O Abraço da Serpente

I – Vaso Ruim Não Quebra.

Se tinha algo que adorava em seu serviço era poder fazer barulho, poder ser notado, poder chamar atenção. Adorava passar em algum lugar e assistir todos o olharem, não importava no que pensassem. Adorava ver as pessoas cochicharem sobre sua vida, sua família, sobre como ele tinha reconstruído toda sua fortuna de uma maneira misteriosa. Já tinha escutado as histórias mais brilhantes sobre ele, mas a que o mais agradava, era a que dizia que um de seus negócios, na realidade, era uma bela lavanderia de dinheiro. O Ministério investigou o local diversas vezes e nada descobriu, evidentemente. Lavar um pouco do dinheiro em cada um de suas pequenas e fantasmas empresas chamava menos a atenção. E as contratações de seus serviços mal explicadas, mas inegavelmente reais e legais, faziam do dinheiro sujo, limpo. E o melhor de tudo: aquele trabalho lhe dava prazer. Era algo que ele gostava de fazer, adorava ficar semanas inteiras arquitetando, adorava a ação em si, adorava principalmente o contratante pagando em dinheiro, e ele contando moeda por moeda. Adorava também a negociação, e era para lá que aquele momento que se dirigia.

Entrara na empresa com pompas de acionista. A recepcionista ergueu os olhos quando ele disse seu nome, provavelmente já tecendo comentários sobre a presença de um corrupto na empresa, e o indicou o elevador. Verdade que quase ninguém deu atenção a ele. Estava comum para o local: por mais elegantemente vestido que estivesse, não se destacava entre os empresários daquela empresa, já que todos se vestiam assim. No hall do elevador, uma mulher o encarou por longos minutos, ele a mediu dos pés a cabeça, fazendo expressão de desprezo logo em seguida, para ouvi-la comentar com a colega pouco depois: "não sabia que nossa empresa se metia com esse tipo de gente". Tinha acabado o tempo em que bastava um olhar de alguém de sua família para gelar um bruxo, mas era um preço baixo a se pagar por tudo que agora ele tinha.

Subiu pelo elevador até o último andar, onde ficavam os escritórios da presidência, e sem olhar para os lados nem falar com a secretária, se dirigiu para a sala logo à esquerda, onde o nome do presidente da empresa brilhava dourado. Esticou a mão para a maçaneta, quando uma voz feminina disse:

– Aonde o senhor pensa que vai?

Ele se virou, olhando em volta, procurando quem disse aquilo. Só viu a secretária, impassível, fazendo algo com a pena de repetição rápida. Não, não podia ser aquela mulher miúda, insignificante, que já fazia hora extra na Terra, que falara com ele de maneira tão audaz. Aproximou-se dela, que fingiu ignorar a sua presença, e continuou trabalhando com a pena de repetição rápida.

– Foi você quem falou comigo? – disse ele em tom de desprezo.

– Veja bem como me trata, sr. Malfoy. Não é porque sou apenas uma secretária que não mereço respeito. E, ah, sim, fui eu quem falou com você – disse ela sem tirar os olhos do papel. Draco ficou de boca aberta com a audácia dela, em falar com ele daquela maneira. Sua família podia ter perdido prestígio, mas ele jamais deixaria de exigir respeito dos outros, ainda mais de meros serviçais como aquela velha caquética sentada à mesa.

– Se a senhora não sabe, eu tenho uma hora marcada com o presidente desta empresa.

– Ah, tem? – disse ela finalmente olhando para Draco, com cara de deboche. – Na minha agenda não consta nada.

– Ele me ligou ontem à noite...

– Eu sei. Aliás, fui eu quem te liguei – disse ela cortando-o com um sorriso cínico. Draco quase voou em cima dela, graças aquela combinação de interrupção e cinismo.

– Então você sabe que eu tenho hora marcada com ele – se palavras influenciassem na temperatura, a essa altura, o ar da sala já estaria gelado, de tanto frieza contida na conversa.

– Na realidade, o que eu te disse ontem, foi para que viesse até aqui. Em nenhum momento eu te disse que você tinha uma reunião marcada com o senhor presidente.

– Com isso você quer dizer o quê?

– Que ele pediu que você viesse aqui para falar comigo, não com ele – Draco levou alguns instantes para assimilar aquela informação. Desde quando algum contratante mandava uma mera secretária tratar um assunto tão sério quanto aquele com ele, ao invés de tratar pessoalmente? Era um disparate. Uma falta total de bons modos. E, naquela área de trabalho, algumas cortesias jamais deveriam ser ignoradas. Pensou seriamente em deixar aquela múmia em forma de secretária sentada ali e descer pelo elevador, mas estava curiosíssimo para saber o quanto eles ofereceriam pelo serviço. Depois de considerar todas as hipóteses, Draco decidiu ficar; o dinheiro estava acima de seu orgulho.

– Certo. Diga, então.

– Aqui, não – e movimentou as mãos vagamente pelo ar. Draco olhou discretamente em volta, e pôde notar a presença de algumas câmeras bem posicionadas de modo a cobrir a sala inteira. – Venha comigo para a sala de reuniões, o único lugar realmente seguro nessa empresa.

A secretária se levantou. De pé, era mais ridícula do que sentada. De salto alto, não atingia nem o peito de Draco. Usava um conjunto social rosa, com sapatos pretos, e o cabelo preso num coque-de-vó. No entanto, seu andar não demonstrava sua idade. Nem sua língua ferina. Nem o litro de cinismos que carregava em sua voz. De vista, parecia aquelas típicas velhinhas boazinhas de filme água com açúcar. Mas aqueles poucos minutos de conversa com ela mostraram a Draco que era a prova viva da veracidade daquele ditado "Vaso ruim não quebra". O presidente tinha grandes atributos para manter aquela múmia ressuscitada como sua secretária ou, melhor dizendo, como presidente em exercício. Draco não duvidava nada de que quem cuidava dos assuntos daquela empresa fosse ela, e não o presidente, que, muito provavelmente, passava o dia em casa tomando drinks à beira da piscina, sem fazer nada, só ganhando o dinheiro que a empresa rendia.

Entraram os dois na sala de reuniões. A secretária pegou um envelope num cofre, junto com uma bolsa. Ela se sentou à mesa, e sorriu para Draco, que ficou sem saber se ela era mais horrenda sorrindo ou com cara fechada. Abriu o envelope e tirou uma foto. Colocou-a na mesa, e empurrou para Draco, com um sorriso mórbido nos lábios. Draco achava aquilo tão perfeitamente clichê, principalmente quando se tratava de alguém famoso, ou importante no submundo. Por que não simplesmente dizer o nome da pessoa? Fez cara de entediado e puxou a foto para perto de si. Um rosto coberto por um bando de cabelos e uma sombra. Foto de ótima qualidade, pensou. Mas então a pessoa na foto se mexeu, revelando seus traços, seus olhos, além de uma cicatriz em forma de raio na testa.

– Várias pessoas o matariam de graça – disse recolocando a foto sobre a mesa, e empurrando-a de volta para a secretária, num sinal de recusa ao trabalho. – Por que procurar um profissional caro como eu, se centenas de pessoas adorariam ter o prazer de matar Harry Potter de graça?

– Você mesmo respondeu essa pergunta, sr. Malfoy. O senhor é um profissional, sabe o que está fazendo, jamais colocaria os interesses da empresa em jogo, jamais ficaria exposto. Seria um trabalho eficaz, de nível, como queremos. Não como um fanático qualquer faria, matando-o da maneira mais espetaculosa possível, deixando pistas e coisas assim.

– Eu, particularmente, adoraria matar Harry Potter. Mas não me arriscaria assim.

– Por que não? – disse ela mexendo sugestivamente na bolsa, fazendo as moedas tilintarem. Draco deu um risinho forçado, e disse.

– Harry Potter não é matável, senhora. Vaso ruim não quebra. Nem mesmo o Lorde das Trevas conseguiu matá-lo. Sem contar que depois de tudo que fez ele é mais protegido agora do que era na época em que o Lorde das Trevas era vivo. Tocar em Harry Potter é tocar num herói nacional. Se alguém descobre, minha vida acaba. Nenhum dinheiro paga os riscos de se tentar matar Potter.

– Nem isso? – e virou a bolsa sobre a mesa. Centenas de galões se espalharam por todos os lados, mas Draco se limitou a olhá-los impassível, antes de pegar alguns com a mão, e dizer.

– Isto – e deixou-os caírem sobre a mesa suavemente – não paga nem a sua morte. Quanto mais a de Harry Potter – e se virou para sair da sala.

– Saiba que essa quantia se trata apenas de um sinal, sr. Malfoy – Draco parou. – Algo como... uma parcela. Te dou uma agora, sem compromisso, só para garantir que você vai pensar no caso. A segunda, quando você confirmar que irá fazer, e a terceira quando fizer.

– Quanto dá, no total?

A secretária deu um sorriso satisfeito, antes de anotar uma quantia num papel, e mostrar a ele. Aquilo era mais do que Draco ganhava para fazer dez assassinatos e, considerando que não era todo dia que alguém pedia um assassinato, aquela quantia seria o suficiente para que ele se virasse bem durante uns bons três anos. Isso sem banco, nem investimentos.

– Posso levar essa bolsa aqui sem compromisso nenhum, então?

– É claro que pode. Desde que volte para dizer que vai aceitar ou não o serviço.

– Não precisa. Está aceito, já. Me dê o que me cabe como primeira parcela.

– Você sabe de uma coisa, sr. Malfoy? Se aceitar o serviço e levar o dinheiro, e não fizer o que lhe foi pedido, terá que devolver o dinheiro.

– Fique tranqüila, senhora. Acho que estou mais acostumado com a maneira como funciona o submundo dos assassinos de aluguel do que você.

– Está certo então, sr. Malfoy – e levantou-se cumprimentando Draco. – Ah, que fique claro, queremos que pareça um suicídio. Ou um acidente. Nada que chame a atenção, algo simples, que a imprensa possa maquiar da maneira que preferir, para que a imagem de mártir de Harry Potter fique intacta, bem como os interesses da empresa.