Dark Memories of an Undying Past
Regrets collect like old friends
Here to relive your darkest moments
I can see no way, I can see no way
And all of the ghouls come out to play
Havia algo de nostálgico e cruel naquele dia. Como se todas as lembranças felizes e todos os pensamentos dolorosos se juntassem numa única imagem. Era inverno e aquela costumava ser a estação do ano favorita deles quando Arya ainda era uma garotinha e ele pouco mais do que um menino de quatorze anos.
Não esperava revê-la naquelas condições. Não esperava rever nenhum dos primos daquela maneira. Preto era uma cor que combinava com a austeridade característica dos Stark, mas o significado era mórbido.
Rickon chorava copiosamente enquanto escondia o rosto no ombro de Sansa, que por sua vez tentava disfarçar as olheiras com óculos escuros. Bran olhava para os caixões com semblante apático e se agarrava ao apoio para braços da cadeira de rodas como se fosse sua última chance de salvação.
Robb havia bebido, brigado e socado todas as paredes possíveis antes de conseguir se recompor e parecer um homem digno no funeral dos pais, mas nada disso teria sido possível se Jayne não tivesse ajudado.
Arya assistia ao funeral calada e sem derramar uma lágrima se quer. Era preocupante ver alguém com gênio tão explosivo naquele estado. Jon imaginou que ela estivesse catatônica, ou que aquela fosse sua maneira particular de lidar com a perda. Apesar de não ter chorado, ele não se lembrava de tê-la visto tão frágil anteriormente. Arya parecia o tipo de pessoa capaz de enfrentar tudo, mas ali, vestindo luto e com os olhos secos ela parecia uma boneca de porcelana.
A morte de Eddard e Catelyn Stark seria o assunto dos jornais por meses. As condições do assassinado que muitos acreditavam se tratar de desavença política ou queima de arquivo ainda tinha de ser investigadas. O futuro dos filhos mais jovens ainda era incerto e ninguém sabia o que fazer com três órfãos menores de idade.
Robb teria muito trabalho lidando com a empresa e administrando o patrimônio dos irmãos enquanto fossem menores de idade. Jayne já estava no sétimo mês de gravidez e mesmo assim estava fazendo o possível para ajudar o marido e os cunhados, mas havia um limite pra tudo.
Foi duro para Robb tomar aquela decisão e mais difícil ainda ter de pedir um favor daqueles a um primo que ele não via a mais de oito anos. Mesmo que os dois não tivessem tido muito contato nos últimos tempos, Jon ainda o considerava como um irmão, e sua dívida com Eddard Stark ainda era tanta que ele não se sentia preparado para negar qualquer coisa que fosse a família do tio que o criou até os dezoito anos.
Quando o funeral terminou e aos poucos todos deixavam o cemitério, Jon ficou parado encarando as lápides dos tios com uma pontada de dor. Ele não havia conhecido os próprios pais, mas Eddard Stark era o mais próximo disso que ele teve na vida. Arya também estava ali, encarando o vazio a sussurrando qualquer coisa para si. Jon tinha a sensação de que era uma jura de vingança e tudo o que ele queria era que a prima desistisse daquela ideia e apenas se permitisse chorar e guardar o luto pelo tempo que achasse necessário.
Ele se aproximou dela com passos cuidadosos sobre a neve e tocou o ombro dela. Arya se virou para encará-lo. Ela levou alguns segundos para reconhecê-lo completamente, ou apenas se lembrar de quem ele era. Jon retirou os óculos escuros e quando o fez, Arya o abraçou como se ainda fosse a garotinha de nove anos que ele havia deixado pra trás quando se mudou para a Inglaterra.
Jon beijou a testa dela e deixou que Arya o abraçasse tanto quanto achasse necessário, enquanto ele acariciava as costas dela.
- Robb falou com você? – Jon perguntou com a voz rouca de tanto tentar conter o próprio choro. Arya concordou com um aceno de cabeça – Estou aqui pra levá-la pra casa. Meus advogados já deram entrada na papelada toda. Nós viajamos no fim da semana.
- Não precisava fazer isso. – ela disse com a voz embargada – Eu poderia me virar sozinha.
- Não duvido disso, mas ninguém deve passar por algo assim sozinho. – Jon ergueu o rosto dela para que o encarasse – Seu pai cuidou de mim quando eu não tinha ninguém. É a minha vez de retribuir.
- Não quero sua dívida de honra nem sua piedade. – Arya respondeu azeda.
- Estou fazendo isso porque me preocupo com você. – Jon respondeu seguro – Eu sei o que está passando. Eu quero ajudar e Robb não tem condições de cuidar de Bran, Rickon e você quando ele tem que administrar a empresa, o próprio casamento e o filho que está pra nascer.
- Fala como se não tivesse seu próprio império pra gerenciar. – ela respondeu magoada – Eu vi sua foto numa revista outro dia. "O homem com o mundo nas mãos" ou coisa assim. Milionário do ano e solteiro cobiçado. Você com certeza não precisa de uma prima órfã na sua vida.
- Deixe que eu decida do que preciso ou não. – Jon disse segurando a mão dela – Eu sei que tudo está acontecendo muito rápido, mas eu estou aqui pra cuidar de você. Londres é um bom lugar para recomeçar.
- Eu não quero recomeçar, eu quero me vingar. – ela respondeu amarga.
- Você é nova de mais para dizer algo assim. – ele a conduziu pelo caminho até o carro que esperava por eles – Tenho certeza que meu tio não gostaria de ouvi-la falar desse jeito.
Arya se calou e deixou que Jon a conduzisse ao carro preto estacionado junto à calçada. A neve começava a cair mansa novamente, enquanto o veículo deslizava pelas ruas quietas daquele dia frio. Ela não chorou e ele se perguntou se aquela era uma ideia sábia.
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A despedida dela e dos irmãos foi ainda pior do que o funeral em si. Rickon se agarrou a ela, chorando e pedindo para que ela não fosse embora também. Bran foi mais compreensivo e tentou acalmar o irmão mais novo enquanto Sansa apenas fez suas últimas recomendações a Arya. Robb pediu perdão a ela por não ter estrutura para lidar com tudo aquilo de uma vez, mas assegurou que daria um jeito se ela dissesse que queria ficar.
Arya não era ingênua e muito menos egoísta ao ponto de fazer seu irmão se sacrificar daquela maneira por ela, mas também não concordava com a oferta de Jon ser seu novo guardião. Entretanto, a papelada havia sido preparada e Jon possuía um jatinho pronto para levá-los a Londres.
Ela embarcou em silêncio e foram poucas as palavras trocadas ao longo do caminho. Dez horas de voo e Jon estava decidido a marcar um consulta com psicólogo para que Arya fosse acompanhada por um especialista.
- Sansa poderia ficar conosco uns tempos. – Jon sugeriu mais ou menos na metade da viagem, cansado do silêncio severo dela – O que acha?
- Ela está louca pras aulas começarem. Tudo o que Sansa quer é enfiar a cabeça nos estudos e achar um príncipe encantado em Princeton, enquanto isso não acontece, Mindinho vai tomar conta dela. – Arya respondeu dando de ombros – Sinceramente, você não quer pagar pra ver quanto tempo eu e ela podemos ficar num mesmo ambiente sem tentarmos estapear uma a outra.
- Pelo menos é reconfortante saber que algumas coisas nunca mudam. – Jon disse calmo – Já pensou em que faculdade vai fazer?
- Não faço ideia. – ela respondeu apática – Administração talvez. Sou boa com isso.
- Se for esta a sua vontade, posso colocá-la como estagiária na empresa para que aprenda de perto como as coisas funcionam. – ele disse num esforço de parecer simpático – Foi o que Aemon fez comigo quando eu me mudei. Sinceramente, acho que foi uma boa decisão.
- Quem é Aemon? – Arya perguntou finalmente demonstrando algum interesse por aquilo que ele estava dizendo.
- Meu tio avô. – Jon respondeu – Foi ele quem cuidou da minha parte na empresa, junto com seu pai. Ele também cuidou para que eu fosse bem encaminhado e soubesse o que fazer quando recebesse minha herança.
- Eu não vou herdar um império. – ela disse encolhendo os ombros.
- Mas vai herdar uma boa fatia das empresas Stark e isso não é pouca coisa, Arya. – ele disse sério - Robb pode precisar da sua ajuda no futuro.
- Não faz muito sentido pensar num futuro agora. – ela disse num sussurro.
- Vai dar tudo certo. Confie em mim. – ele pediu, mas sabia que naquele momento nada poderia alcançá-la, não importavam suas palavras ou suas súplicas. Sobrou muito pouco de esperança em Arya e ele esperava que não fosse tarde de mais para reverter a situação.
And every demon wants his pound of flesh
But I like to keep some things to myself
I like to keep my issues strong
It's always darkest before the dawn
Queria entender quem ela era agora. Quem era aquela garota que tanto se parecia com uma sombra do passado dele. Uma memória nostálgica e um fantasma arrastando correntes. Um espelho de muitas coisas que ele viveu quando era uma criança órfã que dependia da boa vontade e da bondade alheia.
Arya não queria a piedade dele, nem suas dívidas de honra, nem sua caridade. Ela queria justiça e queria sua família e Jon não poderia dar a ela nem uma coisa nem outra. E quanto ao que ele queria? Ele queria a Arya de nove anos de volta. A garotinha que o abraçava e contava histórias divertidas sobre como havia ajudado o time feminino a ganhar um jogo de futebol ou como seu professor de esgrima a elogiava. Infelizmente, aquela Arya havia morrido junto com Eddard e Catelyn e o que sobrou foi uma moça esguia, com olhos cinzentos cercados por olheiras, cabelo escuro e curto, e um rosto familiar. Ela havia mudado pouco, mas a mudança mais drástica foi ela ter perdido o sorriso que sempre tinha guardado para ele.
Quando chegaram à Londres já na manhã seguinte, a neve cobria o topo das arvores e uma boa parte do chão. O tempo era frio e pouco convidativo para uma primeira impressão, mas Arya não fez qualquer comentário. Eles pegaram um carro e seguiram em direção a uma área nobre da cidade, aonde Jon tinha um apartamento.
Jon não era adepto de um estilo de vida muito espalhafatoso, de modo que para alguém que possuía uma das maiores fortunas do país, o lugar era bem modesto. Espaçoso, sim. Confortável, funcional e decorado em um estilo austero e clássico de mais pra alguém que não havia nem mesmo chegado aos trinta anos de idade. Uma empregada tomava conta da limpeza e raramente Jon fazia suas refeições em casa, o que significava que uma cozinheira só aparecia por lá em alguma ocasião especial.
Ele cuidou para que ela tivesse um quarto preparado para recebê-la, com direito a um banheiro privativo e com uma bela vista do Hyde Park. A decoração era um tanto impessoal e severa como o restante da casa. Arya se sentou sobre a cama e respirou fundo, se conscientizando de que aquela era sua nova casa e que Jon era seu inesperado benfeitor.
Aquele apartamento cheirava a solidão e isolamento. Era frio pela falta de calor humano e só fazia com que ela se lembrasse ainda mais de sua antiga casa e do vazio que sentia ao pensar nos pais. Jon vivia ocupado com seu trabalho e se não havia espaço na vida dele para nem para uma namorada, ou um bicho de estimação, ela não podia ter grandes esperanças de que houvesse espaço para uma prima órfã que vinha com um grande aviso de "problema" estampado na testa.
Ele a encarava de forma ansiosa quase que o tempo todo, como se esperasse uma palavra de apreciação, ou algum pedido. Já fazia tanto tempo que eles não conversavam, ou ao menos se viam, que ainda era difícil pensar nele como aquele garoto de quatorze anos por quem ela tinha uma paixonite platônica na infância.
Ele ainda era bonito. Mais bonito agora, que seus traços foram amadurecidos. Seus olhos eram cinzentos, mas dependendo da luz, ela podia jurar que eles eram violeta. O cabelo encaracolado era mais longo do que aquilo que se esperava de um empresário de sucesso, ou de um homem de negócios, mas ela gostava de como os cachos caiam sobre os olhos dele. A linha da mandíbula era forte, o rosto era longo e muito parecido com o rosto do pai dela.
Apenas uma coisa não havia mudado nele. Aquele jeito carinhoso como Jon a encarava não havia mudado. Sempre havia um lugar para ela no quarto dele quando eram crianças e Arya tinha pesadelos durante a noite, ou quando algum menino a chateava na escola. Ela nunca entendeu exatamente porque ele foi embora tão cedo, nem porque sua mãe nunca falava a respeito dele, mas a verdade é que Arya sentiu saudades do melhor amigo durante todos aqueles anos.
No fim daquele dia, quando ela já havia desfeito a maior parte de suas malas, Jon recebeu uma ligação que o deixou um tanto ansioso. Ele foi até o quarto dela e pediu para que Arya se vestisse para o jantar. Eles teriam visitas naquela noite, mas ela não estava com ânimo para tanto.
Quando a campainha tocou ela havia acabado de se arrumar de um modo que até Sansa acharia adequado. A roupa era escura, já que ela ainda estava de luto pelos pais, mas ao menos era uma calça que fazia com que ela se parecesse mais com uma garota do que com um menino desleixado. Usava um suéter de linho cinza e até se preocupou em usar um pouco de maquiagem pra disfarçar as olheiras.
Jon abriu a porta pessoalmente dando passagem a um senhor tão idoso que Arya chegou a se perguntar se era possível alguém viver tantos anos sem se quebrar ao sopro de uma brisa leve. O senhor andava numa cadeira de rodas e logo atrás vinha um homem rechonchudo, com as bochechas coradas pelo frio.
- Permita-me apresentar Sam Tarly, um dos meus advogados e amigo pessoal. – Jon disse apontando para o homem gordo a quem Arya se apressou em cumprimentar – E este é Aemon Targaryen, meu mentor e também meu tio avô por parte de pai.
O senhor se aproximou dela e a encarou de forma avaliativa. Arya desconfiava de que ele não enxergava muito bem, mas não disse nada.
- A senhorita é extremamente familiar, minha jovem. – o homem disse com sua voz falha e fraca – Muito parecida com sua tia, Lyanna. É quase como vê-la outra vez.
- Vou considerar isso um elogio. Todos dizem que ela era muito bonita, mas eu não a conheci. – Arya disse – Muito prazer, eu sou Arya Stark.
- O prazer é meu, minha jovem. Eu lamento muito por sua perda, seu pai sempre foi um bom homem e sua mãe era uma mulher gentil, se bem me lembro. – Aemon disse.
- Apesar das circunstancias, seja bem vinda a Londres, senhorita Stark. – Sam Tarly disse estendendo a mão a ela – Jon fala muito a seu respeito.
- Fala? – ela pareceu surpresa – Eu não fazia ideia de que meu primo se lembrava da minha existência. Nós quase não nos falamos nos últimos oito anos.
- Não por falta de vontade da minha parte. – Jon se apressou em dizer – As coisas ficaram muito movimentadas na minha vida, mas eu nunca me esqueci de você.
- Que bom saber. – ela respondeu apática.
Os quatro se sentaram na sala e Jon acabou pedindo comida fora. Para a surpresa dela, aquele velhinho frágil que diziam ser alguém tão importante, parecia extremamente a vontade na presença de pessoas muito mais jovens do que ele e que providenciavam um jantar às pressas sem a menor cerimônia.
Aemon era o tipo de pessoa interessante de se conversar, com inúmeras histórias e aquele ar de sabedoria de seus respeitáveis noventa e cinco anos conferiam. Ele havia vivido a Primeira Guerra, lutado na Segunda e ajudado a erguer um dos maiores impérios de telecomunicação do mundo.
Ele parecia gostar dela, o que Arya supunha ser algo bom. Já Sam Tarly era um tipo divertido de forma não intencional e se ele era capaz de fazer um meio Stark rir, então ela tinha de dar algum crédito a ele.
Aquela foi uma sondagem e ambos estavam plenamente cientes disso. Aemon cuidava de Jon como se fosse seu neto e tudo o que dizia respeito à vida do jovem empresário era de interesse do velho. Arya Stark se encaixava na definição, mesmo que Jon insistisse em dizer que aquela era apenas uma dívida de honra que ele estava quitando e que não afetaria em nada sua vida profissional.
Por alguma razão o olhar avaliativo do velho trazia a Jon um senso de vergonha que ele não sabia explicar, como se Aemon visse e ouvisse coisas que o rapaz nem mesmo havia percebido. Talvez fosse apenas sua consciência pesada em rever a prima depois de oito anos e notar que a cena vivida por eles antes de Jon deixar a casa dos Stark ainda estava bem nítida em sua memória, o que provocava um sentimento de desgosto e vergonha.
Quando Aemon disse estar cansado, Sam se apressou em chamar o motorista para levá-lo pra casa. O jovem advogado acompanhou o velho patrão e Jon se sentiu aliviado por ter a casa novamente só para si. Ele lançou um olhar de relance à Arya, que estava encolhida num canto do sofá.
Não estava acostumado a dividir seu espaço com outra pessoa e teria de se habituar à presença dela. Doía ver o quanto ela parecia frágil, mesmo que o esforço para manter a compostura fosse admirável. Mal podia acreditar que ela tinha apenas dezessete anos. O luto fazia com que ela aparentasse ter pelo menos cinco anos a mais. Seus olhos era tristonhos e severos, seu rosto havia perdido os traços da infância e Arya se parecia mais com uma estranha familiar do que com a garotinha que ele deixou pra trás aos prantos quando se mudou para Londres.
Ela havia voltado para a vida dele sem aviso e sem convite. Estava sentada no centro do mundo dele, sozinha, desolada e perdida. Quando eram crianças, ele costumava ser o herói dela, queria pensar que ainda podia desempenhar o papel, se Arya ao menos permitisse.
Ela foi dormir após murmurar um "boa noite" esquálido. Jon sabia que ela demorou a dormir naquela noite. Ouviu o choro baixo dela quando passou pela porta do quarto, ouviu a voz fraca chamando pelo pai e pela mãe e recitando juras de vingança. Ele sabia que o assassinado do senhor e da senhora Stark havia sido premeditado e a suspeita de que se tratava de um crime político era muito forte. Arya não era burra ao ponto de ignorar os indícios e Jon sabia que ela tinha suspeitos em mente.
And I've been a fool and I've been blind
I can never leave the past behind
I can see no way, I can see no way
I'm always dragging that horse around
Quando ele se jogou na cama sua memória vagou diretamente para o dia em que eles estavam escondidos dentro do quarto que ele ocupava na casa dos Stark.
O presente de aniversário clandestino estava embrulhado e guardado no bolso de sua calça. Arya o encarava com seus grandes olhos cinzentos, esperando para ver o que o primo queria lhe dar e guardava tanto segredo.
O canivete suíço foi o primeiro e único presente que ele deu a ela, sabendo que Arya adoraria. Ela nunca gostou de bonecas, vestidos, ou coisinhas bonitas, mas seus olhos brilhavam ao ver a coleção de bugigangas para acampamento que ele e Robb tinham. Aquele era seu canivete favorito e Arya sabia disso, mas o sorriso dela serviu para garantir a ele que abrir mão do objeto valeria a pena.
Ela o abraçou tão forte naquele dia. Beijou o rosto dele inteiro enquanto agradecia sem parar. Uma garota de nove anos, ele um rapaz de quatorze. Até hoje não sabia dizer onde estava com a cabeça naquele dia. Arya disse que o amava e que ele era o melhor primo do mundo e quando se deu conta seus lábios estavam sobre os dela, numa resposta imediata a tanta devoção.
Foi um beijo inocente. Algo que ele sentiu vontade de fazer, não porque ela o atraía ou qualquer coisa do tipo. Quis beijá-la porque pareceu o certo, porque ela era sua melhor amiga, porque ele estava feliz, ou apenas para saber como era a sensação de beijar a pessoa em quem ele mais confiava no mundo.
Aquela memória o assombrava, não pelo ato em si, mas por Catelyn Stark ter entrado no quarto naquele exato momento. Um beijo que não passou de um roçar de lábios e na semana seguinte ele estava se mudando pra Londres, para longe de Arya e de seus primos. Tirando a senhora Stark e a própria Arya, Aemon era o único que sabia o que havia acontecido, mas nunca o repreendeu por aquilo.
Não era reconfortante pensar naquele dia, mesmo que Jon estivesse mais uma vez de baixo do mesmo teto que ela. Sua prima e melhor amiga mal falava com ele agora, ela chorava escondida no quarto de hospedes pela morte dos pais e pela saudade que sentia dos irmãos. Talvez ela nem mesmo quisesse a presença dele, o homem que a tirou de casa e levou para uma cidade estranha aonde ela não tinha amigos ou outros familiares além dele. Sentiu-se o vilão sórdido de uma peça de quinta categoria ao pensar em tudo isso e mesmo assim não havia uma saída menos drástica.
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Aemon podia estar quase cego, mas não era burro. O garoto parecia fora de si desde a morte de Eddard Stark e da esposa, e nem era preciso muito esforço para saber o porque.
Arya Stark estava fazendo acompanhamento psicológico para superar a perda da melhor maneira possível. Ela estava matriculada em uma boa escola particular, onde começaria seus estudos após as festas de fim de ano. Eventualmente ela passava no escritório para tratar qualquer assunto mais urgente com Jon, fosse a necessidade de uma assinatura em um documento, ou de algum dinheiro.
Ela era uma boa garota. Melancólica devido à perda, mas ainda sim uma garota educada e inteligente, com quem Aemon gostava de conversar quando ela se dignava a passar pela sala dele durante suas breves visitas.
Algo nela, entretanto, faziam-no lembrar do sobrinho falecido e da segunda esposa. Lyanna também tinha aquela mesma aparência melancólica e os traços particulares dos Stark. A mesma mente aguçada e o mesmo toque de rebeldia. Ela havia virado a cabeça de Rhaegar no momento em que se viram pela primeira vez num evento beneficente. Ela a filha de um rico empreiteiro, dono de uma construtora gigantesca nos Estados Unidos, e ele o dono de um império de telecomunicações, casado e com um filho pequeno.
Lyanna foi a causa da separação de Rhaegar e Elia. Foi a causa de uma crise na empresa. Um casamento às pressas, longe dos olhos da família dela e a garantia da inimizade dos Stark pelo fato de que ele havia engravidado a moça, que na época era quase tão nova quanto Arya. Aquela foi uma paixão fulminante, que terminou com a morte dela por complicações no parto e com Rhaegar sofrendo um acidente de carro pouco tempo depois.
Sobrou apenas Jon e seu meio irmão Aegon, que fazia questão de se manter longe dos negócios da família e acabou vendendo a maior parte de suas ações para o irmão quando atingiram a idade necessária. Aegon vivia na Índia e ajudava a tia, Daenerys, com a expansão do mercado pela Ásia.
Aemon via muito de Lyanna em Arya e muito de Rhaegar em Jon. Não podia evitar o pesar que sentia em seu peito toda vez que observava a forma como eles interagiam, ou como ela evitava ser pega no meio de um olhar furtivo a ele, ou como Jon parecia determinado em sorrir um sorriso simpático todas as vezes que a prima lhe dirigia algumas palavras.
Eles ainda eram duas crianças que trocaram presentes secretos, juras de amor e roçavam seus lábios num beijo desajeitado, ou aquelas crianças haviam morrido e o que sobrou foi uma vaga esperança de que havia um caminho e um lugar para eles? Aemon não tinha certeza, nem sabia se o que estava vendo era um bom sinal.
Talvez fosse melhor ignorar e confiar no bom senso de Jon, ou talvez devesse rezar para que ao menos aquela história tivesse um final mais feliz do que a de seu sobrinho.
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And our love's pastured such a mournful sound
Tonight I'm gonna bury that horse in the ground
So I like to keep my issues strong
But it's always darkest before the dawn
O inverno tornava os dias mais solitários e melancólicos pra ela. Jon sabia disso. Estava na forma como ela observava a neve cair durante a noite das janelas do apartamento e na forma como ela se sentava no sofá, enroscada em torno de si como um filhote de gato abandonado. Arya estava infeliz e a proximidade do Natal piorava a sensação de solidão.
O apartamento dele não tinha muitos elementos que pudessem transformar o ambiente luxuoso em algo mais parecido com um lar. Não havia uma lareira, mas havia um bom sistema de aquecimento interno. Não havia porta-retratos, mas havia obras de arte avaliadas em quantias assombrosas. Não havia nada que denunciasse que aquela era a casa de alguém, era mais algo que podia ser admirado em qualquer catálogo de decoração.
Estava acostumado a passar aquela data sozinho, mas sabia que os natais dela eram sempre barulhentos, cheios de risadas e comida caseira, com uma lareira acesa e árvore decorando a sala. Aquela era a nova casa dela e ele se sentia culpado por não estar fazendo nada para tornar o lugar mais acolhedor.
Jon se sentou ao lado dela depois de tomar um banho e trocar de roupa. O dia havia sido cansativo e ele gostava de voltar para a quietude de sua casa. Mesmo com Arya por perto, ele não podia dizer que aquele era um lugar movimentado. Nenhum dos dois era dado a conversas sem propósito e às vezes ele sentia que tudo o que Arya queria era fingir que não existia.
Ele deixou sua mão pousar sobre a dela. Aquela era a primeira vez que se tocavam de fato depois do funeral e Arya deu um sobressalto ao ser pega de surpresa. Ela o encarou com seus olhos expressivos e cinzentos como um lago congelado. Ele se perguntou quando ela havia se tornado uma garota tão bonita.
- Estava pensando...- ele quebrou o silêncio, ciente de que tinha a total atenção dela – É o primeiro natal que passamos juntos. Eu sei que não vai ser fácil, mas acho que devíamos comemorar de algum jeito.
- Não estou exatamente com um ânimo festivo. – ela disse abaixando a cabeça de leve – Não é como se houvesse algo para comemorar.
- Mas há. – ele afirmou sabendo o quanto aquilo seria doloroso para ela, mas Arya precisava de um estímulo. Precisava se lembrar de que ainda existia vida dentro dela – Já faz tempo que somos apenas eu e Aemon na mesa na noite do dia vinte e quatro. Você é parte dessa pequena família agora e eu sinto que tenho feito pouco para tornar esse apartamento um lar pra você.
- Você tem se esforçado de mais. – ela disse encarando-o mais uma vez – Não é culpa sua, Jon. Nada do que está acontecendo comigo é culpa sua.
- Então me deixe tentar te ajudar. – ele pediu – Arya, você está tão calada e tão distante. Isso não é saudável, não pode ser. Eu conheço esse vazio, eu conheço a sensação de solidão muito melhor do que você pode imaginar. E Eddard Stark foi um pai para mim também.
- Não sou boa com festas. – ela disse encolhendo os ombros e tentando convencê-lo de que aquela era uma má ideia – Sansa é a anfitriã da família.
- Podemos fazer a pior ceia de natal juntos. – ele disse sorrindo – Seremos só nós dois e Aemon e ele nunca fica muito tempo depois da meia noite.
- Árvore de Natal, peru assado, salada de batatas, molho... – ela começou a fazer uma pequena lista em voz alta e o sorriso dele se alargou.
- E pudim. – ele completou – Não é Natal se não tiver pudim. – ele notou o pequeno sorriso se formando no canto dos lábios dela e aquilo lhe deu esperanças de que talvez aquela não fosse uma batalha perdida.
- Acho melhor começar a pensar no seu presente então. – ela disse – Se não se importa, eu gostaria de alguma sugestão do que dar pra alguém que tem tudo.
- Me surpreenda. – ele disse sussurrando junto do ouvido dela. Notou como as bochechas dela ficaram coradas com a proximidade. Por um momento ele se perguntou se Arya lembrava daquele dia também. Se havia pensado a respeito durante aqueles oito anos afastados.
- Sou péssima com surpresas. – ela respondeu sem jeito – Nunca fui muito criativa.
- Então sorria. – ele disse por fim – Já faz oito anos que eu não a vejo sorrindo. Eu sinto falta.
- Falta do que? – ela perguntou encarando-o. Aquela era uma pergunta delicada. Sentia falta do sorriso ou de tudo o que tinham quando crianças? Da garotinha encrenqueira que preferia as brincadeiras de menino, ou daquela maravilhosa cumplicidade que tinham?
- De nós. – ele respondeu, plenamente consciente do quão inadequado aquilo soava. Ela tinha dezessete anos, era órfã e também a protegida dele. Devia se preocupar com o bem estar dela e não ficar se lembrando de um beijo, que mal poderia ser classificado como tal, e que aconteceu numa época em que nenhum dos dois tinham muita noção do que estava fazendo – Sinto saudade de como costumávamos ser amigos. – era uma tentativa fraca de corrigir o erro, mas uma tentativa de qualquer modo.
Entre palavras não ditas, magoas e o luto dela, havia algo que Jon não sabia classificar. Aquele sentimento desconcertante que tinha toda vez que olhava para ela. Uma sensação difusa de necessidade de protegê-la e uma ternura que ele jurava ter esquecido. Arya às vezes chorava sozinha durante a noite no quarto e ele lutava contra a vontade de ir até ela, abraçá-la e fazer promessas que ele sabia que não poderia cumprir, pois ninguém era capaz de apagar aquela dor.
E se aquilo o que sentiu por ela quando criança não era apenas uma curiosidade somada à amizade que tinham? E se aquele sentimento fosse algo mais, temperado com uma pitada de esperança? E se aquele sentimento não tivesse morrido, apenas ficado guardado dentro dele, esperando pelo momento em que se revelaria mais forte e igualmente inapropriado.
Amores platônicos...Ele já estava muito velho para sentir este tipo de coisa e ela era muito jovem para que houvesse a possibilidade de qualquer sentimento, que não respeito e carinho, surgisse entre eles.
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Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaaah
Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaaaah
And it's hard to dance with a devil on your back
So shake him off, oh woah
Na noite de Natal havia uma pequena árvore decorada na sala de estar e a mesa estava posta, decorada com arranjos vermelhos e dourados. O cheiro de assado estava em cada cômodo do apartamento.
Ele se surpreendeu ao vê-la acendendo velas sobre a mesa e usando um vestido cinza chumbo, maquiada e com o cabelo mais revolto do que nunca. Estava habituado a vê-la usando jeans, all star e camisetas folgas, de uma forma que fazia com que ela se parecesse com um garoto às vezes, mas em todos aqueles anos ele só se lembrava de vê-la usando vestidos em ocasiões especiais, ou quando Cat Stark a obrigava.
Ela não parecia desconfortável ou contrariada em usar a roupa, mas Jon estava definitivamente surpreso com a visão. Ela havia se tornado uma garota bonita, ao contrário de todos os comentários maldosos que Sansa e suas amigas faziam quando Arya era criança. Em alguns anos ela seria uma mulher linda.
Aemon chegou pouco tempo depois. Jon serviu uma dose moderada de uísque ao senhor e eles beberam e conversaram durante algumas horas. Arya ainda estava longe de ser uma anfitriã graciosa, ou de demonstrar grande entusiasmo por aquela pequena celebração, mas Jon a viu rir algumas vezes durante a conversa.
Ela gostava de Aemon e das histórias que ele contava. Gostava da mente perspicaz do velho e também da forma como ele se dirigia a ela, sempre com respeito por suas opiniões. Mesmo sendo tão velho, Aemon tinha um grande respeito pela juventude e se não fosse pelos incentivos do tio avô, Jon jamais teria tido coragem para assumir os negócios e tomar decisões que muitos poderiam considerar arbitrárias, ou ousadas de mais.
Eles jantaram juntos e Jon acabou permitindo que Arya bebesse duas taças de vinho depois de Aemon reforçar a ideia de que alguns meses antes da maioridade não fariam qualquer diferença no efeito do álcool e a garota merecia alguma diversão também.
Ela ficou mais relaxada e um pouco mais falante também. Jon a observava pelo canto dos olhos, com um pouco de satisfação e um pouco de nojo pela forma como achava impossível desviar os olhos dela, enquanto Arya lambia com a ponta da língua o resquício de pudim da colher de sobremesa. Era algo um tanto voyeurista e perturbador, como observar pelo buraco da fechadura alguém se despir, como lembrar de um beijo desastrado trocado entre duas crianças num momento de felicidade inconsequente.
Após a sobremesa, Aemon deu a Arya uma corrente de ouro com um pingente em forma de gota, feito de diamante. Ela agradeceu e colocou o colar imediatamente para agradar ao senhor e Jon admirou a forma como a pedra reluzia, enquanto descansava pouco abaixo da clavícula dela. Para Jon, ele deu um porta uísque feito de prata.
Jon deu ao velho Aemon um livro particularmente raro. Não era segredo que seu tio avô era um ávido colecionador de obras de arte e Jon não resistiu ao encontra um alcorão com tantas iluminuras bem feitas e elegantes. O velho pareceu satisfeito com o presente, mas ao receber de Arya uma lupa com cabo de madrepérola todo trabalhado.
Aemon sorriu e agradeceu a ela infinitas vezes. Ele parecia genuinamente feliz por ela ter se dado ao trabalho de presenteá-lo, ainda mais com um objeto tão bonito. Às vezes Jon se perguntava qual dos dois Targaryens era mais solitário e definitivamente Aemon havia vivido tempo de mais sem saber o que era ter uma família para lhe fazer companhia numa noite de natal.
Ele se despediu de Arya e Jon o acompanhou até o térreo aonde um carro o aguardava para levá-lo para casa. Aemon encarou o sobrinho neto por longos segundos sem dizer coisa alguma. Então o abraçou, como provavelmente teria abraçado a um filho, se tivesse tido algum.
- Você me lembra tanto o seu pai. – ele comentou num tom saudoso – Eu gostaria que Rhaegar tivesse vivido o bastante para vê-lo hoje. Eu o adorava, sabia? Era um jovem brilhante, compartilhávamos o gosto pela arte e este alcorão...Se parece com algo que ele escolheria pra mim.
- Fico feliz em saber que gostou, tio. – Jon disse de forma simpática – Eu também fico feliz em poder lhe fazer companhia numa noite como a de hoje. Não é fácil passar pela noite de natal sozinho.
- E há uma jovem lá em cima que com toda certeza precisa de toda companhia que puder encontrar esta noite. – Aemon disse parecendo saber de um segredo que mais ninguém conhecia – Ela é uma garota adorável, apesar de seu jeito selvagem.
- Devia tê-la conhecido quando era mais nova. – Jon comentou – Ela teria arrancado boas gargalhadas do senhor. Ela sempre foi esperta e divertida.
- Mesmo depois da perda, imagino que ela ainda se pareça com uma certa menina de nove ou dez anos de quem você roubou um beijo. – Aemon comentou como se não fosse nada de mais – Ela ainda é muito jovem, Jon.
- Eu sei. – ele sentiu o estômago se contorcer, numa sensação desagradável de vergonha e nojo.
- Em alguns anos, pode ser que esta não seja uma má ideia. – Aemon acrescentou – Tenha uma boa noite e feliz natal.
O velho entrou no carro e deixou Jon sozinho do lado de fora, enquanto a neve começava a cair mansa, cobrindo a calçada e topo das arvores próximas ao Hyde Park. A neve sempre trazia lembranças boas da infância, de quando ele e Arya se deitavam no chão para fazer anjos de neve juntos.
Ele voltou para o apartamento e ela já havia retirado a louça e levado os restos de comida para a cozinha. O lugar estava silencioso mais uma vez. Velas queimavam enquanto a maior parte das luzes estava apagada. A árvore iluminada no canto da sala parecia solitária em seu significado festivo enquanto ele não conseguia achar um único sinal de Arya por perto.
I am done with my graceless heart
So tonight I'm gonna cut it out and then restart
Cause I like to keep my issues strong
It's always darkest before the dawn
Caminhou pelo corredor que levava aos quartos. A porta entre aberta permitiu que ele visse a silhueta dela a meia luz. Jon se deteve por um minuto. Sua boca seca e o pulso acelerado enquanto o contorno suave e cremoso da pele dela se revelava parcialmente descoberto, enquanto ela deixava de lado o vestido cinza chumbo para substituí-lo por algo mais confortável para dormir. Os seios pequenos, os mamilos rígidos graças ao frio, as curvas delicadas de um corpo jovem. Ela havia deixado de ser uma criança definitivamente.
Ele desviou os olhos e se afastou da porta o mais rápido possível, se escondendo dentro do próprio quarto enquanto sentia a sensação suja crescer dentro de si. O que estava fazendo? O que estava pensando?
Jon respirou fundo. Foi até o banheiro e lavou o rosto com água fria. Encarou o próprio reflexo no espelho, tentando buscar uma explicação para aquele comportamento. Em alguns anos...Aemon disse, mas aquilo não fazia sentido. Não podia fazer sentido.
Ele saiu do banheiro e quando voltou para o quarto, Arya estava sentada sobre a cama dele, no escuro, como um fantasma ou como um pensamento pervertido e imoral. Ela usava camisola, seus ombros estavam caídos, o cabelo bagunçado e seu rosto já não tinha qualquer sinal de maquiagem. Ela trazia algo nas mãos.
- Achei que já tivesse ido dormir. – ele quebrou o silêncio caminhando até onde ela estava. Arya ergueu o rosto e olhou para ele. Não havia nada de particular em seu olhar que denunciasse que ela o havia visto espiando, mesmo assim, Jon sentiu o sangue aquecer, apesar do frio que fazia naquela noite.
- Queria dar seu presente antes. – ela disse num tom baixo e um tanto melancólico. Ela estendeu a ele uma pequena caixa a ele. Jon aceitou o embrulho e o abriu rapidamente, deparando-se com um canivete suíço muito parecido com aquele que ele havia dado a ela oito anos atrás.
- Não precisava. – ele disse sentindo o fôlego se esvair de seus pulmões enquanto sentia a textura fria e suave do metal contra seus dedos.
- Você me deu o seu favorito. – ela disse – Eu só quis substituí-lo. – os ombros dela se encolheram mais uma vez – Feliz natal, Jon. Acho que vou dormir agora.
Ela fez menção de se levantar e sair do quarto, mas antes que pudesse dar um passo, ele levou a mão ao pulso dela, detendo-a onde estava. Sentiu a pulsação acelerada contra os seus dedos e a pele dela se arrepiar ao toque.
- Você se lembra? – a voz era rouca e grave, como se ele tivesse passado anos sem usá-la. Seu coração estava acelerado, sua visão turva.
- É claro que sim. – ela respondeu – Na semana seguinte você foi embora. Aquele foi seu presente de despedida.
- Eu não queria ter ido. – Jon confessou – Catelyn...Ela não me queria por perto.
- Não faz diferença agora. – Arya respondeu – Foram bons tempos aqueles. Não vão voltar mais. Nem meus pais, nem meus irmãos...Acabou não é? Não sobrou mais nada daquela época.
- Nós sobramos, Arya. – ele respondeu se aproximando dela – Eu ainda estou aqui.
- Não somos mais aquelas crianças, Jon. – ela disse – Não me conhece mais e você é quase um estranho pra mim também.
- Então me deixe conhecê-la outra vez. – Arya pareceu relaxar um pouco e Jon passou os braços ao redor dela abraçando-a por trás. Ela deitou a cabeça contra o ombro dele e respirou fundo.
- Eu senti tanto a sua falta. – ela disse com um tom pesaroso – Nunca me disseram por que você foi embora. A única desculpa era que você precisava se preparar pro futuro.
- Nunca desconfiou do motivo? – ele perguntou beijando a bochecha dela e sentindo o gosto salgado na ponta da língua.
- Eu acabei juntando dois mais dois depois de um tempo. – ela murmurou – Foi por minha causa, não foi?
- Não. Foi por minha causa. – ele disse sentindo o cheiro do perfume dela – Foi uma coisa idiota de se fazer.
- Se arrependeu? – a voz dela vacilou.
- Não. – foi a única resposta que ele conseguiu pensar – Por que nunca tentou falar comigo depois?
- Eu não sei. – ela respondeu – Fiquei com medo de tentar e descobrir que não havia mais espaço pra mim na sua nova vida. Olhando agora, até parece uma brincadeira de mau gosto.
- Éramos duas crianças e eu estava me apaixonando. – ele disse abraçando-a um pouco mais forte.
- Éramos duas crianças, mas o que somos agora? – ela perguntou.
- Crescemos. Eu sou um adulto cheio de responsabilidades agora, você logo será uma também. – ele disse com dificuldade – E eu estou me apaixonando de novo. Queria saber como você faz isso comigo.
- Dizem que amor entre primos nunca acaba. – ela comentou se virando para encará-lo diretamente nos olhos – Dessa vez não tem ninguém na casa para nos descobrir.
Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaaah
Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaaah
And it's hard to dance with a devil on your back
So shake him off, oh woah
And it's hard to dance with a devil on your back (Shake it off)
And given half the chance would I take any of it back (Shake it off)
It's a fine romance but it's left me so undone (Shake it off)
It's always darkest before the dawn
Ela tocou o rosto dele e Jon sentiu seu corpo estremecer ao toque. Beijou a palma da mão dela e as pontas de cada um dos dedos. Ele a encarou no fundo dos olhos cinzentos. Eles eram tão parecidos que qualquer um poderia pensar que eram irmãos e ele ficou feliz em pensar que não eram.
Foi a boca dela que tomou a iniciativa. Um roçar de lábios, muito parecido com aquele que assombrou a memória dele por tantos anos. Não havia ninguém na casa além deles. Ninguém para separá-los ou dizer que aquilo era errado se não suas próprias consciências atormentadas. Jon passou o braço ao redor da cintura dela e devorou a boca de Arya como se tivesse passado oito anos esperando por aquele momento.
Era doentio. Era perturbador constatar que ela mexia tanto com ele. Arya correspondia ao beijo com igual entusiasmo e por várias vezes Jon teve que manter em mente que ela tinha apenas dezessete anos. Era uma garota ainda, mesmo que ele pudesse sentir as curvas do corpo dela pressionadas contra o seu.
Por uma fração de segundos ele se perguntou o que teria acontecido se tivesse vivido por mais alguns anos na casa do tio. Teria acabado irremediavelmente apaixonado por ela como estava agora? Teria criado juízo e se conformado com o fato de que aquilo não passava de uma curiosidade infantil, misturada a carinho? Teria levado ela pra cama como estava fazendo naquele momento?
Ele não sabia dizer quando aquilo aconteceu. Sabia que Arya estava de baixo dele, beijando-o como se dependesse do ar que saia de seus pulmões para sobreviver. O corpo esguio, pressionado contra o dele. As mãos pequenas que exploravam os contornos dele e buscavam brechas nas roupas que Jon usava, buscando tocar pele com pele.
As pernas dela estavam separadas de forma convidativa. Suas próprias mãos pareciam ignorar o bom senso enquanto vagavam pelas coxas semiencobertas de Arya. Ela havia lhe arrancado a camisa e tocado seus mamilos com a ponta dos dedos, beliscando e provocando como se não tivesse uma real noção do perigo.
Ela beijava o pescoço dele, brincava com o lóbulo de sua orelha e o provocava com uma certeza inacreditável em cada movimento. Arya sabia o que estava fazendo e deixava isso bem claro. Jon, por outro lado, ainda guardava resquícios da imagem de uma garota de nove anos, totalmente inocente. Ele realmente não a conhecia mais, mesmo assim ela ainda era sua Arya.
Ela segurou o pulso dele conduzindo a mão de Jon até que ela estivesse sobre o seio encoberto. Ele se assustou com a ousadia, ponderou se devia ou não continuar com aquilo, mas Arya foi além, desabotoando a calça que Jon usava e deslizando a mão para dentro, até tocá-lo. Ele fechou os olhos imediatamente ao sentir a mão dela pressionando-o, massageando-o de forma habilidosa até que o ar fugisse de seus pulmões.
Jon perdeu a noção do bom senso e do pudor nos segundos que se seguiram. Afastou a mão dela e arrancou a camisola que Arya usava. Suas mãos a agarraram com vontade, deixando marcas avermelhadas sobre a pele e seguidas de perto pela boca ávida dele. Ela arranhava as costas dele, enquanto Jon beijava seu pescoço, seus seios pequenos e sugava os mamilos com força. Arya gemia baixo em aprovação, exigia atenção por todo seu corpo enquanto deslizava as calças de Jon para longe, com a ajuda de suas pernas.
Ele se deu conta de que estavam completamente nus na presença um do outro. Era uma sensação poderosa a de desmitificar toda santidade e dar espaço a um novo tipo de veneração. O coração dela batia contra o dele, seu pulso era forte, sua pele quente, seus beijos intensos. Ele a contemplou por um momento.
And I'm damned if I do and I'm damned if I don't
So here's to drinks in the dark at the end of my road
And I'm ready to suffer and I'm ready to hope
It's a shot in the dark and right at my throat
Cause looking for heaven, found the devil in me
Looking for heaven, found the devil in me
Well what the hell I'm gonna let it happen to me
Arya o encarava desconcertada, com a face corada. Podia ver um lampejo de temor e de necessidade passando pelos olhos cinzentos. Jon tocou a face dela com cuidado. Sentia o desejo borbulhando em seu sangue, sentia a mesma necessidade que ela, mas não conseguia deixar para trás o peso de sua consciência e o receio de que tudo aquilo não passasse de uma forma desesperada dela matar um pouco da tristeza pela perda de sua antiga vida, escolhendo o único elemento precioso de seu passado para enterrar dentro de si, como uma âncora.
Não podia fazer aquilo com ela. Não podia ceder e feri-la ainda mais no momento em que a excitação passasse e eles se deparassem com a realidade. Cat e Ned continuariam mortos. Robb, Sansa, Bran e Rickon continuariam do outro lado do oceano, enquanto ela estava presa a ele naquele apartamento frio, a uma vida pela qual ela não tinha qualquer interesse e também não queria.
O que eles seriam quando isso acontecesse? Ele conseguiria esquecer aquela noite nas próximas semanas, nos próximos meses, nos próximos anos? Não foi capaz nem de esquecer um roçar de lábios, duvidava que conseguiria superar aquilo. Quando ela chegasse em casa depois da escola, acompanhada por um outro rapaz, alguém da idade dela, o que ele faria? Conseguiria fazer de conta que ela era apenas sua prima, ou se veria preso num romance ruim em que ele fazia o papel do marido traído?
Ele fez menção de se afastar dela e Arya o impediu tocando seu pescoço e buscando pela boca dele, numa forma silenciosa de argumentação. Havia um toque de desespero naquele beijo, na forma como ela tentava despertar reações ainda mais constrangedoras no corpo dele. Ela o segurou mais uma vez, posicionando-o contra a entrada quente e úmida. Jon sentiu o ar se esvair de uma vez de seus pulmões e gemeu ao senti-la recebendo-o aos poucos.
- Eles não vão voltar, Arya. – ele disse com a voz rouca e grave junto ao ouvido dela – E eu não vou embora depois disso. – aquele era um contrato com o diabo e ela assinaria no momento em que Jon se enterrasse dentro dela. Era justo que ela conhecesse as clausulas e soubesse exatamente quais eram as consequências.
Ela fechou as pernas ao redor do quadril dele, numa aceitação tácita aos termos dele. Jon a beijou mais uma vez, enquanto sentia Arya ao seu redor. Era como encontrar um sentido para sua vida vazia, como compartilhar um segredo e achar o caminho para casa. Ela o abraçou forte quanto sentiu que ele estava inteiro dentro dela e Jon sentiu mais uma vez o gosto de sal na ponta de sua língua.
Uma lágrima havia escorrido pelo canto dos olhos dela. Se perguntou se aquilo era um sinal de que ele a havia machucado, ou apenas mais uma das infinitas mágoas que ela já não conseguia conter. Jon secou o rosto dela e começou a se movimentar com cuidado. Arya nunca o deixava se afastar mais do que o necessário, fazendo com que os movimentos dele fossem curtos e languidos. Não era sexo, era tortura. Não era desejo, era amor e tristeza diluídos em oito anos de memórias não esquecidas, solidão e saudade.
Jon a tocou entre as pernas, pouco acima de onde eles estavam conectados. O pequeno ponto perdido entre os fios negros que lhe cobriam o sexo. Arya fechou os olhos com força, mordeu os lábios tentando conter o gemido alto que se formava em sua garganta, enquanto Jon lhe beijava o pescoço.
Os movimentos iam cada vez mais fundo à medida que ela permitia que ele tivesse um pouco mais de liberdade. O prazer estava estampado no rosto dela, tanto quanto aquele toque de tristeza. Dor e ternura se misturavam naquilo que sentiam um pelo outro. A necessidade e o desejo eram tão potentes quanto à dúvida e o remorso. Jon varreu aqueles pensamentos para longe, enquanto a puxava pela cintura para que seus quadris se chocassem um contra o outro e afundava o rosto na volta do pescoço dela.
Sentiu os espasmos do corpo dela e a forma como Arya se contraia inteira ao redor dele, enquanto Jon resistia e continuava se movendo dentro dela, buscando seu próprio alívio. Ele fechou os olhos sentindo sua mente se desconectar do corpo enquanto o prazer tomava conta de seus sentidos. Derramou-se dentro dela sentindo o liquido viscoso entre as pernas dela.
Rolou para o lado dela na cama. Beijou-lhe a boca, abraçou-a forte como se temesse que Arya saísse correndo no minuto seguinte. Ela deitou a cabeça sobre o peito dele, esfregando o nariz contra o tórax exposto e sentindo o cheiro dele misturado ao dela.
- Feliz Natal, Arya. – ele sussurrou junto ao ouvido dela e beijando sua testa em seguida.
- Feliz Natal, Jon. – ela respondeu numa voz frágil, pouco antes de cair no sono.
Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaaah
Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaaah
And it's hard to dance with a devil on your back
So shake him off, oh woah
Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaaah
Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaaah
And it's hard to dance with a devil on your back
So shake him off, oh woah
Nota da autora: Então, isso pode ser uma oneshot, isso pode ter mais um ou dois capítulos, tudo depende de vc's XD. Musica: Shake it out da Florence and The Machines. Espero que gostem e comentem.
Bjux
Bee
