Retratação: A imensa maioria dos personagens aqui tratados com tanto carinho não são meus, me aproprio deles apenas para dar vazãoao meu amor pela série, sem fins lucrativos.

Horemheb é criação da Mme. Verlaine.

Já a tia Irina, essa é muito minha, viu!


Roda-viva
Por Lola Spixii

"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu?
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mais eis que chaga a roda-viva
E carrega o destino pra lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração"

(trecho de Roda-viva, Chico Buarque)

Capítulo 1 - Recomeços

– Tia Irina... – A jovem loira entrou correndo pelo quarto quase derrubando um rapazinho vestido de branco que se interpunha no seu caminho.

– Minha filha – a velha estendeu a mão direita, trêmula, para frente buscando contato com a sobrinha.

– Tia Irina, como a senhora estÿ – abaixou-se em frente à cadeira de rodas, acomodando a mão trêmula e pálida entre as suas e a beijando nervosamente.

– Não poderia estar melhor, minha querida... agora que você está aqui – a voz se mostrava cansada, tão fraca quanto a velha.

– Me perdoe... Me perdoe, por favor...

– Você foi atrás do seu sonho, minha filha, não pode ser condenada por isso.

– Não há lugar para sonhos nesse mundo, tia. Eu nunca devia ter saído de São Petesburgo...

– Shhhh... Não diga isso, querida – estendeu a mão esquerda na direção da sobrinha – Deixe-me tocar seu rosto.

– Nunca devia ter deixado a senhora – A jovem loira levou as duas mãos cansadas da tia até o próprio rosto, não conseguindo conter as lágrimas ao encarar as orbes dela, que mais pareciam duas postas de sangue, rubras e inertes.

Os dedos delicados da velha passeavam pelas faces da jovem, contornando cada detalhe do rosto com esmero.

– Não, minha querida, eu era uma velha presa à uma cadeira de rodas, me sentiria ainda mais desgraçada se você ficasse aqui, tão inválida para a vida quanto eu, só que jovem e bonita.

– Não fale assim, tia.

A velha suspirou longamente, sentindo serem reavivadas suas lembranças de dias felizes.

– Quando as suas revistas chegavam aqui... era uma festa. Não é verdade, Serge? – ela se dirigiu para o enfermeiro – Eu passava horas procurando a sua foto, página por página – a velha sorria – Onde estão as revistas, Serge? Eu as guardei todas, minha filha.

A jovem loira atirou o seu corpo de encontro ao corpo quase inerte da tia, abraçando-a.

– Até que foi ficando difícil encontrar você nas revistas – ela ia dizendo enquanto acariciava os cabelos da sobrinha – Cada dia ficava mais difícil... e quando me dei conta, já estava cega como uma toupeira – sorriu tristemente – Sabe, minha filha, acho que é a idade, mas depois que perdi a visão comecei a esquecer o seu rosto... – a velha afastou o corpo da sobrinha e voltou a acariciar a face branca – Mas agora eu já posso morrer em paz...

– A senhora não vai morrer, tia Irina.

A velha deu mais um desconcertante e triste sorriso, ignorando completamente o comentário recém-feito pela sobrinha.

– Por que esses meus olhos – ela disse mostrando as mãos delicadas – permitiram que eu te visse novamente. A lembrança me está tão viva... parece que não faz um único dia que você entrou por essa porta, toda sorridente, para se despedir de mim. É engraçado... eu não consigo lembrar de nenhuma das suas fotos de revista... nenhuma. Mas a expressão de felicidade que os seus olhos tinham no dia que você foi embora... parece que foi ontem...

– Eu amo a senhora...

– Eu também te amo minha filha... E nunca mais, prometo! Nunca mais vou esquecer o seu rosto – a velha chorava, mas não havia lágrimas em seus olhos, as glândulas lacrimais já haviam perdido a atividade há muito tempo, por culpa da Síndrome que agora provocava a cegueira.

– Dona Irina, não deve se emocionar tanto – o enfermeiro se aproximou, tocando no ombro da velha – A Senhorita também, está gráv...

Antes que o enfermeiro conseguisse terminar a frase, a jovem loira lhe lançou um olhar desesperado e banhado de lágrimas, enquanto elevava o dedo indicador até a boca, em um pedido mudo e discreto de silêncio, que ele compreendeu e atendeu.

– Natassia, você disse que não há lugar para sonhos no mundo... eu sonhei... sonhei que a veria novamente... e a estou vendo, minha filha.

As duas choravam compulsivamente e o enfermeiro achou por bem intervir mais diretamente. Tocando a mão de Natassia a ajudou a levantar-se e lhe indicou que deveria sair do quarto.

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Era irônico, sim, muitíssimo irônico. Desde o dia anterior parecia que havia alguma mão desgraçada manipulando os acontecimentos apenas na intenção de faze-lo estar naquela situação, naquele instante. Sim, por que não podia acreditar que aquele montante de coincidências nefastas pudessem ser criadas ao acaso, era matematicamente impossível.

Mas o fato era que agora ele estava justamente entre aqueles dois, de quem gostaria de manter máxima distância desde o dia anterior. À sua direita, o traidor, à esquerda, o motivo da traição. E, nesse contexto, até a rígida e antiqüíssima ordem das Casas Zodiacais, da primeira até a décima segunda, de Áries até Peixes, parecia ter sido criada apenas para humilha-lo, já que fora essa maldita ordem que o colocara entre os dois.

Se aquela não fosse a cerimônia mais importante da sua vida teria dado uma desculpa qualquer, sequer se preocuparia em ser convincente, simplesmente não apareceria. Mas àquela não poderia faltar, não à cerimônia de nomeação dos Cavaleiros de Ouro, em que ele próprio seria nomeado, além de outros cinco, em que os dois infelizes estavam incluídos.

E, perfilados daquela forma, será que todos estavam assim tão irritantemente próximos uns dos outros? Será que os braços de Horemheb e Aioria quase se tocavam assim como os dele e do traidor à sua direita? Quanto tempo duraria aquela cerimônia? Quanto tempo teria que suportar aquela situação? Estava chegando no seu limite. Os pêlos do braço dele tocavam os pêlos do seu braço e isso lhe causava um incômodo inominável, uma vontade quase incontrolável de fugir correndo dali.

Que poderia fazer? A cerimônia já começara e nem cogitava a hipótese de interrompe-la para que pedisse ao outro que se afastasse, isso seria o cúmulo do ridículo. Por outro lado também não suportaria aquele contato por nem mais cinco minutos. Então, no auge do desespero, começou a envergar o corpo para a esquerda o mais lentamente que pôde, para que ninguém percebesse. Ao final da cerimônia teria conseguido uma bela dor nas costas, mas qualquer dor nas costas era menor do que a dor dos pêlos do braço dele roçando nos seus.

Foi envergando, envergando... os olhos parados sobre a máscara do Grande Mestre, fingindo atenção, e os músculos intercostais fazendo o seu silencioso trabalho. Foi com grande alívio que se sentiu livrando, pouco a pouco do contato que o oprimia e humilhava. E somente depois da euforia da conquista da liberdade ter passado foi que percebeu o preço que devia pagar por ela. Não sentia mais os pêlos do desgraçado da direita, mas sim a pele aveludada do desgraçado da esquerda. Inferno. E agora? Estava condenado a passar os próximos minutos, ou talvez horas, suportando aquela provação.

Tentou criar algum tipo de critério que o fizesse ser imparcial na escolha do braço de quem iria ficar encostado. Algo como... a mão que o Grande Mestre gesticulasse primeiro seria o lado que teria que suportar o contato, mas o Grande Mestre era destro e isso já tirava a aleatoriedade da escolha. Pensou em mais uns dois ou três critérios mas nenhum deles era bom suficiente, todos lhe pareciam viciados, pareciam querer devolver para ele a responsabilidade pela escolha e ele não queria essa culpa, não precisava de mais essa.

Acabou optando, se é que a falta de opção pode ser encarada como opção, por se encolher. Desfez lentamente a inclinação na coluna, no mesmo ritmo contraiu os músculos do braço, costas, peito, trapézio e mais alguns apenas por desencargo de consciência. Deu graças aos Deuses pelo coração ser um músculo de contração involuntária, pois seria capaz, naquele momento de quase total irracionalidade, de contraí-lo também. Precisava de apenas alguns milímetros e os conseguiu, à grande custo, mas conseguiu.

Teve, então, o seu primeiro momento de lucidez desde que entrara no Salão do Grande Mestre. E se repreendeu por ainda não ter conseguido prestar atenção em uma única palavra de Shion, que monologava desde o início da cerimônia. Neste exato momento ele tratava, em seu discursso, de alguma coisa relativa à honra dos Cavaleiros, que ele nem chegou a conseguir contextualizar. Se esforçava ao máximo para manter sua atenção nas palavras do Grande Mestre mas, além do esforço absurdo para manter todo aquele conjunto de músculos contraídos, e disso ele não abriria mão, outra coisa o incomodava.

Do lado direito, o traidor às vezes movia lentamente a cabeça na sua direção, podia sentir o peso do olhar dele sobre si e tinha que fazer uma força enorme para não ceder ao magnetismo que aqueles olhos continuavam a exercer sobre os seus. Contraiu também os músculos oculares, impedindo as orbes de qualquer movimentação que o denunciasse. Mas, apesar de todo o esforço, inconscientemente desviava a sua atenção para a periferia do seu campo visual, onde conseguia ver o contorno do rosto do infeliz com uma mórbida nitidez.

Era a mesma morbidez que havia no sorriso da Mona Lisa, que apenas podia ser percebido quando o observador não olhava diretamente para ela, a Mona Lisa ria de cada um de nós pelas costas. Ela tinha o perfil perfeito de quem poderia ter arquitetado o plano que o fizera estar naquela situação. Sim, Mona Lisa, ela planejara tudo. Ou então, melhor, ela talvez fosse a personificação de alguma força superior, destino, karma, uma testa de ferro. E aquela estranha capacidade que ele estava tendo de enxergar o maldito mesmo estando ele quase fora do seu campo de visão era como um rastro, deixado de propósito, para que ele, com o seu raciocínio lógico, conseguisse chegar à conclusão que chegara ainda agora. Sim, alguém ria dele naquele exato momento.

De repente sentiu todos os olhares sobre si e isso o desconcentrou, o desconcentrou daquilo em que não devia estar concentrado.

– Camus!

Era o Mestre Shion que o chamava, já impaciente. Piscou os olhos algumas vezes, acordando do seu transe e perdendo o controle sobre os músculos. No instante seguinte já não era mais apenas os pêlos de Miro ou a pele aveludada de Afrodite que roçavam nos seus braços, sentia as cãibras lhe doerem até os fios ruivos e a vergonha lhe consumir impiedosa. Derrota. Completa derrota.

Tentou ensaiar um desculpe que ficou preso ainda na garganta. Foi com a ajuda de Um, que de pé quase atrás do Grande Mestre, lhe gesticulava para que se aproximasse de Shion, que se lembrou de que esse era o momento da sua nomeação e de que deveria se ajoelhar perante o ariano e fazer um bendito juramento do qual não lembrava palavra.

Cada passo foi lacinantemente doloroso, física e moralmente. Quando largou o corpo sobre os joelhos sentiu o conforto medíocre que só uma alma em profunda agonia experimenta. Se não fosse por Mu, sequer teria conseguido fazer o juramento, que ele lhe cantou, palavra por palavra, em uma demonstração sublime de compaixão.

Apenas alguns minutos depois a cerimônia estava terminada, ele já era um Cavaleiro de Ouro, podia ir para a sua Casa, talvez jamais saísse de lá tamanha era a vergonha que sentia. Foi se encaminhando nessa direção, quando Mu se aproximou dele.

– Camus, espere... o Mestre Shion quer falar em particular contigo.

– Agora? – perguntou com um profundo desânimo. Tinha mesmo que ser naquele momento? Quando poderia finalmente desfrutar tranqüilamente da sua dor?

– Agora.


Olá

Essa fic surgiu da minha vontade de arrancar-me o rótulo de só escrever Miro & Camus. Para tanto, resolvi trocar o Camyu de par, resolvi qua ia juntá-lo com a mãe do Hyoga (essa idéia não é nada original, eu sei!).

Mas, a minha mente doentia não conseguiu se limitar a isso, nem muito menos ignorar Camyu & Milucho, e acabei criando um roteiro bem mais pretensioso do que eu imaginei de início. Enfim, vamos ver o que acontece. E esse vamos ver o que acontece inclui yaoi, lemon e hentai, portanto...

Ah, e para quem não conhece o Horemheb, ele é uma visão alternativa do Máscara da Morte, criado pela Mme. Verlaine para a fic A Gênese.

Quem quiser falar comigo no MSN: lola underlined spixii arroba hotmail ponto com. Quem não quiser, um reviewzinho não machuca ninguém!

Chega de tra-la-la, até o próximo capítulo.

Bjinhos!

(Março de 2005)