N/A: Essa história não me pertence, ela é de um livro que li recentimente da autora Candace Camp, é uma série de quatro livros que irei postar aqui no fanfiction, essa história é a primeira, espero que gostem.
Capítulo Um
Lady Hale contemplou à multidão que havia abaixo dela, com uma mão apoiada ligeiramente no corrimão de nogueira negra e brilhante. Era consciente de que a as pessoas se viravam para olhá-la. De fato, teria se sentido decepcionada se não fosse assim.
Rosálie Hale tinha sido uma das belezas reinantes da alta sociedade durante mais de uma década; aos trinta e três anos, não lhe interessava o fato de ser precisa quanto ao tempo que tinha transcorrido desde sua apresentação em sociedade. A natureza a tinha dotado com uma grande beleza: tinha o cabelo loiro, quase dourado, os olhos azuis e grandes, a pele suave e branca, o nariz reto, ligeiramente arrebitado, e os lábios um pouco curvados para cima pelas comissuras, o que conferia a seu sorriso um ar vagamente felino. Tinha também um pequeno lunar na face, perto da boca, cujo único efeito era o de acentuar a perfeição de seus traços. Era de estatura média, mas suas formas esbeltas e seu porte elegante faziam com que parecesse mais alta.
Entretanto, inclusive com todas as vantagens que a natureza tinha concedido a Rosalie, ela sempre se assegurava de aparecer em público impecavelmente arrumada e de modo que suas características se vissem ainda mais realçadas. Sempre levava os melhores vestidos, o calçado que melhor complementasse os trajes e o penteado que mais favorecesse ao seu rosto. Seu traje sempre seguia os ditados da última moda, mas ela não escolhia as tendências passageiras, porém só aquelas cujos matizes ressaltassem melhor a cor de sua pele, de seus olhos e de seu cabelo, e os estilos que mais embelezassem sua figura.
Aquela noite usava um vestido de cetim, de cor azul clara, com o decote à altura adequada para deixar à vista, de uma maneira sedutora, mas não vulgar, os seios e seus ombros brancos e suaves. O decote estava adornado com bordado prateado, que também rematava os baixos do vestido e que se derramava como uma cascata pela meia cauda na traseira da saia. Levava um simples, mas maravilhoso colar de diamantes e um bracelete a jogo, e também um penteado com alguns brilhantes disseminados pelo cabelo.
Rosalie estava segura de que ao vê-la ninguém se teria imaginado que suas finanças eram bem parcas. A verdade era que seu defunto marido, do qual não tinha saudades, absolutamente, Lorde Andrew Hale, tinha morrido lhe deixando em herança enormes dívidas por causa de seu vício de jogo e de apostas. Ela tinha tido trabalho para ocultar aquela realidade. Ninguém sabia que as jóias que levava eram cópias das verdadeiras, que tinha tido que vender. Tampouco ninguém, nem sequer a mais vivida das damas da sociedade londrina, suspeitava que tivesse cuidado dos sapatos que levava com esmero, de modo que já estavam em sua terceira temporada. Nem que seu vestido estava confeccionado a partir de outro que tinha usado durante a temporada anterior, e que sua habilidosa criada tinha convertido em um traje digno da moda francesa mais recente.
Um dos poucos que conheciam sua situação verdadeira era o homem elegante e esbelto que estava ao seu lado, sir Lucien Talbot. Ele se tinha unido ao círculo de admiradores de Rosalie durante sua primeira temporada, quando era uma mocinha , e embora o interesse romântico que tinha mostrado por ela não fosse mais que uma agradável ficção em que os dois participavam; sua devoção por ela era bastante real, e durante os anos que tinham transcorrido, tinham chegado a ser grandes amigos.
Sir Lucien era um homem muito elegante e engenhoso, e aquelas duas características, unidas ao seu estado de perpétuo celibato, convertiam-no em um convidado muito procurado nas festas. Era bem sabido que não tinha dinheiro, como toda a família Talbot, mas isso não prejudicava sua reputação nem lhe impedia de acessar aos círculos mais seletos; esta era uma qualidade que as anfitriãs da alta sociedade tinham em muito alta consideração. Sempre se podia contar com ele para que animasse uma conversa com um ou dois comentários mordazes, nunca fazia cenas, era um bailarino excelente e seu selo de aprovação para uma festa era suficiente para estabelecer a boa reputação de um anfitrião.
- Vá, que multidão - comentou naquele momento, observando com o monóculo às pessoas que havia abaixo deles.
- Acho que Lady Welcombe tem a profunda convicção de que um baile deve estar o mais concorrido possível, com o único limite de que os convidados tenham espaço para dançar. - concordou Rosalie, enquanto se abanava com frouxidão - Receio descer. Sei que pisarão em mim, sem remédio.
- E não é esse o objetivo de um baile?
Aquela pergunta tinha sido formulada por uma voz grave que provinha de trás, ligeiramente à direita. Francesca conhecia aquela voz.
- Rochford - disse antes de voltar à cabeça - Surpreende-me encontrá-lo aqui.
Lucien e Rosalie viraram para saudar o recém-chegado, que fez uma ligeira reverência e respondeu:
- Seriamente? Parece-me que alguém pode pensar que verá todos seus conhecidos neste baile.
Depois, apertou os lábios com uma careta familiar que era quase, embora não de tudo, um sorriso. Chamava-se Emmett e era o quinto duque do Rochford, e se a presença do Lucien era solicitada pelas anfitriãs, a assistência do Rochford a uma festa era a máxima aspiração de todas elas.
Emmett era um homem alto, magro e de ombros largos. Ia vestido de impecável negro e branco, tal e como se requeria nas ocasiões formais; levava um broche de rubis no lenço do pescoço e abotoaduras a jogo. Era um dos homens mais poderosos da aristocracia, e, além disso, muito bonito. Seu comportamento, igual a sua forma de vestir, era elegante e discreto. Causava admiração entre os homens por sua habilidade no manejo dos cavalos e por sua certeira pontaria, e era perseguido pelas mulheres devido a sua grande fortuna, suas maçãs do rosto marcadas e seus olhos negros. Tinha quase quarenta anos e nunca se casara, e como conseqüência, converteu-se no desespero da maioria das damas da alta sociedade, inclusive daquelas com mais determinação.
Rosalie não pôde evitar sorrir um pouco ante sua resposta.
- Provavelmente têm razão.
- Como sempre, é uma visão, Lady Hale - disse Emmett.
- Uma visão? - perguntou Rosalie, arqueando uma de suas delicadas sobrancelhas - Me dou conta de que não disse que tipo de visão. Poderiam encontrar-se muitas formas de terminar essa frase.
Brilharam os olhos de Emmett, mas respondeu em tom neutro:
- Ninguém que tivesse olhos imaginaria algo que não fosse uma visão de beleza.
- Uma excelente recuperação - lhe disse Rosalie
Sir Lucien se inclinou para Rosalie e lhe sussurrou:
- Não olhe. Lady Cuttersleigh está se aproximando.
Uma mulher alta e muito magra se aproximava deles, seguida de seu marido, um homem baixo e robusto. Lady Cuttersleigh era filha de um conde, mas se tinha casado com um barão, e costumava recordar a seu marido, e ao resto do mundo, que seu matrimônio estava abaixo de suas possibilidades. Considerava que era seu dever casar a suas numerosas filhas com alguém digno de sua elevada linha de sangue.
Entretanto, dado que suas filhas se pareciam muito a ela no físico e o caráter, estava-lhe sendo difícil. Aquela era uma das poucas mulheres que não tinha retrocedido no empenho de conseguir o duque do Rochford como genro.
Emmett fez uma leve careta de dor antes de voltar-se e executar uma perfeita reverência para saudar o casal que se aproximara.
- Minha senhora Cuttersleigh.
- Lady Hale - disse Lady Cuttersleigh para saudar Rosalie, e depois assentiu desinteressadamente para sir Lucien, cujo título estava muito abaixo de suas aspirações. Virou-se novamente para o Rochford com um sorriso e afirmou - Maravilhosa festa, não acham? A festa da temporada, diria eu.
Rochford não disse nada, limitou-se a sorrir com dissimulação.
- Pergunto-me quantas festas da temporada haverá este ano - ironizou sir Lucien.
Lady Cuttersleigh o olhou com desdém.
- Só pode haver uma.
- OH, me parece que haverá três, ao menos - interveio Rosalie - Uma delas é a que conta com uma maior assistência de convidados, que será esta, certamente; mas também há a festa ganhadora deste ano quanto ao luxo com o que está decorada a casa.
- E também há a que ganhará pela importância dos convidados que forem - acrescentou sir Lucien.
- Bom, eu sei que minha Amanda sentirá ter perdido esta - disse Lady Cuttersleigh.
Francesca e Lucien se olharam, e Francesca abriu seu leque e o ergueu até seu rosto para ocultar seu sorriso. Fora qual fosse o assunto de que estivessem falando, Lady Cuttersleigh arranjava um jeito para pôr suas filhas na conversa.
Lady Cuttersleigh começou a descrever detalhadamente a febre que tinha prostrado as suas duas filhas mais novas, e a maneira tão comovedora em que sua filha mais velha, Amanda, ficou em casa para cuidar delas. Rosalie se perguntou onde estava o instinto maternal daquela mulher, pois era sua filha que tinha tido que ficar cuidando das duas meninas doentes.
Lady Cuttersleigh seguiu espraiando-se com as virtudes da Amanda até que Rochford interveio.
- Sim, minha senhora, está claro que sua filha mais velha é uma Santa. Verdadeiramente, entendo que só o mais virtuoso dos homens seria um marido apropriado para ela. Posso sugeri-la ao reverendo Hubert Paulty? É um homem excelente, e muito adequado para ela.
Lady Cuttersleigh ficou sem palavras. Olhou ao duque com abatimento, piscando rapidamente e tentando recuperar-se daquele golpe para retomar seus esforços.
Emmett, entretanto, foi muito rápido para ela.
- Lady Hale, acho que me tinha prometido que me apresentaria a seu estimado primo - disse a Rosalie, lhe oferecendo o braço.
Rosalie lhe lançou um olhar divertido, e lhe disse em um tom de voz recatado:
- É obvio. Se nos desculparem, Lady Cuttersleigh. Sir Lucien.
Sir Lucien se inclinou para ela e sussurrou:
- Traidora.
Rosalie não pôde reprimir um risinho enquanto se afastava pelo braço do Rochford.
- Meu estimado primo? – repetiu - Refere-se ao que tanto carinho professa a seu oponente, ou ao que fugiu ao Continente depois de um duelo?
Um vago sorriso se desenhou nos lábios do duque.
- Refiro-me, minha formosa senhora, a qualquer que possa me liberar de Lady Cuttersleigh.
Rosalie sacudiu a cabeça.
- Que mulher tão horrível. Está assegurando celibato de todas suas filhas com esses esforços para casá-las. Não só é muito torpe na hora de impor-lhe às pessoas, mas também suas expectativas excedem com muito as possibilidades das moças.
- Você, conforme percebo, é uma perita nesses assuntos – disse Emmett, em um tom ligeiramente zombador.
Rosalie o olhou com as sobrancelhas arqueadas.
- Seriamente?
- Oh, sim. Ouvi dizer que é aquela a que terá de se consultar quando se faz uma incursão nas tempestuosas águas do mercado do matrimônio. Entretanto, alguém se pergunta por que você mesma não pôs nas listas de novo.
Rosalie lhe soltou o braço e se voltou para o corrimão para olhar à multidão que havia abaixo deles.
- Encontro-me a gosto em meu status de viúva, Excelência.
- Excelência? - repetiu ele zombeteiramente - Depois de tantos anos? Parece-me que a ofendi uma vez mais. Temo que seja bastante propenso a fazê-lo.
- Sim, parece que é perito nisso - respondeu Rosalie - Não, não me ofendeu. Entretanto, pergunto-me se... estão-me pedindo ajuda?
Ele soltou uma gargalhada.
- Não, não. Só estava conversando.
Rosalie se virou de novo para o duque e o observou fixamente, perguntando-se por que teria puxado aquele assunto. Possivelmente se tivessem estendido rumores sobre seus esforços de casamenteira? Durante aqueles últimos anos, Rosalie tinha ajudado a mais de um casal de pais que estava tentando casar com êxito a uma filha. Esses pais sempre lhe tinham demonstrado sua gratidão com algum presente, é obvio, depois que Rosalie tinha guiado à moça, sob seu amparo, pelos difíceis caminhos da alta sociedade para os braços do marido adequado.
Entretanto, aqueles presentes se davam com a máxima discrição por ambas as partes, e Rosalie não entendia como tinha podido saber-se que certo broche de prata ou certo anel de rubi se empenharam no estabelecimento de algum prestamista.
Emmett a olhou também, e Rosalie detectou a faísca da curiosidade em seus olhos escuros. Então disse, rapidamente:
- Sem dúvida, acha insignificante essa qualidade.
- Claro que não. Conheci muitas mães formidáveis e empenhadas em converter a suas filhas em duquesas, muitas para desdenhar os esforços de uma casamenteira.
- Realmente, é assombroso - continuou Rosalie -, contemplar como muitas dessas mães dirigem a questão da forma mais equivocada. Não só Lady Cuttersleigh. Olhem a aquelas moças.
Rosalie apontou para um grupo que havia abaixo deles, junto ao vaso de uma palmeira. Uma mulher de meia idade, vestida de cor arroxeada, estava junto a duas jovens que, claramente, eram filhas dela, tendo em conta a desafortunada semelhança que havia entre elas.
- Normalmente, as mulheres que não têm idéia de como vestir-se, se empenham em escolher a roupa de suas filhas - comentou Rosalie - Neste caso, a mãe vestiu às filhas de cor lavanda, um tom mais juvenil do que o arroxeado que ela usava; e qualquer tom dessa cor é desastroso com sua cor de pele, porque só serve para fazê-la mais amarelada. Além disso, levam muitos babados, muito bordado e muitos laços. E olhe como a mãe fala e fala, sem deixar que suas filhas pronunciem uma só palavra.
- Sim, já vejo - respondeu Emmett - Mas certamente este é um exemplo extremo. Não acredito que tivessem muitas esperanças inclusive sem uma mãe tão dominante.
Rosalie emitiu um som desdenhoso.
- Eu o conseguiria...
- Vamos, querida... - disse ele, com um olhar de diversão.
Rosalie arqueou as sobrancelhas.
- Duvidam de mim?
- Inclino-me acima de tudo seu conhecimento - disse ele -, mas penso que nem sequer você conseguiria casar certas moças.
Aquele tom zombeteiro irritou Rosalie. Sem deter-se para pensar, disse:
- Sim poderia. Poderia fazer que qualquer garota desta sala estivesse comprometida antes do final da temporada.
Ele conteve um sorriso de um modo decididamente aborrecido e disse com despreocupação:
- Quer fazer uma aposta?
Rosalie pensou que tinha sido impetuosa, mas não podia retirar-se ante aquele tom de voz de brincadeira.
- Sim, Quero.
- Qualquer moça da sala? -perguntou Emmett.
- Qualquer moça.
- E tomaria sob seu amparo até que estivesse comprometida com um candidato aceitável, antes do fim da temporada social?
- Sim - respondeu Francesca, olhando-o com frieza. Ela não era das que se amedrontavam ante um desafio - E você pode escolher à moça.
- Mas, o que no apostaremos? Vejamos... se eu ganhar, deve aceitar nos acompanhar, a minha irmã e a mim, quando formos fazer nossa visita anual a nossa tia avó.
- Lady Jane? - perguntou Rosalie com um pouco de horror.
Quando respondeu, brilhavam os olhos de Emmett.
- Vá, pois claro. Lady Jane professa um grande carinho a você, se por acaso não sabia.
- Sim, o mesmo carinho que professa um falcão a um coelho gordo – respondeu Rosalie - Entretanto, aceito porque sei que não vou perder a aposta. E o que conseguirei eu quando você perder?
Ele a olhou, pensativamente, durante um momento antes de responder:
- Acho que um bracelete de safiras da mesma cor que seus olhos. Acho que as safiras agradam a você - seus olhares ficaram apanhados um no outro durante uns instantes. Então, Rosalie se virou e disse de maneira insossa:
- Sim, agradam-me. Isso estará bem.
Apertou um pouco seu leque, ergueu o queixo e fez um gesto para os convidados da festa.
- Bem, a que moça escolhe?
Ela esperava que Emmett escolhesse a uma das duas jovens tão pouco agraciadas sobre as que tinham estado falando.
- A que leva o enorme laço na cabeça, ou a que leva a pluma abatida?
- A nenhuma - respondeu ele, surpreendendo-a. Depois assinalou, assentindo, à mulher alta e esbelta que havia atrás das moças, vestida com um traje cinza simples.
Estava claro, pela simplicidade daquele vestido, que a mulher tinha ido à festa em qualidade de acompanhante e não de debutante - Escolho a aquela.
• • •
Alice Brandon estava aborrecida.
Supunha-se que devia sentir gratidão, tal e como lhe dizia freqüentemente sua tia Blanche, por estar em Londres durante a temporada social e por poder ir a grandes festas como aquela. Entretanto, Alice não podia alegrar-se muito pelo fato de acompanhar a suas primas a tão numerosos bailes. Havia uma grande diferença entre desfrutar da temporada social como protagonista, caso de Georgiana e Margaret, e observar em um segundo plano como alguém desfrutava daqueles eventos. Sua oportunidade de ter uma temporada social tinha passado fazia muito tempo.
Quando ela fez dezoito anos e chegou o momento de sua apresentação, seu pai se havia ficado doente, e ela tinha passado os cinco anos seguintes cuidando-o enquanto sua saúde decaía progressivamente. Ele tinha morrido quando ela tinha vinte e três anos, e como sua propriedade estava vinculada aos herdeiros masculinos e Alice não tinha irmãos, a propriedade tinha ido parar às mãos de seu tio, Roger. A Constance, solteira e sem meios econômicos suficientes para manter-se, além da pequena soma que seu pai lhe tinha deixado em herança e que tinha investido integralmente em recursos públicos, tinha permitido que permanecesse na casa quando sir Roger e sua família se instalaram nela.
Sua tia Blanche lhe havia dito que com eles sempre teria um lar, embora pensasse que seria melhor que Alice deixasse seu quarto e ocupasse outro muito menor na parte traseira da casa. O quarto maior, com suas lindas vistas ao jardim, era mais adequada para as duas filhas dos donos da casa.
Aquele movimento tinha sido um gole amargo para Alice, mas se tinha consolado pensando que ao menos tinha um quarto para si, e que não devia compartilhá-lo com suas primas; daquele modo, podia retirar-se ali de vez em quando para desfrutar da paz e da tranqüilidade.
Alice tinha passado aqueles últimos anos vivendo com seus tios e suas primas. Tinha ajudado a sua tia com as meninas e com a casa para ser útil e lhe agradecer o fato de que a tivessem acolhido, mas também porque estava claro que eles esperavam aquele gesto em compensação pela habitação e o alojamento.
Pacientemente, Alice economizava e reaplicava os pequenos ganhos que recebia de sua herança, com a esperança de que algum dia acumularia o suficiente para poder manter-se e viver sozinha.
Dois anos antes, quando sua prima mais velha, Georgiana, tinha completado dezoito anos, seu tio e sua tia tinham decidido que, devido aos gastos que supunha uma estréia, seria melhor esperar que a segunda moça também fizesse dezoito anos e apresentar em sociedade a suas duas filhas de uma vez.
Alice podia ir com eles a Londres, havia-lhe dito com deferência sua tia, em qualidade de dama de companhia das moças. Não se tinha mencionado que participasse daquele rito social de nenhum outro modo. Embora a temporada londrina fosse em parte uma espécie de mercado matrimonial para mães com filhas casadouras, nem Alice nem sua tia pensavam que Alice fosse um bom partido para nenhum marido. Era uma mulher atraente; tinha os olhos de cor cinza e grandes e uma cabeleira espessa de cor castanha escura e avermelhada, mas aos vinte e oito anos se convertera em uma solteirona, porque fazia tempo que tinha ultrapassado a idade conveniente para apresentar-se em sociedade. Já não podia vestir-se de cores claras nem fazer caracóis no cabelo. De fato, a tia Blanche preferia que Alice levasse uma touca, mas embora Alice aceitasse levá-la durante o dia, para as festas recusava colocar aquele símbolo definitivo de suas esperanças malogradas.
Alice fazia todo o possível por cumprir com as expectativas de sua tia, porque sabia que seus tios não tinham obrigação de acolhê-la depois da morte de seu pai. Que o tivessem feito principalmente por medo à desaprovação social e por ter uma criada grátis para suas filhas não eram motivos suficientes para não lhes professar gratidão.
Entretanto, às vezes lhe era muito difícil suportar o falatório de suas primas, que eram tolas e inexplicavelmente presunçosas. E embora também fosse algo presunçoso de sua parte, Alice detestava levar aqueles aborrecidos vestidos de cor cinza, marrom e azul marinho, as cores que sua tia considerava mais adequadas para uma mulher solteira de certa idade.
Observar às pessoas brilhantes da alta sociedade produzia certo prazer, é obvio, e Alice estava concentrada naquele passatempo. Estava observando ao casal que havia no alto da escadaria, olhando aos convidados da festa como monarcas que tivessem contemplado a seus súditos. Aquela era uma analogia idônea, porque o duque do Rochford e Lady Rosalie Hale estavam entre os membros reinantes da sociedade londrina. Alice, é obvio, não conhecia nenhum dos dois, porque eles se moviam em um círculo muito superior ao de seu tio Roger e sua tia Blanche. Só naqueles eventos tão grandes como aquele baile Alice via-os.
Naquele momento, eles dois começaram a descer pelas escadas, e Alice perdeu sua visão entre a multidão. Sua tia se virou para ela naquele mesmo momento e lhe disse:
- Alice, querida, busque o leque da Margaret. Parece que deixou cair.
Constance passou os minutos seguintes procurando o leque, assim não se deu conta de que se aproximavam duas mulheres até que a respiração agitada de sua tia a alertou de que acontecia algo estranho. Ergueu a vista e se deu conta de que Lady Hale caminhava para eles junto à sorridente anfitriã da festa, a mesma Lady Welcombe.
- Lady Brandon, sir... né...
- Roger - disse o tio de Alice.
- É obvio, sir Roger. Espero que ambos estejam desfrutando de minha festa - disse a dama, fazendo um gesto para a grande sala, que estava abarrotada de gente. Seu sorriso desdenhoso era indicação de que compreendia o humorístico de seu comentário.
- Oh, sim, minha senhora. É um maravilhoso baile. O melhor da temporada, asseguro. Justamente estava dizendo ao sir Roger que é o evento mais esplêndido ao que participamos até agora.
- Bom, a temporada ainda é jovem - replicou Lady Welcombe com modéstia - Só espero que ainda seja recordado em julho.
- Oh, estou segura de que assim será - disse a tia Blanche, e se apressou a elogiar profusamente as flores, as velas, a decoração.
Inclusive a anfitriã devia se aborrecer com tanta adulação.
- Por favor, me permitam que os apresente Lady Hale - disse na primeira oportunidade que teve, e se virou para Rosalie - Lady Hale, apresento-lhes sir Roger Brandon e a sua esposa Lady Blanche, e elas são... né... suas encantadoras filhas.
- Encantada - disse Lady Hale, estendendo sua esbelta e branca mão.
- Oh, minha senhora! É uma honra! - exclamou a tia Blanche, sufocada pela excitação - Me alegro tanto de conhecê-la. Por favor, me permitam que lhe apresente a nossas filhas, Georgiana e Margaret. Meninas, saúdem Lady Hale.
Lady Hale sorriu levianamente a cada uma das moças e depois se aproximou de Alice, que estava ligeiramente afastada.
- E quem é você?
- Alice Brandon, senhora - respondeu Alice com uma ligeira reverência.
- Desculpe - interveio a tia Blanche rapidamente - A senhorita Brandon é a sobrinha de meu marido, e vive conosco desde que faleceu seu pobre pai, faz alguns anos.
- Por favor, aceitem minhas condolências - disse Lady Hale, e acrescentou depois de uma breve pausa - Pela morte de seu pai.
- Obrigada, senhora - respondeu Alice.
Percebeu certa diversão nos olhos profundamente azuis da outra mulher, e não pôde deixar de perguntar-se se Lady Hale não estava insinuando algo distinto com o que havia dito. Conteve o sorriso que lhe produziu aquele pensamento e devolveu o olhar, com amabilidade a Lady Hale.
Lady Welcombe se despediu e se afastou, mas para surpresa de Alice, Lady Hale ficou falando com eles durante uns instantes. Alice se surpreendeu ainda mais quando a dama disse que devia partir e se virou para ela.
- Importar-se-ia de dar um passeio comigo pela sala, senhorita Brandon?
Alice ficou muito assombrada para responder. Depois se adiantou com presteza e disse:
- Sim, eu gostaria muito, obrigada.
Recordou em olhar a sua tia para lhe pedir permissão, embora Alice soubesse que iria com Lady Hale embora a tia Blanche o tivesse negado. Felizmente, sua tia só pôde assentir com perplexidade, e Alice partiu com Lady Hale.
Rosalie tomou pelo braço e começou a caminhar pela enorme sala, conversando despreocupadamente.
- Ah, mal se pode ver alguém conhecido entre tal multidão. É impossível encontrar-se com alguém - comentou.
Alice sorriu em resposta. Ainda estava atônita pelo interesse de Lady Hale nela, e não sabia o que dizer, nem sequer lhe ocorria o mais tópico dos comentários. Não podia imaginar o que queria dela uma das grandes damas da aristocracia. Não acreditava que Rosalie se dera conta, com um breve olhar, de que Alice era merecedora de sua amizade.
- É esta sua primeira temporada? - continuou Rosalie.
- Sim, senhora. Meu pai estava muito doente quando chegou o momento de minha apresentação - explicou Alice - Morreu uns anos depois.
- Ah, entendo - disse Rosalie.
Alice olhou a sua acompanhante. Nos olhos de Rosalie havia um olhar de perspicácia que dava a entender que entendia mais coisas do que lhe tinha contado Alice.
Que entendia o passar lento do tempo enquanto Alice cuidava de seu pai, os dias de aborrecimento e tristeza, intercalados com momentos de trabalho duro e confusão quando sua enfermidade piorara.
- Sinto sua perda - disse Lady Hale amavelmente. Depois de um momento, acrescentou - Assim agora vive com seus tios. E sua tia a amadrinhou. Que bondoso de sua parte.
Alice notou que lhe ruborizavam as faces. Não podia negar aquelas palavras, porque teria sido um detalhe ingrato, mas tampouco era capaz de dar a entender que sua tia atuava por bondade. Assim, limitou-se a dizer:
- Sim. Bom, suas filhas já têm idade para debutar, e...
- Estou certa de que é uma grande ajuda para ela - disse Lady Hale.
Alice a olhou de novo e teve que sorrir. Lady Hale não era tola; entendia muito bem por que a tia Blanche tinha levado a Alice a Londres: não por bem-estar de sua sobrinha, mas sim por seu próprio benefício. Embora Alicee se perguntava qual seria o propósito da dama, sentia-se a gosto com ela sem poder evitá-lo. Lady Hale tinha uma cálices de trato pouco comum entre a maioria dos membros da aristocracia.
-Mesmo assim - continuou Lady Hale -, deve ter tempo para conhecer Londres, também.
- Visitei alguns dos museus -respondeu Alice - Gostei muito.
- Seriamente? Bom, isso é excelente, mas eu estava pensando em algo mais parecido A... digamos que a ir às compras.
- De compras? - repetiu Alice, que acabava de alcançar o máximo ponto de confusão-. Comprar o que, senhora?
- Bom, eu nunca limito a uma só coisa - respondeu Lady Hale com um sorriso de felino satisfeito - Isso seria muito aborrecido. Sempre saio com a idéia de explorar e procurar o que houver por aí. Possivelmente poderia me acompanhar amanhã.
Alice a olhou com verdadeiro assombro.
- Desculpe?
- Me acompanhar às lojas - repetiu a dama com uma suave gargalhada - Não deve me olhar assim. Prometo que não será nada horrível.
-Eu... sinto-o - disse Alice, ruborizando-se de novo - Deve acreditar que sou uma boba. O que ocorre é que seu oferecimento me tomou de surpresa. De fato, eu gostaria muito de ir com você, embora ache que devo lhe dizer que me dou muito mal com as compras.
- Não têm que se preocupar. - respondeu Lady Hale com os olhos brilhantes. - Asseguro que sou bastante perita para comprar pelas duas.
Alice sorriu. Não sabia com exatidão o que estava ocorrendo, mas a expectativa de passar um dia inteiro longe de sua tia e suas primas era deliciosa. E Alice era humana, assim não pôde evitar sentir certa satisfação perversa ao pensar na cara que poria sua tia quando soubesse que Alice tinha sido escolhida por uma das mulheres mais aristocráticas e conhecidas de Londres.
- Então, decidido - continuou Lady Hale - Passarei para buscá-la amanhã, digamos que à uma, e iremos às compras.
- É muito amável.
Rosalie sorriu e apertou a mão a Alice para despedir-se. Depois, partiu.
Alice observou como se afastava, sem entender por que Lady Hale estava interessada nela. Entretanto, pensou que poderia ser interessante averiguá-lo. Voltou-se e olhou para o lugar no qual tinham ficado seus tios e suas primas, e os divisou entre a multidão. Então pensou que sua tia não saberia exatamente em que momento se separaram Lady Hale e ela. Possivelmente pudesse passar um pouco mais de tempo afastada deles sem expor-se à censura da tia Blanche.
Alice olhou a seu redor e viu uma porta que se abria ao corredor. Avançou entre as pessoas e a atravessou. Depois de percorrer aquele corredor, descobriu outro mais estreito, e nele, uma porta dupla e parcialmente aberta. Alice se deu conta de que era uma biblioteca. Com um sorriso nos lábios, entrou. Era uma grande biblioteca, com efeito, com estantes repletas de livros que chegavam até o teto e que cobriam as quatro paredes salvo nos lugares ocupados pelas janelas muito altas. E, suspirando de puro prazer, ficou a contemplar os volumes que ocupavam as estantes.
Seu pai tinha sido um homem culto, muito mais disposto a colocar o nariz entre as páginas de um livro que a ocupar-se da contabilidade de sua propriedade. A biblioteca de sua casa também tinha estado cheia de livros de todos os tamanhos e assuntos, mas aquele lugar era muito menor, e não podia conter nem um terço dos livros que havia ali.
Alice passeou pelas estantes da parede oposta à porta, e estava lendo os títulos quando ouviu uns passos apressados que se aproximavam pelo corredor. Um momento depois, um homem irrompeu no aposento com uma expressão de angústia.
Olhou a seu redor durante uns instantes e se fixou em Alice, que se tinha ficado muito surpreendida.
Ele pôs um dedo sobre os lábios para lhe indicar que guardasse silêncio e se escondeu atrás da porta.
