Capítulo 1 – Legilimens.
Tom encarava-se pelo espelho, seriamente. Suas sobrancelhas eram forçadas para baixo por sua expressão facial e parecia incrivelmente concentrado.
Havia crescido alguns centímetros desde as últimas férias de verão. Seus sedosos cabelos negros estavam um pouco mais compridos e seu rosto ainda mais belo, porém os olhos negros mostravam que sua personalidade continuava intacta.
Já havia se passado alguns minutos, e o garoto parecia uma estátua grega: pálido, charmoso, misterioso e inerte.
Desistiu de se concentrar e suspirou. Piscou algumas vezes para compensar os olhos vidrados e embaçados de antes e sentou-se em sua cama.
Abriu uma caixa de madeira onde no canto direito inferior da frente, se via entalhado o nome "Pandora" e o desenho de uma esperança. Olhou para o interior e tirou um rolo de pergaminho entre os diversos outros que cabiam ali por nenhum outro motivo além da mágica.
Leu pela milésima vez o trecho que havia anotado de um livro, no ano letivo passado:
"Legilimência - Deve-se esvaziar a mente e focá-la apenas na pessoa que deseja "ouvir". Olhar diretamente nos olhos é outro detalhe muito importante."
Fazia isso há um mês, mas não conseguira obter resultado algum. Esvaziar a mente era a parte mais complicada do processo, ele imaginava. Era praticamente impossível conseguir não pensar em nada.
Não. Impossível não. Odiava essa palavra que significava limitação e incompetência. Se outros bruxos e bruxas já haviam conseguido, por que ele falharia? Não poderia perder para Dumbledore, mesmo ele sendo centenas de anos mais velho do que ele.
Pensou em voltar a se concentrar, quando sua barriga roncou. Desde que acordara que a única coisa que fez foi ficar olhando-se no espelho.
Quem observasse de fora, acharia que ele era muito narcisista. De fato o era, mas não era esse o caso.
Resolveu que estava na hora de ir pelo menos no almoço, e antes de sair de seu medíocre cômodo no porão olhou para seu caldeirão escolar.
Muitas coisas tinham mudado, desde que recebera a notícia de que finalmente suas suspeitas eram reais: era especial, possuía magia.
A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, de longe, foi a melhor coisa que havia acontecido. Havia passado um ótimo ano de aprendizado e conhecendo magias avançadas que mais ninguém tinha conhecimento ou curiosidade de procurar. Agora, por exemplo, estava transformando o bezoar em líquido. Era extremamente difícil e aquele que havia roubado do escritório de seu professor de Poções, Horácio Slughorn, já tinha sido destruído a muito tempo.
Para poder continuar suas tentativas, teve que arranjar novas matérias-primas. Como dito no livro da Sessão Restrita, o bezoar era encontrado no estômago de ruminantes, mas o único que tinha propriedades mágicas, era o retirado da cabra.
Quando sua primeira tentativa de liquifazer o objeto falhou, foi durante a noite, para uma fazenda que ficava a alguns quilômetros. Matou uma cabra e arrancou de seu estômago a preciosa pedra.
Já estava na quinta tentativa, e dessa vez teria que dar certo, pois o dono da fazenda já havia dado falta de seus animais. Reforçou a vigilância no estábulo e não demoraria muito para começar uma investigação.
Um dos processos era deixar a pedra cozinhar no caldeirão por um tempo junto com outras misturas, por isso trancou sua porta por fora e subiu para comer algo enquanto esperava.
Subiu as escadas do porão e se dirigiu ao refeitório.
As crianças continuavam a manter distância de Tom sempre que podiam. Olhavam-no de forma amedrontada e só lhe dirigiam a palavra quando eram forçadas por alguma circunstância. Não que ele se importasse. Preferia ficar sozinho com seus pensamentos e dessa forma, podia treinar a arte de ouvir os dos outros.
Depois de pegar sua bandeja com comida, dirigiu-se para uma mesa vazia e ali acalmou seu estômago enfurecido. Antes que terminasse, porém, notou que era observado. Levantou os olhos e viu que um menino o encarava.
Tom fechou os olhos e tentou esvaziar a mente. Quando abriu novamente, o garoto tinha o cenho franzido, sem entender o que o Freak Riddle, como alguns chamavam, estava fazendo. Meditação?
Focalizou os olhos do menino e tentou concentrar-se não em seus pensamentos, mas nos pensamentos do outro. O garoto sustentou o olhar, parecia que algum tipo de imã o atraía e não o deixava se afastar.
Tom de repente começou a ver imagens estranhas e meio esvoaçadas. O garoto de olhos arregalados saiu correndo e Tom arfava impressionado.
Havia conseguido, muito fracamente, invadir a mente do menino. Não conseguiu distinguir muitas coisas e de alguma forma, deixou que a criança percebesse isso. Então, se não fizesse bem feito, o outro saberia o que estava acontecendo?
Deixou a bandeja onde estava e voltou para o porão de forma apressada. Trancou a porta atrás de si e voltou a olhar no espelho.
- Concentre-se. Concentre-se.
Nada. Havia voltado de onde partiu.
Mas agora que sabia que quase havia conseguido, precisava ter certeza de que não fora um sonho. Precisava treinar mais.
As crianças e professores do orfanato estranhavam o fato de Tom quase nunca sair do quarto. Passava horas trancafiado e só mostrava o ar de sua graça quando precisava se alimentar. Parecia um bicho selvagem, um ser anormal e de olhar estranho. Claro que para elas, era de grande alívio não ter que conviver muito com ele. Quanto menos aparecesse melhor. Porém, ainda assim era esquisito...
Tom passou mais dois dias olhando sem parar para sua imagem refletida. Parava apenas para ver como andava o seu bezoar. Estava quase chegando ao estado plasmático. Quando passasse por essa parte, precisava desligar o fogo rapidamente e colocar o último ingrediente, pois apesar do nome, o bezoar tinha que ficar na forma de plasma e não de líquido, o que era bastante estável e complicado de prever o momento ideal.
Na noite de quinta-feira, seus olhos já estavam pendendo e o sono ganhando de sua força de vontade, quando pela última vez, Tom olhou no fundo de seus olhos.
- Não pense em nada. – sussurrou tão baixo, que mesmo no silêncio do quarto, só ele podia entender o que tinha dito. – Esvazie a mente e concentre-se no outro. Finja que esta imagem não é minha...
De repente o mundo a sua volta ficou enevoado e por um momento, achou que não tivesse resistido e que caíra de sono. Mas então, notou que não estava mais naquele porão imundo que era seu quarto.
Um monte de imagens e lugares passavam diante de seus olhos como um arquivo bagunçado. Tentou se concentrar em uma única coisa que lhe chamasse atenção e conseguiu.
Estava no corredor escuro do orfanato. Ouviu um barulho atrás de si e viu ele mesmo, apenas um pouco mais baixo, andando.
O Tom de dois anos atrás, olhava em cada porta, até que encontrou a que procurava. O Tom atual sabia onde estava, era o antigo escritório de Melissa, uma professora que tivera.
O Antigo-Tom bateu na porta, um "entre" suave soou e ele a abriu.
Melissa estava sentada atrás de uma escrivaninha e ergueu os olhos para ele. Seu rosto ficou tenso quando o viu, mas forçou-se em sorrir.
- Olá, Tom. Boa noite. Desculpe mandar você vir aqui tão tarde.
Tom não respondeu absolutamente nada. Ficou parado encarando o rosto bondoso da mulher.
- Sente-se, por favor. – ele obedeceu.
O Tom-Atual sabia que cena era aquela e poderia parar de se concentrar se quisesse, mas queria reviver aquilo. Era maravilhoso...parecia que alguém havia filmado* a sua vida e agora ele estava se entretendo com aquilo.
Sabia também que uma das coisas que lera depois nos livros, sobre legilimência, dizia que devia concentrar-se nas palavras e não tanto nas imagens, pois poderia ficar com um olhar vidrado e não se concentrar no presente, e assim a pessoa perceberia o que estava acontecendo. Devia conseguir manter-se na realidade, ao mesmo tempo que via o que queria, mas não agora. Tentaria isso depois.
Melissa começou a falar de inutilidades e de como ele ia bem em suas aulas. Tom não queria ouvir aquela parte, não era interessante. A imagem foi cortada como um filme* avançado, e ouviu a mulher dizer:
- Bem, Tom...mas não foi para isso que eu te chamei aqui. – ela parecia hesitante. – Foi você que fez aquelas coisas, não é? Aquelas coisas com Carlinhos, Amada e Denis, não? – o silêncio continuou e o menino a fitava sem mudar de expressão. – Saiba, Tom, que não estou aqui para castigá-lo. Você pode ser sincero comigo. Não contarei a ninguém se prometer se comportar. – novamente Tom ficou sem responder. – Não adianta nada ser uma pessoa inteligente e não usar isso da forma correta. Acho que deveria confessar o que fez. Tenho certeza que o perdoarão.
- É só isso? – ele finalmente falou e seu olhar era gélido.
- Bem, eu...
- Boa noite. – Tom voltou-se para a porta de saída, mas Melissa levantou da cadeira.
- Tom! Eu estou tentando te ajudar!
- Por acaso eu te pedi alguma coisa? – o ar petulante de Tom não parecia próprio a uma criança de 10 anos.
- Eu lhe dei a melhor opção a ser feita, mas parece que você não quer nem ouvir. – ela disse irritada. – Sempre gostei de você, mas não posso permitir que continue machucando outras crianças.
- O que quer dizer com isso? – ergueu uma sobrancelha.
- Que vou dizer que foi você. Eu não queria, mas está me obrigando.
- Você não tem provas para dizer que fui eu. Amada e Denis já não disseram o que aconteceu? – ele pôs a mão na maçaneta, mas Melissa segurou seu braço. A raiva subiu em Tom. Como ela ousava segurá-lo daquela forma? – Solte-me.
- Qual o seu problema? – Melissa perguntou. – Você nem ao menos se arrepende?
- Já disse que não fiz nada e mesmo se tivesse feito, por que me arrependeria?
- Meu Deus! Eu não queria acreditar, mas você é doente...pobre da sua mãe, se soubesse...
- Largue-me ou irá arrepender-se.
- Você está me ameaçando? – ela arregalou os olhos surpresa. – Irei amanhã mesmo falar com Eleanor sobre você. Você não pode continuar aqui.
Tom puxou o braço com tanta força que Melissa afastou-se alguns passos.
- Você não dirá nada para ela sobre mim. – ele a olhava raivosamente.
Por um momento Melissa continuou a encarar aqueles olhos escuros e aquelas feições belas transformadas em algo que ela nunca percebera antes. E então de repente, uma dor excruciante começou a subir pelo seu corpo.
Parecia que todos os seus ossos estavam sendo partidos, amassados e triturados ao mesmo tempo. Seus órgãos ardiam como brasas e suas pernas já não podiam mantê-la em pé.
Caiu no chão contorcendo-se e gemendo. Queria gritar, soltar o maior berro que já teria dado na vida, mas não conseguia. Até sua garganta doía incrivelmente.
Finalmente a dor parou, mas seus músculos estavam doloridos e ela sentia-se cansada e desesperada para dormir, desmaiar...morrer.
Conseguiu balbuciar algumas palavras e Tom ouviu:
- O que...é você?
Ambos os Riddle sorriam de lado, divertindo-se com o que fizera.
Depois disso, Melissa foi embora e nunca proferiu uma só palavra sobre o que aconteceu.
Tom voltou à realidade e se viu, pelo espelho, suando e arfando.
Adentrara demais em suas próprias memórias, mas aquilo havia sido encantador. Havia conseguido ler mente, só precisava agora controlar-se para não deixar transparecer.
Tom sorriu. Estava se tornando o que sempre sonhou: alguém poderoso.
*Eu sei que nessa época não existiam filmadoras, muito menos televisão rs. Mas perdoem-me pelo uso dessas expressões. Pensem como...licença poética. rs
To muito feliz em postar mais uma fic do Tom. Espero que vocês curtam também e não fiquem se perguntando como uma pessoa uma vez me perguntou: como que uma criança pode ser tão cruel? Sim, uma criança pode ser bem cruel sim. Isso se chama psicopatia. E claro que ele parece ter megalomania também rsrsrs
Beijos, povo. MANDEM REVIEWS!
