Saudade
Fred e Jorge.
Jorge andava assim, cabisbaixo o cabelo enferrujado opaco e quebradiço. Caminhando pela toca, perdido e oco, faltava uma parte de si para se sentir completo.
Tudo era estranho, e parecia que a qualquer momento ele voltaria. A risada ecoava pelo quarto, risos misturados com o temor da reprimenda dos pais por conta das travessuras.
As lembranças de tempos mais fáceis o invadia, e transportava-o, como quando arrebentaram a cama dos pais brincando de correr pelo corredor e se jogar na cama... Naquele dia, equilibraram os destroços da cama cuidadosamente, arrumaram a cama, puseram na cara a expressão mais inocente do mundo, e fingiram que, pela primeira vez, estavam com brincadeiras comportadas. Quando a senhora e o senhor Wesley voltaram para casa e foram para o quarto descansar, os gêmeos puderam ouvir o berro de susto da Senhora Wesley depois da cama se desmontar...
Fred sonhava em ter uma família grande, Jorge não tinha essa ambição. Fred era engraçado, mas e Jorge preferia a ação. Centenas de artes todos os dias. Eram como pão quente com manteiga: Combinação perfeita.
Jorge ainda não entendia. Como aquilo pode acontecer?
Senhora e senhor Wesley estavam arrasados.
... E se tivesse sido eu?...
... Por que não eu?...
...Como tirar essa dor?...
... De onde vem esse nó na garganta?...
... Quanta solidão...
Perder um irmão é atroz.
A dor o invadia, com suas garras gélidas apertando a garganta, e o choro transbordava pelos olhos.
Aquela imagem dura: Seu melhor amigo, seu companheiro de existência, deitado naquela dura caixa, com as mãos inchadas cruzadas sob o estomago, e rosas cobrindo-o, o rosto arroxeado com o tom a rigidez e gelo do óbito... Era insuportável e irracional.
Indecifrável, indelicada e estupida morte.
Cada nova ação naquele carrossel de dor a que chamaram velório, fazia-o sentir as tripas derreter e o coração gelar.
O primeiro impacto do irmão sobre os pedestais.
A falta de movimento do tórax.
O momento em que encaixaram a tampa sobre o caixão – céus, quanto desespero calado!
Segurar uma das alças, ao lado de seu pai, sentir pela ultima vez o peso do corpo de Fred.
O encaixe na cova.
A primeira pá de terra.
O primeiro dia em casa sem seu gêmeo.
Por que Deus foi tão injusto?
Será que existe algum lugar melhor? Será que Fred ainda vivia em outro plano?
Impossível saber.
Por isso o desespero.
A falta física. O cheiro que ainda estava no travesseiro. Os planos incompletos. A vida interrompida.
Tudo que poderia ter sido e não foi.
FIM.
In memoriam – Álvaro Filipe – Meu amado irmão.
