COMANDANTE POTTER
SINOPSE: Apenas um mês. Era o tempo que faltava para que Lily Evans se tornasse finalmente uma Auror... contudo, como se o único propósito de sua vida fosse tornar a dela mais difícil, Comandante Potter, o auror consagrado do esquadrão Ordem da Fênix, invade seus dias com seu mau humor extremo e seu tédio infinito. E, é claro, aquilo só podia significar uma coisa: até o final daquele mês um dos dois acabaria morto.
[SHORTFIC - JILY]
DISCLAIMER: Personagens principais pertencentes a J.K. Rowling. | Realidade Alternativa, ou seja, embora eles continuem sendo bruxos e vivendo no mesmo universo no qual foram criados, alguns fatos cânones foram modificados ao meu bel prazer. | Contém cenas de sexo explícito, ou seja: não gosta, não leia. | Shortfic de 3 capítulos, todos eles prontinhos para serem postados. | Comentários serão sempre muito bem vindos.
NOTAS: Olar, amores, tudo bem?
Bem, passei os últimos dois dias em um doloroso trabalho de parto... ainda bem que uma grande amiga me acompanhou nesse momento (AliceDelacour)... e já que eu não podia fazer nada além de sentir dor, aproveitei pra escrever essa fic.
Para quem não me acompanhou no twitter, essa história era para ser uma oneshot. Infortunadamente, acabei escrevendo um pouco demais (23 mil palavras, oi?) e precisei dividir a história em três partes para que a leitura não ficasse tão cansativa.
SIM, pela primeira vez na história da humanidade eu escrevi uma história INTEIRA antes de postar. Milagres de 2017, só pode.
Aliás, essa é a PRIMEIRA fanfic que posto em 2017 e, por Merlin, é uma das minhas favoritas! Estou tremendamente apaixonada pelo Comandante Potter, sos
Espero que gostem, amores!
I - ESQUADRÃO ORDEM DA FÊNIX
[SEXTA-FEIRA – HOGWARTS – SALA DO DUMBLEDORE]
— Eu não acho que seja uma boa ideia. — James comentou e passou as mãos pelos cabelos, sentindo-se estranhamente nervoso. — Ela é uma boa aluna, mas é desastrada demais, Dumbledore. Vai acabar se machucando.
— Ela é a melhor aluna, Dumbledore! Foi bem em todos os testes, tem agilidade nos pensamentos e, francamente, é a melhor preparadora de poções que já vi. E olha que conheço Fleamont Potter! — Emmeline Vance intrometeu-se, encarando Dumbledore com a expressão determinada antes de voltar-se para James. — Se você não quiser treiná-la, eu vou.
James estreitou os olhos para ela, mas preferiu não responder o que tinha em mente, pois sabia que acabaria causando uma briga. Mais uma. Não que aquilo fosse novidade entre James Potter e Emmeline Vance.
— Dumbledore... — Sirius, que estivera observando a discussão sentado numa das cadeiras confortáveis próximas à mesa do diretor, chamou. — James está falando a verdade, ela é realmente muito desastrada... — Disse e recebeu um olhar de agradecimento do amigo em resposta. — Mas ela é a melhor. É a mais inteligente. E é, sem dúvidas, muito criativa. Isso para não falar que é bastante espirituosa e, olhe só para o James: ele precisa de pessoas espirituosas perto dele antes que acabe morrendo de rabugice. — James bufou. — E vale relembrar que não teríamos conseguido pegar o Roockwood sem a Poção Desestabilizadora que ela criou. Ela criou uma poção. — Sirius encarou o diretor como se aquele fosse o ponto final.
— Exatamente! — Emmeline assentiu em fervorosa apreciação.
Aparentemente, Evans tinha um fã clube. Ao pensar naquilo, James precisou se segurar para não rolar os olhos.
— Black e Vance têm razão, Potter. — Moody disse, sério, encarando seu comandante com determinação. — Ela é a melhor e nós precisamos dos melhores do nosso lado. — O olho azul-elétrico de Moody fixou-se sobre ele, assim como o normal, fazendo com que James se sentisse inquieto.
— Você também é um dos nossos melhores comandantes na Ordem, James. — Dumbledore adicionou, muito mais paciencioso do que Moody. — Lily é uma boa garota, aprende rápido. Imagino que a inteligência dela assomada a sua nos fará muito mais fortes.
— Eu...
— Potter, Dumbledore já disse tudo. Não vejo motivos para isso não acontecer, portanto você irá, sim, treiná-la. Alguma outra objeção? — Os olhos de Moody demonstravam uma irritação perigosa, indicando que não deveria haver nenhuma objeção.
— Não, senhor. — O gosto na boca de James era amargo ao proferir aquelas palavras. — Eu irei treiná-la.
[SEXTA-FEIRA – HOG'S HEAD INN]
— Qual é, James, parece que acabou de enterrar seu cachorro. — Sirius comentou, divertido com a comparação.
— Sirius me contou sobre a discussão que teve com a Emme. — Remus adicionou, curioso. — Você está bem?
— Eu não discuti com a Vance. — James franziu o cenho para o exagero de Sirius. — Sequer falei com ela.
— É, mas quase. — Sirius assentiu, sério. — Pensei que você fosse pular no pescoço dela quando ela falou sobre a Evans.
Somente ao ouvir aquele nome, James gemeu em frustração.
— Meu Merlin, James, você não gosta mesmo da pobre garota. Qual é o problema com ela? — Remus indagou, franzindo o cenho para o comportamento do amigo.
— Isso é tensão sexual, Moony. É por isso que o Prongs não quer ser o orientador da Evans. — Sirius sorriu, maroto. — Ele tem medo de acabar caindo em cima dela. E isso nada tem a ver com o fato de ela ser desastrada.
— Ah, mas pelo amor de Merlin, cale a boca, Padfoot. — James reclamou, mal-humorado. — Não é nada disso! Não tenho nada contra a garota... é só que eu não acho que ela está preparada para algo tão sério quanto a Ordem.
— Mas, James, ela não vai saber nada da Ordem até estar pronta. — Remus comentou, racional. — Você só vai informá-la sobre isso quando e se ela estiver preparada. Se não a achar boa o suficiente, então é só terminar o treinamento e mudá-la para outro esquadrão.
— É, é. — James deu de ombros e passou as mãos pelos cabelos, frustrado. Uma moça de longas madeixas escuras sorriu para ele ao observar o movimento, fazendo com que ele fechasse ainda mais a cara.
— A Emme acabou mesmo com você, não foi? — Foi Remus quem comentou, baixinho demais para que Sirius pudesse ouvir e comentar algo irônico.
— Já fazem quase dois anos desde a Emme, Moony.
— Isso não quer dizer que tenha ficado mais fácil. — O amigo deu de ombros. — Você ainda gosta dela?
— Ele não gosta dela, Moony. Nunca foi apaixonado, se quer mesmo saber a verdade. — Sirius, que tinha os ouvidos muito melhores do que James teria imaginado, inclinou-se para eles. — Prongs só está com o ego machucado demais para dar chance para as coisas bonitas da vida. — E indicou a mesma moça de segundos atrás.
— Para mim, chega. — James bufou. — Boa noite para vocês. — Irritado, ergueu-se de sua cadeira. Atirou algumas moedas em cima da mesa e então se encaminhou para a saída do pub, ignorando deliberadamente a encarada que a moça de cabelo escuro lhe deu ao cruzar.
Era uma noite fria de início de inverno. Havia nevado no dia anterior, portanto Hogsmeade inteira parecia coberta de glacê. James sorriu levemente com o pensamento, lembrando-se de seu tempo em Hogwarts e de como amava escapar durante à noite para passar um tempo naquele povoado.
Caminhando à esmo, James observava o lugar à sua volta cheio de nostalgia. Estava passando em frente ao Três Vassouras e conjeturando entrar para dar um oi para Rosmerta quando a viu saindo do pub, parecendo radiante como sempre. Quase imediatamente seus olhos verdes encontraram com os dele e, sem hesitar, ela caminhou até onde ele estava sem qualquer pudor.
— Ora, ora, se não é o Comandante Potter. — Sorriu para ele, como se fossem velhos amigos e não duas pessoas que mal se conheciam. Suas bochechas estavam coradas devido ao frio enquanto os cabelos ruivos esvoaçavam ao seu redor. James tentou não lhe prestar muita atenção. — Comemorando o último dia também?
— Para mim não é o último dia, Evans, já que terei de treinar alguns de vocês por mais um mês. — James respondeu, ríspido, sentindo a barreira que sempre erguia quando ela estava por perto tomar seu lugar.
— Oh, você não parece muito feliz com isso. — Evans comentou enquanto caminhava ao lado dele como se não percebesse que ele estava tentando se afastar.
— Não.
— E com o que você fica feliz? — Ela continuou a conversar, tagarelando do modo como sempre fazia. Por Merlin, era irritante demais. Será que ela não se dava conta de que estava sendo indiscreta e que ele não tinha obrigação nenhuma de lhe responder? — Quero dizer, está sempre com essa expressão de...
— Eu fico feliz, Evans, com pessoas me deixando em paz. — Cortou-a, sério, encarando-a e deixando bastante claro que o mau-humor dele se estendia até ao fato de ela estar seguindo-o também.
— Ah, certo... entendi, Potter. — Parecendo ter percebido a indireta, as bochechas dela coraram ainda mais, deixando-a naquele adorável tom avermelhado antes de começar a se afastar na direção oposta. — Boa noite então. Tchau.
Bufando, James xingou-se mentalmente. Por Merlin, "adorável". De onde aquilo havia surgido?
[SÁBADO – SALA DE REUNIÕES OFICIAL DO MINISTÉRIO DE MAGIA]
Olho-Tonto Moody andava de um lado para o outro no palco, seu olho azul elétrico sem parar um segundo sequer, girando em sua órbita de forma enlouquecedora.
Próximo de onde ele estava, seis de seus comandantes, dentre eles Emmeline Vance, James Potter, Caradoc Dearborn, Gwenog Jones e Amus Diggory encontravam-se em pé, sérios, exceto por Sirius Black que aparentemente não conseguia não sorrir de segundo em segundo para qualquer ser humano que cruzasse em sua frente e tivesse um pingo de beleza.
Bufando, Lily sabia que não devia se surpreender depois de tê-lo observado por tanto tempo na escola, sempre galante. Lembrava perfeitamente do setimanista que dizia para ela "Ei, Ginger, quando você for maior de idade, me chama". Era brincadeira, claro, mas ele conseguia fazê-la corar – assim como conseguia fazer com que todas as garotas da escola corassem.
Os anos passaram e ele continuava o mesmo, embora muito mais bonito. O que era realmente surpreendente, para não dizer injusto, levando em consideração o tanto de beleza que uma única pessoa deveria possuir.
Ela havia contado pelo menos três vezes nas quais ele havia cutucado Potter com o cotovelo, indicando alguém ou alguma coisa perto de onde estavam. O contraste entre os dois amigos era intenso: Black, sorridente e galante enquanto que Potter continuava sendo aquele poço sem fundo de inexpressão.
Mas, Lily se perguntava, por que ele havia ficado daquele jeito?
— Você deveria desviar o olhar, você sabe. — McKinnon comentou, arrancando-a de seus devaneios. — Potter vai acabar te expulsando antes mesmo de você fazer o estágio.
Rolando os olhos para ela, Lily suspirou antes de desviar o olhar, sabendo que a garota estava certa. Do jeito que Potter era rígido, se respirasse um pouquinho alto demais ele provavelmente a mataria.
Não que ela precisasse lidar com aquilo por muito mais tempo, afinal aquele era o grande dia. O dia em que finalmente começaria a colocar em prática tudo o que havia aprendido nos dois últimos anos. Depois de tantas noites em claro estudando, tanto treino e cansaço... ela finalmente seria designada para um esquadrão e, se tudo desse certo, seria qualquer um dos cinco ao qual Potter não pertencia.
— Boa noite. — Moody disse, sua voz grave ressoando pelo salão, atraindo a atenção de todos os presentes para si.
Lily aprumou-se em sua cadeira, sentindo-se imediatamente ansiosa.
— Auror. — Moody entoou, cheio de segurança. — Sem dúvida uma das profissões mais difíceis e uma das mais honradas também. Há anos este Departamento vem dando a vida de seus homens e mulheres para o bem da sociedade bruxa. Quando há desespero, oferecemos calma. Quando há uma batalha, oferecemos bons lutadores. Quando há medo, oferecemos esperança. — Moody encarou a todos, um a um, sério. — Quando decidi ser um Auror, não foi fácil. Passei por muitas provações... ainda passo, na verdade. Mas até hoje ninguém conseguiu me derrubar. O que, como podem ver, não quer dizer que não tenham levado alguns pedaços meus consigo. — Brincou, fazendo piada com o fato de não ter mais um olho. — Tenham em mente que, a partir do momento em que fizerem parte disso, que forem consagrados Aurores, vocês serão a arma da sociedade bruxa. Vocês estarão sempre na linha de frente. E isso machuca. Isso mata. Portanto peço que, se ainda não pensaram sobre isso, pensem agora. Avaliem suas capacidades e chances. Se, depois de pensarem, decidirem prosseguir, lembrem-se: vigilância constante! — O homem ficou em silêncio pelo que pareceu ser longos minutos, como se estivesse dando o tempo para que todos pensassem no que estavam fazendo. Lily remexeu-se, impaciente, tendo pensado sobre os prós e contras daquela profissão mais vezes do que poderia contar. Merlin, ela só queria saber para qual esquadrão seria escolhida! — Como sabem, hoje iremos designar cada um de vocês para um comandante. Vance comanda as Águias da Colina, Dearborn os Hipogrifos Noturnos, Jones as Harpias de Vento, Diggory os Falcões Raivosos, Black os Testrálios de Fogo e, Potter, a Ordem da Fênix...
— Você pensa que, com esses nomes, estamos em um zoológico. — Lily murmurou baixinho, fazendo com que Dorcas Meadowes, que estava sentada à sua direita, se afogasse em meio a uma risada. Sentindo-se corar, Lily deu alguns tapas nas costas da menina, rezando para que ninguém percebesse o que havia acontecido.
Mas é claro que, ao voltar a encarar o palco, deparou-se com o olhar desaprovador de Potter sobre si. Ela ficou tão desconcertada com a clara reprimenda, que demorou até conseguir entender o que Moody continuava falando.
—... chamarei os integrantes de cada esquadrão. — O homem terminou o que deveria ter sido um final de discurso incrível. Lily não tinha como saber. Então ele puxou um pergaminho de dentro das vestes e Emmeline Vance deu um passo à frente antes de ele começar a falar. — Marlene McKinnon, Mary Mcdonald e Jiones Rudolf, vocês estão junto das Águias da Colina.
Marlene ergueu-se de sua cadeira, sorrindo levemente para Lily e Dorcas. Mcdonald e Rudolf também fizeram seu caminho até onde Emmeline estava aguardando-os, sorridente. Lily pôde ver que a mulher loira deu as boas-vindas para os três antes de se encaminhar com eles para algumas cadeiras dispostas junto ao resto do seu esquadrão no lado esquerdo do salão.
Ela franziu o cenho, levemente incomodada por não ter sido escolhida para as Águias da Colina. Sem sombra de dúvidas, Emmeline Vance fora a melhor professora que Lily havia tido nos dois anos de curso. Sempre imponente e corajosa, disposta a ajudar. Tão diferente de algumas pessoas...
— Alecto Carrow, Anne Bulstrode. Vocês estão com os Hipogrifos Noturnos. — Moody prosseguiu e então Dearborn sorriu para as duas garotas, indicando para elas que o seguissem até o lugar onde seu esquadrão estava. — Agora... Eddy Doge, Elisa Barnow, Evan Rosier. Vocês estão com os Falcões Raivosos.
Droga, Lily pensou. Os Falcões eram sua segunda opção. Diggory, por mais babaca que fosse, era um dos melhores preparadores de poções que Lily conhecera. Havia sonhado com a possibilidade de aprender um pouco mais com ele... suspirou, contrafeita, imaginando que só lhe restavam...
— Oh, merda. — Ela resmungou, talvez um pouco mais alto do que deveria, mas não conseguiu se controlar.
Faltavam apenas três pessoas para serem chamadas e dois esquadrões para ir. Se ela tivesse sorte, e estava contando que teria, acabaria indo para o de Sirius Black. Ele era um ótimo duelista, não podia negar, e sempre a divertira muito durante os treinos. De um todo não era assim tão ruim.
— Albert Runcorn e Jordan Brown. Vocês estão com os Testrálios de Fogo. — Moody disse e então seu olho-tonto, que havia se fixado sobre cada um dos citados enquanto seu olho normal perpassava pela lista, pairou sobre Lily. — Lily Evans, você está com a Ordem da Fênix. — Sorriu, como se estivesse dando a melhor notícia do mundo para ela.
Só que não estava.
Ao erguer os olhos para seu novo comandante, Lily precisou conter um gemido. Era irônico pensar que, depois de tanto tempo, finalmente conseguira ver uma mudança na fisionomia de James Potter: decepção.
Bem, ele não era o único insatisfeito com a escolha.
[SEGUNDA-FEIRA – DEPARTAMENTO DE AURORES]
Os dedos de Lily tamborilavam incessantemente contra o tampo da mesa indicando sua inquietação. Um, dois. Pausa. Três, quatro. Pausa. Cinco, seis. Pausa. Sete, oito. Pausa. Nove, dez.
— Evans, pelo amor de Merlin, pare com isso. — Potter reclamou, finalmente erguendo seus olhos castanhos do jornal que lia para encará-la, irritado.
— Só porque você pediu com carinho, comandante. — Brincou e sorriu para ele antes de juntar as mãos sobre seu colo. — O que está lendo? — Indagou, curiosa, seus olhos sem nunca deixarem de observá-lo, atentos.
Ele havia aparado a barba, ela percebeu, e cortado um pouco os cabelos embora continuassem bagunçados. O pequeno corte embaixo de sua sobrancelha direita era o único indício de sua missão do dia anterior.
— Jornal. — Ele respondeu, monótono como sempre.
Lily bufou.
— Isso eu sei.
— Se sabe então não pergunte, Evans. — Potter cortou-a novamente, virando a página do jornal com uma calma irritante.
— Embora eu pense que eu sei, não quer dizer que eu sei, comandante. — Lily utilizou a frase que ele vivia usando contra ela. Animada, percebeu o cenho dele franzir minimamente, mas, para a sua tristeza, ele não se deu ao trabalho de responder.
Nunca se dava.
Desistindo ao perceber que aquele era o máximo de conversa que ela teria com ele, Lily precisou lutar contra o impulso de voltar a tamborilar os dedos, cruzando os braços sobre o peito, fechando as mãos em punho e firmando-os ali.
Seu olhar vagou em direção à janela à sua esquerda e, embora seus olhos vasculhassem as falhas na madeira, ainda tinha total ciência da presença de James Potter ali, próximo o suficiente para que ela ouvisse sua respiração lenta e ritmada. O que era bem mais do que ele deixava transparecer, é claro, afinal Potter sequer parecia lembrar que ela estava ali, mesmo ela tendo acabado de falar com ele.
Lily não conseguia entender como ele conseguia ser tão alheio ao mundo ao seu redor daquele jeito. Ela não conseguia ficar mais do que poucos minutos sem fazer nada antes que seu cérebro começasse a reclamar da procrastinação. Estava sempre observando alguma coisa, pensando em alguma coisa, planejando alguma coisa.
James Potter, pelo contrário, parecia nunca estar pensando em nada além do... que quer que se passasse pela sua mente. Listras branco e preto, talvez. Lily não tinha como saber, afinal não era como se ele tivesse muitas demonstrações humorísticas além daquela expressão de tédio eterna que permeava em seu rosto.
O que a levava novamente a questão que reverberava por sua mente nos últimos dois anos sempre que estava entediada: por que James Potter havia se tornado tão ranzinza?
Mas, também como sempre, não possuía respostas para aquele questionamento.
Não sabia dizer por quanto tempo ficara ali, parada, apenas observando aquela janela que se tornava mais chata a cada segundo. Suspirou.
— É o terceiro suspiro que você dá em menos de dez minutos. Devo entender que está entediada, Evans? — Potter indagou e largou o jornal sobre sua mesa, colocando uma mão sob o queixo enquanto a encarava, sério.
Franzindo o cenho, surpresa com a informação de que somente dez minutos haviam se passado e não todos os milênios que pensara, Lily desviou o olhar da janela, fixando-o sobre ele.
— Eu só queria saber quando iremos começar com as práticas. — Ela disse, tentando parecer respeitosa, embora seus olhos tivessem se estreitado para que ela não acabasse rolando-os.
— Já começamos. — Ele falou, ainda sério.
Confusa, Lily continuou encarando seu comandante, imaginando se ele estava mesmo falando sério. Como ele não se pronunciou pelo minuto seguinte, ela sentiu as bochechas esquentarem ao perceber que deveria ter deixado algo passar.
— Desculpe, mas... que tipo prática é essa? — Indagou enquanto indicava o escritório onde se encontravam, sentados um de frente para o outro em volta da escrivaninha.
— Costumo chamar de "paciência", Evans. — Potter respondeu, seus olhos parecendo faiscarem.
— Oh... — Foi tudo o que ela conseguiu dizer antes de calar-se por conta do constrangimento.
— E, como deve ter percebido, você não foi muito bem. — Ele continuou e então ergueu-se de onde estava sentado, sua capa negra esvoaçando levemente ao seu redor enquanto se afastava em direção à saída. — Você já deveria ter aprendido que paciência é um dos pilares para ser um bom Auror, Evans. — E então saiu, fechando a porta quase sem fazer ruído ao passar, calmo demais para alguém que havia acabado de dar um sermão.
O que era bem mais do que se podia dizer dela: extremamente corada, humilhada e absurdamente pasma.
Céus, como ele conseguia fazê-la parecer tão patética em tão poucos segundos?
Não era como se ela fosse uma péssima auror, pelo contrário: sabia que era uma das melhores alunas. Só que, para Potter, o que ela fazia nunca era o suficiente
— Vai ver ele quer que eu comece a limpar o chão com a língua por onde ele passa. — Ela bufou, irritada, erguendo-se de onde estava sentada e se encaminhando para a saída.
O som que a porta fez quando ela a puxou não foi nada baixo, o que fez com que os Aurores próximos da sala de onde ela saía a encarassem desconfiados. Assentindo para eles, sentindo-se – se era possível – ainda mais corada do que antes, Lily afastou-se a passos largos pelo corredor, querendo mais do que tudo sair daquele Departamento.
[TERÇA-FEIRA – O CALDEIRÃO FURADO]
— Evans, preste atenção. — Potter sussurrou, irritado. Ele estava com uma caneca de cerveja amanteigada na mão direita e o jornal na esquerda; seus olhos atentos fixavam a entrada do pub de segundo em segundo.
— Eu estou prestando. — Ela respondeu no mesmo tom, sentindo o rosto corar devido a raiva. Agradeceu internamente por estar escuro no lugar onde haviam escolhido sentar, pois não queria que ele visse as reações exageradas de sua pele. Era sempre humilhante quando aquilo acontecia. — Não sou retardada.
— Certo, certo. — Ele disse, descartando o que ela havia acabado de dizer como se não acreditasse em suas palavras. Ela precisou lutar para controlar um gemido de frustração, sabendo que se o fizesse, Potter a amaldiçoaria. — Está vendo aquele cara de chapéu vermelho esquisito? — Indicou discretamente com a mão o local próximo à saída onde dois homens conversavam absortos. — Pelo amor de Merlin, seja sutil, Evans. — Reclamou quando ela se voltou para onde ele estava indicando.
— Eu estou sendo. E ele é todo esquisito. — Ela rolou os olhos, voltando a fixa-los em Potter. — Sim, estou vendo. — Adicionou ao perceber a expressão levemente reprovadora dele.
— Há semanas que o estamos espionando. Segundo nossas fontes, ele é um informante de Voldemort. O único problema é que, até agora, não conseguimos quase nada que provasse isso, exceto suposições. — Potter continuou a falar e Lily pôde ver a seriedade em suas palavras.
— E você está com medo que te mandem parar de espioná-lo? — Lily especulou, curiosa com o modo como os lábios dele haviam franzido. — Você acha mesmo que ele é o informante?
Potter baixou os olhos para ela, parecendo levemente surpreso com sua suposição.
— Veja só, você não é retardada. — Ele disse e assentiu como se anotasse algo mentalmente. — Sim, Moody disse que, se até o final desta semana não conseguirmos nada mais aprofundado sobre ele, teremos de arquivar o caso.
— Certo. — Lily concordou. — E como exatamente vamos descobrir mais sobre ele ficando aqui, sentados? Esperamos que ele faça alguma coisa? Não seria mais prudente agirmos antes de...
— Paciência, Evans. — Potter pontuou, baixando os olhos para ela e a encarando profundamente, num claro olhar de "não ouse fazer bobagem".
— Paciência. Certo. — Ela murmurou, sentindo-se repreendida ao lembrar da primeira lição que Potter havia tentado lhe ensinar e na qual havia falhado miseravelmente.
Eles continuaram em silêncio, Potter bebendo sua cerveja e fingindo ler o jornal com uma calma resplandecente e da qual Lily não compartilhava. O coração dela batia fortemente contra o peito, suor brotava constantemente em suas têmporas.
De todas as coisas que odiava na vida, esperar era a pior delas. Lily era hiperativa. Ela precisava se mover, falar, andar. Fazer qualquer coisa que não fosse ficar ali, parada, fingindo tomar café. Pelo que sabia, o cara podia estar tramando algo bem naquela hora e eles estavam ali, longe demais para que pudessem ouvir ou descobrir qualquer coisa.
— Potter...
— Shh... — Ele a interrompeu antes mesmo de começar. — Fique quieta.
— Mas, Potter...
— Fique quieta, Evans, estou tentando ouvir. — Potter reclamou e estreitou os olhos para ela antes de suspirar. — Se você parar de me interromper e prestar atenção, vai perceber que daqui deste lugar onde estamos sentados podemos ouvir perfeitamente o que está sendo dito naquela mesa. E isso porque, novamente: se tivesse prestado atenção ao invés de ficar se remexendo inquieta, perceberia que eu lancei um feitiço retumbante quando passamos por lá — indicou o lugar onde os dois homens continuavam conversando. — E que o som produzido lá reverbera aqui, exatamente onde estamos. — Os olhos dele ficaram sobre os dela por mais alguns instantes antes de voltarem a encarar o jornal, apático.
Sentindo-se como se houvesse acabado de ser pega fazendo algo ilegal pela Professora McGonagall, Lily respirou fundo e tentou acalmar as batidas em seu coração, assim como diminuir o tom rubi que, tinha certeza, tingia seu rosto. Apurou os ouvidos, sabendo que deveria fazer o que Potter havia dito, muito embora não concordasse com a sua abordagem. Não seria muito mais fácil se ele tivesse dito "Ei, Evans, vou lançar um feitiço retumbante quando entrarmos N'O Caldeirão Furado, preste atenção" do que esperar para que ela, nervosa como estava em sua primeira missão, percebesse por telepatia?
"... não dá" a voz grossa ecoou, baixinho, em volta dela. Se não estivesse tão concentrada em ouvir, provavelmente teria gritado de susto.
"Precisamos fazer isso na próxima Terça" outra voz, também masculina, respondeu.
"... traga aqui, na Terça"
"Feito"
E então as vozes sumiram.
Franzindo o cenho, Lily abriu os olhos – tendo fechado na tentativa de se concentrar. Sentiu o rosto corar novamente ao perceber o olhar perscrutador de Potter sobre si.
— Hm, então, Terça? — Ela foi a primeira a interromper o silêncio esquisito que recaíra sobre eles. Era sempre ela que interrompia silêncios, na verdade.
Potter assentiu, mas não falou nada. Erguendo-se, arrumou a capa sobre seus ombros e então começou a caminhar em direção à saída. Suspirando, Lily o seguiu, sabendo que teria de ser paciente e esperar até que ele lhe dissesse qualquer coisa se não quisesse levar mais algum sermão.
Aplicando a mesma técnica que havia utilizado enquanto estivera N'O Caldeirão Furado, Lily forçou-se a se acalmar. Era realmente uma pena que não pudesse fechar os olhos também, porque poderia acabar caindo, o que só contribuiria para a péssima impressão que Potter deveria estar tendo sobre ela. Lily sempre pensava melhor quando estava de olhos fechados.
— O que você acha, Evans? — Potter finalmente falou com ela. Estavam na Londres trouxa, caminhando por ruas cheias de neve e pessoas animadas para o Natal que estava há menos de um mês de distância. Lily ergueu os olhos para ele, surpresa pela pergunta.
— Hm, eu acho que... — Limpou a garganta, sentindo-se nervosa por estar sendo avaliada. — Se eles pretendem se encontrar N'O Caldeirão na Terça, nós deveríamos espioná-los?
— Você precisa demonstrar mais certeza quando fala, Evans. — Potter murmurou, mal-humorado como sempre. — Sim, nós deveríamos espioná-los, mas não iremos fazer. Por quê?
— Porque... Terça é depois do final da semana. Moody vai mandar pararmos de investigar antes. — Lily concluiu e então ergueu os olhos para ele, arregalando-os. — Mas se ele for realmente o cara que precisamos pegar...
— Então isso significa que estaremos perdendo informações importantes.
— Mas por que o Moody não nos deixa continuar investigando até Terça? Quero dizer, alguns dias a mais não fariam diferença, fariam? — Perguntou, franzindo o cenho em confusão.
— Sim, fariam, pois, a partir de Domingo teremos outra missão que poderá durar mais do que o planejado. Quando digo "nós" me refiro a nós, aurores formados. — Ele adicionou ao perceber a expressão de euforia que surgiu no rosto dela. — E, infelizmente, não podemos não ir. E essa missão é muito mais importante que esse cara.
— E ele não pode dispensar pelo menos um de vocês? — Lily continuou e tentou parecer séria enquanto se mordia de vontade de saber qual era a missão importante que começaria no Domingo.
— Sim, ele pode. Mas ele não pode me dispensar. — Potter passou uma mão pelos cabelos, gesto que Lily acompanhou com o olhar por mais tempo do que gostaria de admitir. — E eu não estou disposto a passar essa informação sobre o Caldeirão Furado para mais ninguém.
— Por que não?
— Porque as pessoas não são confiáveis, Evans. — Potter disse, cortando-a.
— Então o que faremos agora? — Lily finalmente perguntou, totalmente perdida sobre o que deveriam fazer.
— Nós continuamos investigando e rezamos para descobrir algo mais interessante antes da Terça-feira que vem.
X—X
Eles não descobriram.
Os dias seguintes se passaram sem qualquer novidade com relação ao cara do chapéu esquisito. Em todas as vezes que decidiram ir até o Caldeirão Furado para observar, ele nunca apareceu. Começaram a caminhar pelas ruas do Beco Diagonal, tomando poção polissuco com fios de cabelo de trouxas algumas vezes, para que não passassem a associar a imagem deles a de espiões. Depois de algum tempo, começaram a seguir pistas parcas que os levavam para outros povoados. Eles viajavam durante a manhã e, no meio da tarde, voltavam para O Caldeirão. E então esperavam.
Lily tentou aproveitar aqueles dias em que passava mais de doze horas perambulando junto de James Potter para conhecê-lo melhor, contudo também não teve sucesso nisso.
Muito pelo contrário: a cada dia que passava, Lily sentia que o conhecia cada vez menos.
[QUARTA-FEIRA – BECO DIAGONAL]
— Você gosta de feijõezinhos de todos os sabores? — Perguntou em uma tarde qualquer, após saírem de uma loja de doces onde Potter pensou ter visto um movimento suspeito. Lily havia aproveitado para fazer um pequeno estoque de chicletes e balas.
— Não. — E então deu as costas para ela, saindo para a rua lotada.
Lily, que ainda estava com o braço estendido com o pacote de feijõezinhos na direção em que Potter havia estado, sentiu-se murchar.
— Paciência, Lily.
[QUINTA-FEIRA – LONDRES]
— Você pratica esportes nas horas livres? — Encontravam-se em um café, ofegantes após fugirem de alguns dementadores. Lily havia acabado por se atrapalhar, fazendo com que Potter derrubasse a varinha. Quando ele se abaixou para recuperá-la, Lily soube que não teriam tempo de pensar em algo feliz e lançar o feitiço do patrono, portanto pegou-o pela mão livre e o puxou, correndo rapidamente para o mais longe que suas pernas permitiam. — Você corre rápido.
— Não. — Ele a cortou, ainda furioso demais com a falta de profissionalismo dela para que conseguisse falar mais do que aquilo sem acabar a amaldiçoando.
[SEXTA-FEIRA – TRÊS VASSOURAS]
— A neve deixa tudo mais bonito, não acha? — Ela comentou ao erguer os olhos para a janela próxima de onde estavam, que dava para a rua principal de Hogsmeade, e ver o povoado inteiro tomado pelos tons de branco invernal.
— Hm. — O murmúrio de Potter saiu abafado, pois ele estava ocupado demais bebericando sua cerveja amanteigada enquanto lia seu jornal para falar qualquer coisa com ela.
Lily suspirou, sentindo-se chateada. Estava cansada de ser ignorada.
Passara a semana inteira caminhando em silêncio ao lado de James Potter e, em todas as vezes que tentara conversar, acabara recebendo olhares reprovadores ou respostas curtas e grosseiras.
Afastando uma mecha de cabelo insistente de seu rosto, Lily puxou sua cerveja amanteigada para perto, sentindo o calor da bebida passar pelo vidro do copo e esquentar seus dedos enregelados.
Era um dia particularmente frio e, embora estivesse cheia de roupas, ainda tremia.
Tomou um gole de sua bebida e fechou os olhos, sentindo-a descer por sua garganta, esquentando-a por dentro. Reviveu algumas coisas em sua mente, lembrando de coisas que havia aprendido nos últimos dias. Apesar de Potter ser a pior companhia que alguém falante como ela poderia querer, ele era um ótimo orientador. Aprendera mais naquela semana sobre feitiços de detecção das Artes das Trevas do que nos dois últimos anos. Potter era bom no que fazia e sabia que era bom no que fazia, portanto, embora fosse arrogante, passava segurança para ela ao ensiná-la.
Estava pensando que, assim que chegasse em casa, treinaria o feitiço abrasador – que fazia com que qualquer resquício de magia negra contida em algum objeto desse a impressão de estar "queimando". Sem dúvidas seria muitíssimo útil em suas futuras missões como Auror. Isto é, se passasse do estágio. O que parecia a cada dia mais distante se fosse levar em conta seu relacionamento com o comandante.
— Evans. — A voz de Potter a arrancou de seus devaneios. — Está dormindo? — A incredulidade estava estampada em sua voz.
Lily abriu os olhos, encarando-o assustada.
— É claro que não, Potter.
— Hm.
— Eu penso melhor quando estou de olhos fechados. — Ela respondeu na defensiva, irritada com a falta de crédito que ele tinha para com ela. — Fica mais fácil de organizar os pensamentos.
Potter encarou-a, seus olhos castanhos demonstrando um misto de surpresa e algo mais, enquanto a observava, sério. Lily sentiu as bochechas esquentarem diante de sua perscrutação, mas não desviou o olhar.
Surpreendeu-se ao perceber o fantasma de um sorriso no canto de seus lábios.
— Do que está rindo? — As palavras escaparam de sua boca, fazendo-a xingar-se mentalmente quase de imediato, mas Potter não pareceu se importar.
— Acho irônico que você precise fechar os olhos para poder pensar. Me diga, Evans, como você vai conseguir duelar com algum comensal da morte se tiver de fechar os olhos para lembrar dos feitiços? — E então ele sorriu um pouco mais, divertindo-se mais do que o necessário com a própria pergunta. — Sabe o que eu vejo, Evans? Você, morta, antes de pronunciar uma azaração.
— Eu não preciso fechar os olhos para lembrar dos feitiços. — Ela retrucou, sentindo o mau humor se alastrar por toda sua corrente sanguínea. — Qual é a droga do seu problema, Potter?
Pego de surpresa pelo tom de voz dela, Potter franziu o cenho.
— Problema?
— Você me odeia, é isso? É por isso que passa noventa por cento do seu tempo me ignorando e os outros dez me desprezando? — As palavras continuavam a sair de sua boca, sem qualquer controle. Ah, não, ela havia se segurado por dias a fio não querendo dizer aquelas coisas. Uma semana já era tempo demais para que alguém como ela continuasse com aquilo.
— Evans... — Potter começou a falar, mas ela o interrompeu.
— Não está feliz por ter ficado comigo como aluna, Potter? Pois saiba que é reciproco. Preferia mil vezes ter pegado o babaca do Diggory ou o lerdo do Dearborn do que ter de ficar aturando essa sua cara inexpressiva pelo resto do mês. Mas sabe qual é o meu problema? — Sua voz estava um pouco alterada, mas ela não conseguia se importar. Estava irritada. — O meu problema é que eu não posso escolher mudar de esquadrão. Portanto ou você começa a me aturar e agir como um orientador decente ou eu vou ter que desistir e, me desculpe, Potter, mas não me matei nos últimos dois anos para tentar fazer a diferença na droga desse mundo bruxo extremamente xenofóbico só para um cara babaca feito você me fazer desistir. — E dizendo aquilo, ergueu-se de onde estava sentada, sabendo que acabaria azarando seu comandante se ele continuasse a encarando com aquela expressão ilegível.
Afastando-se a passos largos, Lily saiu para a rua principal, furiosa. A neve abafava o som de seus pés enquanto caminhava sem rumo, até que, por fim, deparou-se com uma ruela que ela sabia levar até a Casa dos Gritos.
Lembrava dos tempos da escola, das pessoas comentando que a casa era assombrada, mas, em todas as vezes que havia ido até lá – através da passagem que havia encontrado com o Mapa que tinha furtado em seu quarto ano de uma gaveta qualquer da sala do Filch – não havia encontrado nada além de cortinas rasgadas e móveis destruídos.
Para Lily aquilo sempre pareceu como algo feito por lobos ou qualquer animal com garras afiadas e fortes o suficiente para deixarem aqueles sulcos profundos por toda a casa.
Assim que chegou em frente à cerca que separava o terreno da casa do povoado de Hogsmeade, Lily sentiu um aperto no peito. Fazia dois anos desde que saíra de Hogwarts. Dois anos desde que havia parado de escapar durante à noite para se divertir pelos terrenos da escola. Dois longos anos desde que sua única preocupação era passar nos N.I.E.M.s.
Certo, estava exagerando.
Lily sempre havia se preocupado com o mundo bruxo e a guerra que se abatia sobre ela. Sempre havia se sentido temerosa devido à sua condição de nascida trouxa, assustada diante da possibilidade de ter sua família atacada por conta daquilo. Eles não tinham culpa por ela ser o que era. Era injusto demais que tivessem que sofrer por conta de algo sobre o qual não tinham controle.
E fora por causa daquela sensação de injustiça que havia decidido ser Auror. Queria fazer mais pela sociedade em que vivia. Queria poder defender aqueles que prezava. Queria fazer a diferença naquela maldita guerra.
E por algum tempo pensou estar quase conseguindo. Exceto que seu orientador parecia odiá-la e não havia muito que ela pudesse fazer a não ser aturá-lo pelo próximo mês até estar livre para fazer missões sozinha.
— Evans! — Potter aproximou-se de onde ela estava, levemente ofegante. Pensar que ele precisara correr para poder alcançá-la dava a Lily uma sensação de satisfação maldosa.
Ela não ergueu os olhos para encará-lo quando ele parou ao seu lado, mantendo-os perfeitamente parados sobre a Casa dos Gritos.
— Que é? — Indagou, ainda furiosa demais com ele.
— O que você estava pensando, Evans? Agindo daquele jeito na frente de toda aquela gente? E se tivesse um informante de Voldemort por perto? Você parou para pensar que ele pode ter ouvido o seu ataque e ter associado à nossa imagem à de informantes? Que você pode ter estragado qualquer chance que tivéssemos de conseguir alguma informação? — A irritação também era visível na voz dele e, por conta disso, ela finalmente voltou-se para ele, encarando-o chocada.
— Você está me dizendo que veio até aqui para me repreender por eu ter sido humana? Por eu não ter aguentado quieta a sua grosseria? Está falando sério, Potter?
— Você não deveria ficar irritada por eu querer que você seja uma boa auror, Evans. — Ele estreitou os olhos, muito mais firme do que jamais havia sido com ela. — Se você queria moleza estava certa em preferir Diggory ou Dearborn, mas eu não sou eles. Eu exijo dos meus alunos o melhor, Evans, porque eu sou o melhor.
— Quanta arrogância, seu...
— Isso é um trabalho sério, Evans. E você nem sempre vai ter a mim por perto para tapar cada furo que você deixar. Você não vai poder tropeçar em cada pedra em seu caminho ou sair por aí comendo doces enquanto as pessoas investigam à sua volta. — Ele se aproximou, seus olhos castanhos estavam quase negros de irritação. Lily ofegou com a proximidade e tentou dar um passo atrás, mas a cerca da Casa dos Gritos a impediu. — Você precisa estar preparada para enfrentar as Artes das Trevas, Evans. Precisa saber que nem sempre você vai encontrar as coisas arrumadas. Você vai ver mortes. Vai causar mortes. E precisa estar pronta. Voldemort não...
— Cale a boca, Potter. — Lily interrompeu-o, sentindo-se inquieta ao ouvir passos se aproximando.
— Eu não vou calar a minha boca, Evans! Você precisa aprender a ouvir também! Nem tudo são...
— Cale a maldita boca, Potter! — Lily voltou a cortá-lo, erguendo uma mão e tapando sua boca de maneira impulsiva, os olhos arregalados quando viu três vultos usando capas negras se aproximarem pela ruela à sua esquerda.
Era apenas muito esquisito que três pessoas com aquele tipo de veste estivessem caminhando por aquela via escura àquela hora da noite.
Potter, parecendo finalmente entender ao que ela estava se referindo, assentiu, no que ela imediatamente puxou a mão que estava sobre seus lábios, sentindo-se constrangida. Não que aquele fosse o momento para aquele tipo de reação.
— Eles vão nos ver aqui. — Lily murmurou baixinho, observando enquanto os três se aproximavam a passos rápidos. — Precisamos fazer alguma coisa, Potter ou eles vão desconfiar e não poderemos segui-los. — O coração de Lily estava acelerado.
Potter que sempre parecera tão calmo, naquele momento tinha os olhos tão arregalados quanto os dela, a respiração ofegante devido ao rompante de irritação. Céus, como ela conseguira tirá-lo do sério daquele jeito?
— Potter... — Lily voltou a chamá-lo quando os vultos ficaram ainda mais próximos. Ela ergueu seus olhos muito verdes para ele. — Precisamos...
Mas ele não a deixou terminar de falar, pois, naquele instante, a puxou para perto, grudando seus lábios aos dela.
O desencadeamento de emoções que aquele toque teve sobre ele foi intenso. Sua pulsação se elevou rapidamente, fazendo com que suas veias parecem dançar dentro dele. Seu sangue borbulhava, quente, fazendo com que o frio em volta deles não parecesse existir.
Os lábios dela, macios, pareciam encaixarem-se perfeitamente aos dele e, quando ela retribuiu – após alguns instantes de choque – e ele aprofundou ainda mais o beijo, um gemido rouco e gutural escapou de sua boca sendo seguido por um suspiro dela.
Lily ergueu as mãos para seus cabelos, finalmente dando vasão à vontade que sempre a havia consumido: descobrir se eles eram tão macios quanto pareciam. E eram. Ela afundou os dedos ali, baixando-os para o pescoço dele logo em seguida, arranhando-o. Os braços de James fecharam-se em volta dela, puxando-a para mais perto, acabando com o espaço que havia entre eles.
Estavam totalmente entregues àquele momento. A briga de minutos atrás parecendo ter sido totalmente varrida de suas mentes. O único problema era que, se continuassem aquilo – e havia vontade mútua de continuar – acabariam perdendo o rastro do que seria a melhor chance deles de descobrirem alguma coisa.
Foi preciso muita força de vontade da parte de James para que conseguisse parar de beijá-la e mais ainda para que se afastasse. Os lábios de Lily estavam inchados e suas bochechas extremamente coradas, o que fazia com que coisas estranhas se remexessem no interior dele.
Quase imediatamente, a culpa o tomou. James sabia que o que havia acabado de fazer fora errado. Totalmente errado, na verdade.
Estava prestes a pedir desculpas pela falta de profissionalismo quando ela o interrompeu.
— Precisamos segui-los. — Ela disse mais para si mesma do que para ele. Seus cabelos estavam bagunçados, mas ela não parecia se importar. Lançando um último olhar na direção dele, Lily começou a se encaminhar em direção à ruela.
— Evans, espere. — James a chamou, caminhando rapidamente até ela enquanto puxava um tecido prateado de dentro das vestes. — Venha, vamos usar isso daqui. — Murmurou, constrangido demais para conseguir encará-la.
Lily, que o encarava desconfiada, pareceu embasbacada ao ver o que ele tinha em mãos.
— Isso é uma capa da invisibilidade?
— É... eu queria ter lembrado dela antes, para evitar... — James disse, sentindo as bochechas esquentarem ao lembrar do que havia feito.
— Está tudo bem, Potter. — Evans ergueu os olhos para ele, encarando-o com uma expressão que ele não conseguiu ler. — Você agiu por impulso e funcionou. Eles não nos perceberam... ou se o fizeram, bem... — Deu de ombros. — Agora precisamos nos apressar antes que os percamos de vista.
Em choque pelo comportamento totalmente frio da garota, James concordou e então atirou a capa sobre eles.
O mais rápido que suas pernas deixavam enquanto caminhavam abaixados – depois de Evans conjurar um feitiço para apagar os rastros deles na neve – seguiram pela ruela que eles sabiam que os levaria ao Hog's Head. Assim que estavam chegando lá, contudo, James percebeu que os três encapuzados continuaram seu caminho para além dos terrenos de Hogsmeade, quase invisíveis contra a escuridão da noite, indo em direção à Floresta que fazia margem ao povoado.
De modo silencioso, ele e Evans os seguiram e, por todo o caminho, James tentou não pensar demais no que a proximidade fazia com seus nervos.
— Potter. — A voz de Evans, suave contra seus ouvidos, causou um arrepio involuntário. — Eu acho que sei para onde eles estão indo.
Surpreso com a informação, James parou de andar próximo a uma grande árvore, sem tirar os olhos dos vultos que se afastavam, muito mais lentos depois de terem adentrado a floresta, e puxou-a levemente para que fizesse o mesmo.
— Sabe? — Indagou e ela assentiu, parecendo assustada.
— No meu sétimo ano em Hogwarts eu usei uma... coisa que me ajudava a sair da escola. — Ela disse, lembrando da quantidade de vezes que fugira com a ajuda do Mapa do Maroto. — Numa dessas saídas, acabei caminhando demais e me perdi de uma passagem. Quando me dei conta, estava perto do cemitério do povoado. — Indicou o lugar por onde os encapuzados haviam sumido. — Atrás do cemitério havia uma pequena capela. Eu tentei entrar lá, mas nada do que fiz abriu a porta. Quando eu voltei, comentei com Hagrid sobre o cemitério. Ele me olhou esquisito, falando que "não há cemitério nenhum em Hogsmeade, Lily". Eu fiquei curiosa para voltar lá e tentei refazer o caminho, mas antes que eu chegasse os Dementadores – e haviam muitos deles – me interromperam. Eu fiquei assustada demais para tentar de novo. No dia em que encontrei você ao sair do Três Vassouras tinha ouvido Hagrid comentar que vira movimentações estranhas perto da Floresta que margeia Hogsmeade durante à noite.
James sentiu-se levemente surpreso ao ouvi-la falar sobre Hogwarts e de como fugia da escola, porque aquele era o mesmo tipo de comportamento que ele tinha em seu tempo de estudante e que o colocara em mais detenções do que poderia contar. Evans nunca havia parecido ser aquele tipo de pessoa, mas, bem, o que ele sabia a seu respeito exceto que ela era extremamente irritante?
— Vamos. Se você estiver certa, pode ser que tenhamos uma boa caminhada pela frente. Você vai ter de nos guiar se perdermos eles de vista, Evans. Preste atenção. — Ele murmurou e então voltou a caminhar com ela ao seu lado.
A expressão que havia no rosto dela era muito mais atenta do que ele jamais havia esperado. Seus olhos verdes perscrutavam cada centímetro de vegetação por onde cruzaram, sempre registrando tudo com cuidado. Por mais de uma vez ela o fez parar de andar, lançando o feitiço abrasador sobre um galho e descobrindo que havia alguma maldição ou veneno sobre ele.
— Bons instintos, Evans. — James murmurou após desviarem de um feitiço localizador bastante potente. — Isso está ficando melhor a cada segundo.
— Eu estava querendo treinar esse feitiço há algum tempo. — Ela sorriu levemente. — E, se por melhor você está se referindo a "mais perigoso", então eu concordo. — Respondeu no mesmo tom de voz.
Demorou quase uma hora até chegarem no lugar que Evans havia dito – depois de acabarem perdendo o rastro dos encapuzados – e mais vários minutos até perceberem que, para onde quer que eles tivessem ido, não estavam mais ali.
— As portas estão abertas. — Lily disse, ofegante, saindo debaixo da capa antes de caminhar em direção a pequena capela. — Isso daqui parece trouxa.
— Antes de criarem Hogwarts havia alguns andarilhos trouxas pela região, então sim, pode ser. — James concordou, guardando a capa no bolso interno das vestes antes de ir atrás de Lily. — Cuidado, pode haver alguma maldição por aqui.
— Você acha? — Ela resmungou em resposta, fazendo-o franzir os lábios. — Potter, eu tenho certeza de que eles vieram para cá.
— Como pode ter tanta certeza? — James indagou, mas não tão cético quanto antes. Percebera que Evans não era tão desleixada quanto pensara.
— Aqui estão os mantos deles — puxou um tecido negro de cima de uma bancada de cimento para mostrar a ele. — E, se você se concentrar o suficiente, vai sentir que há uma magia poderosa no ar. — Ela fechou os olhos como se para provar sua teoria. — Eu tenho quase cem por cento de certeza de que eles usaram uma chave de portal. — Voltou a abri-los, confiante.
— Mas por que vir até aqui para usar a chave?
— Bem, o Ministério monitora as chaves, não? — Ela indagou e ele assentiu. — Talvez haja algo aqui... ei! Você lembra daquele feitiço localizador do qual desviamos no caminho? Eu tenho certeza absoluta que nenhum feitiço localizador que eu tenha aprendido pode ser forte daquele jeito! — Seus olhos brilhavam.
— Você está querendo dizer que aquilo poderia ser algo diferente?
Ela assentiu e então sorriu diante da possível descoberta.
— Potter, e se o feitiço faz com que este lugar se torne imapeável?
James sentiu a própria euforia aumentar diante da informação.
— Os únicos feitiços deste tipo dos quais ouvi falar foram os das escolas de magia, Evans. É algo muito poderoso. Somente um mago com muito poder poderia...
— Bem, nós estamos falando de Voldemort, não estamos? — Lily adicionou, fazendo com que ele se arrepiasse levemente ao ouvir aquele nome.
— Sim, nós estamos. — Ele assentiu, surpreso por concordar. — Você tem razão. Precisamos falar com o Moody. Imediatamente.
[SÁBADO – DEPARTAMENTO DE AURORES]
— Não há registros de cemitério naquela região, Evans. — Moody resmungou, mas seu tom não era de repreensão. Era de curiosidade. — Vocês têm certeza do que viram?
— Sim, senhor. — James assentiu, convicto. — Nós caminhamos por uma hora até chegar lá, Moody. A Evans sabia o caminho, ela já tinha ido antes.
— Sério? — Moody estreitou o olho bom na direção da poltrona onde ela estava sentada, no que Lily apenas concordou.
Era madrugada e ela estava exausta. Haviam demorado mais tempo para sair da Floresta – depois de descobrirem que não podiam aparatar de lá – do que para entrar. As roupas deles estavam rasgadas e, embora James estivesse esfuziante, tudo que Lily queria era deitar a cabeça no travesseiro e dormir.
Sabia que aquela não era uma reação adequada diante de tal informação, mas o sono que ela sentia era tão forte que fazia com que seus olhos pesassem... e então eles estavam fechados e ela simplesmente não conseguia abri-los, embora continuasse ouvindo murmúrios à sua volta.
Pensou ter escutado alguma porta abrir e alguém cumprimentar, mas não prestou atenção o suficiente para que pudesse entender...
— Evans? — A voz de Moody soou fraca demais.
— Evans? — Potter parecia preocupado, mas ela não conseguia se importar. — Evans!
— O que aconteceu com ela? — Aquela era a voz de Dumbledore? Ela não conseguia reconhecer...
— Eu não sei, ela... — Mas Lily não queria mais ouvir. Havia certo conforto na escuridão de sua mente, algo fofo e quente que a puxava para dentro a cada segundo mais. Ela queria dormir e nunca mais acordar. Queria ficar ali, quietinha, sem se importar com missões, aurores, comensais, maldições ou beijos de James Potter. Queria desvanecer em sonhos escuros e sem sentido, porque aquilo era bom e...
— Enervate. — A voz soou alta em sua mente, fazendo-a se acordar, assustada. — Lily? — Os oclinhos de meia-lua de Dumbledore entraram em foco, fazendo-a ofegar, enjoada.
— Eu preciso... — Ela começou a dizer, mas precisou se esquivar do antigo diretor para que não acabasse vomitando sobre ele.
O líquido que jorrava de sua boca e narinas era espesso e escuro e, junto dele, havia algo de um rubi intenso que só podia ser sangue.
Sentiu alguém afastar seus cabelos do rosto, mas não conseguia distingui-lo, pois, sua visão voltou a embaçar. Zonza, ergueu a mão, segurando-se no que deveria ser o braço de alguém.
— Be... zoar... — Ela murmurou com muito esforço entre golfadas de vômito, lembrando-se de ter tocado numa das balaustradas e de, em seguida, ter passado a mão perto da boca para afastar um inseto.
— Desculpe, Evans, o quê? — Era Potter em quem ela estava se apoiando, pois foi ele quem se moveu contra ela, afastando mais algumas mexas de seu rosto, encarando-a com preocupação estampada em seu rosto.
— Be... bezoar. — Repetiu e então voltou a apagar sem saber se um dia acordaria.
N/A: E aí, amores, o que acharam? Como eu disse nas notas iniciais, a fanfic está TODA escrita, apenas esperando para ser postada, rs
Comentem, amores, me contem o que estão achando e quais as expectativas para os próximos capítulos! Ficarei muitíssimo feliz em respondê-los!
Beijinhos e até breve :*
