Algumas pequenas colunas que pareciam estar em ruínas demarcavam uma área que algumas pessoas conheciam muito bem e não se atreviam ultrapassar. Mas não aquela pessoa que exibia um sorriso beirando o escárnio.

- E ai, Shina, vamos treinar juntos hoje?

- Este lado do santuário pertence às amazonas, cavaleiro. Sua presença aqui é proibida. Assim como para qualquer homem.

- E por acaso Cassios não é homem?

- Ele é meu discípulo. E mesmo assim, sua permanência aqui é breve.

- Você sempre arranja desculpas pra tudo. Como amazona de prata poderia viver na área destinada aos cavaleiros de prata.

- E você sempre vem me aporrinhar com perguntas sem propósito. Justamente por ser amazona que não aceito morar na vila dos cavaleiros de prata.

Dando as costas, a amazona some da vista do cavaleiro. Mas se ela pensava que ele iria desistir, estava redondamente enganada. Conhecia muito bem o seu gênio. Era tão teimosa quanto ele. Sempre fora assim. A questão é que de uma hora pra outra ela havia mudado. Como sabia disso? Se retrocedesse até um passado escondido em suas memórias talvez entendesse o motivo.

***

Um garoto que devia entre seus nove a dez anos corria sem prestar muita atenção para onde estava indo. Seus cabelos azuis balançava a cada passo que dava. Seu rosto hora sorria com seu feito, e as vezes ficava levemente sério. Repentinamente, escutou passos entre as árvores, como se algo, ou alguém o seguisse. Esforçou-se mais para despistar seu perseguidor. Um pouco mais a frente, a clareira sugeria que estava próximo de alcançar seu destino. Olhou para trás, tentando ver se avistava uma alma viva. Nada. Voltou-se para frente, espantando-se com aquela pequena figura que o fez afastar alguns passos.

- A punição para quem adentra o território das amazonas é rígida, garoto. Está preparado para...

Uma risada sardônica era alta, e feria os ouvidos da garota que parecia não estar acostumada com aquilo. Com um olhar desdenhoso o garoto utilizou do mesmo tom com ela:

- Garoto? E quem acha que é, menininha?

- Shina amazona de prata de cobra. – dizia a garota demonstrando orgulho de ser alguém importante.

A risada não podia ser mais exagerada do que as palavras que ouviu a seguir:

- Amazona de prata? Não me faça rir. Você nem tem condições de juntar as palmas da mão sob a cabeça, o que dirá, conseguir usar uma vestimenta de prata?

- Posso não poder usar a armadura agora, mas usarei a armadura de cobra no futuro ao ganhar das minhas rivais. – escutou mais outra risada, ficando vermelha de raiva sob a máscara. Assumindo uma postura de ataque disse com seriedade – Prepare-se, pois serei eu, Shina, a pessoa que o fará retornar a seu devido lugar.

- Você e mais quantas míseras amazonas?

A garota parte pra cima dele dando chutes e socos, pegando o seu oponente desprevenido. O rosto dele, assim como seu imaturo abdômen foi atingido causando uma leve dor, deixando o garoto irritado. Não aceitava esse tipo de coisa nem de seus companheiros de treino, e a idéia de um aprendiz de amazona conseguir realizar tal feito era um completo absurdo. Quando percebeu que ela partia para o ataque novamente procurou defender-se, o que não se provou uma grande dificuldade. Empenhou-se para não permitir que ela sorrisse novamente como se tivesse obtido a vitória. Ela dificultava a luta ao utilizar seu despreparado cosmo, e suas unhas que passaram de raspão pelo braço do garoto. Agora sim, ela conseguiu irritá-lo consideravelmente. Pegando seu pulso na hora H que ia atacar, jogou-a por cima de seu corpo. A garota caiu no chão e ele subiu encima dela, segurando seus pulsos na altura de sua cabeça:

- Eu deveria arrancar sua máscara agora. – dizia sorrindo.

- Nem em mil anos conseguiria. – então ela o derrubou com um movimento brusco para o lado.

- Você é sempre tão cheia de si? – dizia olhando surpreso para aquela garota determinada.

- O mesmo pergunto a você.

- Não sou igual a você. Sem sombra de duvidas serei um cavaleiro de ouro.

- Se diz isso, por que queria fugir do santuário pelo lado norte? – atinou para sua lógica ao lembrar-se que aquele garoto estava fugindo de suas obrigações.

- Não estava fugindo do santuário. Tudo o que queria era desfrutar de algumas horas de descanso sem que meu mestre interrompesse. E que lugar melhor senão fora do santuário onde se tem o que fazer?

- Vocês, garotos, tem muitos privilégios. Do nosso lado do santuário não existe essa palavra: descanso.

- É mesmo? Então por que está aqui, sem fazer nada?

- Tinha acabado com minha sessão de exercícios e procurava um lugar afastado para treinar além do que minha mestra havia mandado. Como sempre faço todos os dias.

- Você está me dizendo que treina alem da conta porque quer? Essa é a coisa mais ridícula que já ouvi falar.

- Para uma amazona, treinamento nunca é pouco. Sabemos muito bem quanto a nossa posição aqui. Somos inferiorizadas por sermos mulher embora tenhamos que utilizar essa máscara para esconder isso, iremos continuar a ser tratadas da mesma forma.

- E que mal há nisso?

- Que pergunta idiota. É lógico que queremos ser reconhecidas como verdadeiras guerreiras por nossa capacidade em combate. Athena, embora que seja uma deusa, é uma mulher também.

O garoto viu-se espantado com aqueles argumentos. A garota deveria ser um pouco mais nova que ele, e, no entanto era tão precoce. Se perguntava se isso era pelo motivo de seu rígido treinamento.

- Tenho que ir agora. Meu mestre deve estar arrancando os poucos cabelos que ainda lhe resta. – deu alguns passos afastando da garota, para e olha pra ela – Amanha você estará por aqui?

- Já disse que a entrada de garotos é proibida nesta parte do santuário.

Sem mais nada a dizer, o garoto parte, certo que no dia seguinte a encontraria novamente. Tal como foi seu pensamento do dia anterior, estava acontecendo. Quanto a Shina, esta sempre se demonstrava mordaz e segura de si. Era uma relação um tanto estranha para ambos. Todas as palavras que trocavam era sempre cheia de uma certa hostilidade por parte de Shina, que sentia ira com a presença do intruso. Todo dia tinham sempre uma briga corporal, e outra verbal. Mesmo assim, estavam sempre um do lado do outro no final do dia, discutindo suas diferenças, suas novas técnicas aprendidas, entre muitas outras coisas relacionadas ao tipo de vida que o santuário proporcionava.

- Um dia, Shina, você irá parar de tentar me expulsar da vila das amazonas.

- Quando chegar esse dia será porque consegui meu intento.

Os dois cresceram, agora eram cavaleiro e amazona. Seus corpos começaram a tomar uma aparência diferente. Ele exibia um corpo musculoso, um rosto mais maduro com aquele olhar confiante. Ela exibia um corpo cheio de curvas sinuosas dentro daquela malha que usava no seu dia-a-dia. A inocência da infância deixava suas mentes aos poucos, dando lugar a suas novas características físicas e mentais. Suas personalidades se tornavam mais marcantes, astuciosos com um leve toque de arrogância devido a suas posições conquistadas.

- Lembra do dia que o Grande Mestre disse que seria uma mestra amazona? – ela fez um displicente menear positivo – Você estava tão eufórica que nem tive tempo de contar uma coisa.

- Eu nunca fico eufórica. – protestou – Apenas contei-lhe porque você estava aqui, caso contrario nem comentaria, afinal, não devo nada a ninguém pra ficar dizendo cada passo que dou.

- É, você não precisa de ninguém. Havia me esquecido disso. Eu recebi uma missão.

- Grande coisa. Já havia recebido outras tantas missões.

- Só que essa foi uma grande missão. Algo digno de um cavaleiro de ouro.

- Que bom pra você.

- Isso é inveja? – perguntou com sarcasmo evidente.

- Milo, você só pergunta besteiras. Porque eu haveria de ficar com inveja?

- Não sei. – segundos depois lembrou de algo – Você está assim porque sua discípula foi banida do santuário, não é?

- Gysti procurou por isso quando matou aqueles soldados. – pensou um pouco – Não tenho porque me sentir mal com o que aconteceu a ela já que tenho um novo aprendiz.

- Me sinto privilegiado com essa noticia. – exclamou sardônico, e com um sorriso malicioso perguntou - Quando posso conhecer a novata?

- Esse novato. Ele será o cavaleiro de bronze da armadura de Pegasus.

- Uma amazona pode treinar um garoto? Não vai contra as normas?

- Digamos que abri precedentes. Eu posso isso porque sou a mais forte dentre todas as amazonas.

- E a mais convencida também. – levantou-se indo a direção norte, e não esperava que ela perguntasse pra onde iria, mas fez questão de dizer pra onde pretendia ir – Agora que cumpri com a missão mais difícil que foi me dada, posso relaxar um pouco na vila próxima do santuário. Nada que uma boa beldade não possa fazer pra me distrair um pouco.

Depois daquele dia, Shina parecia cada vez mais arredia. Pouca conversa, nunca se deixava levar pelas provocações que ele fazia. Até que um dia deixou de freqüentar aquele lugar que era considerado o esconderijo dos dois. Das poucas vezes que se encontraram, ela estava extremamente ocupada na arena, treinando seu discípulo Cassius. Ela exigia muito dele, e também devia exigir muito de si mesma. Aos poucos, os encontros se tornavam cada vez mais raros. Ela por ter suas responsabilidades como amazona e mestra. Ele por ter suas missões e ser um guardião da casa zodiacal.

Numa determinada noite, lá estava ele, voltando ao santuário acompanhado de uma jovem loira e voluptuosa, de braços dados como se fossem dois adolescentes apaixonados. Com um sorriso encantador que seria capaz de fazer qualquer mulher em sã consciência implorar que saísse com ele, dirigiu a palavra a Shina, ignorando os soldados que estavam em posição de ataque:

- Que surpresa adorável, Shina. Não sabia que tinha se candidatado a cuidar da entrada do santuário. – Shina nada respondeu, apenas deu as costas – Vou dar um pulo rapidinho até a minha casa, mas volto logo.

- Ei, sujeito, é proibida a entrada de pessoas estranhas ao santuário.

- Ele é Milo de escorpião, soldado. Sua passagem, assim como a de sua acompanhante são permitidas desde que ela não fique zanzando por ai sem sua companhia.

A uma certa distancia, a moça que acompanhava Milo disse:

- Se você não tivesse chamado ela pelo nome, jamais adivinharia que se tratava de uma mulher.

Ao fundo, os soldados riam pra valer, parando de rir segundos depois de alguns baques surdos e alguns gemidos.

- Esse lado durão de Shina se deve por sua posição aqui no santuário. Ela é uma amazona, e como tal, seu rosto nunca deve ser visto por um homem.

***

Perguntava-se o motivo de voltar a procurá-la. Ah, sim. Ele sabia muito bem qual foi o motivo que despertou esse súbito interesse, e faria de tudo para alcançar seu objetivo mesmo com sua relutância em voltar a dirigir-lhe a palavra como outrora.

Continua...