Os gritos soavam desesperados pelo vácuo, chamando-os para si. Se tal acto não os repudiasse, os demónios teriam começado a entoar cânticos de alegria. Uma nova alma esperava para ser devorada. Um novo contrato esperava para ser feito. Cada um deles apenas precisava de chegar primeiro que todos os outros… E colocar em voz alta a sua proposta.
Com um último bater de asas, o corvo negro como ébano pousou num tronco velho e rugoso. Não era algo que estava ali antes de o corvo chegar, todavia, também não surgira quando o corvo chegara.
- Qu... quem está aí? – perguntou a voz, dilacerada pela dor que a atormentava. – Onde estou?
O corvo riu baixinho, traindo assim a existência das capacidades humanóides que detinha. Virou a cabeça, fitando a alma com os seus olhos vermelho-sangue. Era, se não estava em erro – e ele nunca estava –, a alma de uma mulher jovem, provavelmente na casa dos trinta. Era forte, muito mais que as outras da sua espécie, ou de outro modo não teria chegado ali… Não continha a qualidade do seu último mestre, mas Ciel fora algo de excepcional, algo de irrepetível que Sebastian sabia que não voltaria a encontrar.
- O que vos atormenta… – sussurrou. – O que vos perturba… Tudo isso eu posso realizar… Os desejos que vos consomem, a vontade que queima as entranhas do vosso ser…
A alma olhou-o, fitando-o com os enormes olhos azuis. Lembravam-lhe a pedra do anel que Ciel sempre fizera questão de trazer consigo. Gostava daqueles olhos.
- Um corvo…– respondeu. – Um animal maldito… Amaldiçoados por Jesus Cristo Nosso Senhor aquando a caminhada pelo seu calvário…
- Inegável – concordou Sebastian, permanecendo fixo no seu poiso.
- O que eu quero… – continuou a alma. – O que eu desejo… Em troca do quê? O preço… qual o preço…?
- Firma um contrato comigo – interrompeu Sebastian – e realizarei o teu desejo. Viverás para esse desejo...
- … E não depois dele – completou a alma. Estivesse na forma humana e um sorriso ter-se-ia desenhado nos lábios do demónio. Novamente, uma alma perspicaz.
- Assim é – confirmou. – Bem vedes que também nós, demónios, necessitamos de nos alimentar…
A alma hesitou, consumida em dúvidas. Não, não era nada como Ciel. Ciel não duvidava. Ciel não hesitava.
- Aceito – afirmou, finalmente, a alma. – O preço, seja qual for, valerá…
Sebastian sorriu. Aquilo sim, já era como Ciel. Abraçou a alma, envolvendo-a com os braços agora humanos e arrastou-a dali para fora, deixando o rastro do Inferno atrás de si, encarnando de novo no já familiar mundo humano. A alma que com ele firmara contrato encontrava-se agora no corpo fraco e melindrado de uma mulher, em tudo correspondente às suas impressões. Estava magoada, cansada… Humilhada. Ergueu ligeiramente cabeça, lançando-lhe aquele olhar. O olhar de Ciel. O primeiro olhar de Ciel. Sorriu novamente, perguntando-lhe num sussurro quais as suas ordens. Teria de parar, de acabar com aquelas contínuas comparações. Ciel fora um contrato, um contrato interminavelmente longo, um contrato como nenhum outro, mas ainda assim um contrato. E no entanto… Todavia… Não o faria. Sabia que não o faria.
- Mata-os – sussurrou a mulher. – Mata-os a todos…
Com cuidado, pousou-a novamente no chão, procurando em redor o "todos" que em breve abandonariam a vida. Ouviu-os a alguns passos de distância, correndo, fugindo do seu crime. Soltou um som de desprezo ante a fraqueza da condição humana. Que trabalho fácil, que contrato célere! Mas a alma valeria a pena e por ela rapidamente executou a matança, reprimindo o desejo de mais uma vez dizer "Yes, my Lord!"
N/A: Pessoalmente não gostei muito do resultado desta fanfic, ainda assim, gostaria de saber qual a vossa opinião.
