louros-platinados. Estava selada a união mais
improvável de Hogwarts.
-X-
- E ela luta ao lado de Potter. É a melhor amiga dele, na verdade. Eu sinto tanto medo... De que algo aconteça a ela. Ah, e ela é uma sangue-ruim. Com orgulho. Quem diria que depois de anos aprendendo a odiá-los eu iria me apaixonar por um deles? É irônico, não? Um Malfoy apaixonado por uma... Sangue-ruim.
-X-
Ela
nunca estivera tão linda, ele pensava. Os cachos castanhos
esparramados pelo travesseiro, a pele cândida se fundindo ao lençol
que a envolvia, um sorriso displicente nos lábios. No rosto, uma
expressão apreensiva que ela tentava camuflar a todo custo.
Ele a
olhou nos olhos. Ela suspirou. O loiro a beijou suavemente e tornou a
afastar-se para fitá-la.
- Calma, Mione. Você confia em mim?
Ela
balançou a cabeça, confirmando e relaxando logo em seguida. A
certeza de que estava exatamente onde queria estar arrastando para
longe suas inseguranças. Amava-o. Sabia que ele não seria capaz de
machucá-la, ainda que ele próprio temesse isso.
Postou-se
devagar dentro dela, calando com um beijo o seu gemido de dor. Eram
um só. Os olhos dela fecharam-se, não possibilitando ao loiro
decifrá-los. Mordia o lábio inferior com força e seu rosto
revelava a sensação indescritível de dor misturada ao prazer.
Suavam. O cheiro doce da pele dela se desprendia e o dominava. O
calor que o corpo dele transmitia a enlouquecia. Tomou-lhe novamente
os lábios. Ela arranhava suas costas, numa tentativa de extravasar o
que sentia. Aquele novo ritmo embalando os dois corpos apaixonados.
Encaixavam-se. Completavam-se.
Deitou-se
ao lado dela, observando o lençol maculado pelo seu sangue. O
sangue-ruim, pensou, achando graça. Abraçou-a pela cintura e
puxou-a para mais perto de si.
- Eu amo você. - Verbalizou, num
sussurro.
- Eu também te amo. - Ela respondeu, sorrindo.
Dormiu
abraçado a ela. Nada mais no mundo importava. Nem a guerra, nem
Potter, nem Riddle, nem o maldito nome que ele carregava.
-X-
- E eu penso em casar-me com ela. Quando a guerra terminar e nós concluirmos nossos estudos. Ela quer ser auror, sabia? Me orgulho tanto dela... - Não conteve um sorriso. O cômodo voltou a mergulhar na mais completa ausência de ruídos. Passou as mãos pelas calças, visando a acabar com um amassado imaginário. Tinha que dizer. - Pai? - Recomeçou, com um tremor na voz. - Eu estou do lado do Potter, colaborando com a Ordem da Fênix. Sabe, eu sempre tive tanto medo de decepcioná-lo que acabei indo contra minhas próprias convicções por muito tempo. Mas resolvi dar um basta nisso tudo. Me libertei. Não preciso mais da sua aprovação. Quero fazer o certo, apenas. E eu não acho que lutar ao lado de Voldemort seja o certo. - Deixou uma lágrima correr pelo rosto. - Eu só... Espero que possa me perdoar. Não espero que me compreenda, apenas que me perdoe... - Lucius piscou os olhos demoradamente. - Pode ir em paz, sabendo que o seu filho não vai seguir o seu caminho. - Beijou a testa do pai e partiu.
-X-
N/A: Obrigada por ler até aqui. E revisem! ;)
